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O Afropunk, maior evento de cultura negra do mundo, esteve em SP na última terça (19) e quarta-feira (20) numa edição pocket com a Feira Preta e cheia de expectativas pelos brasileiros
Foi de arrepiar cada pelinho dos braços ao ver o show de Rincon Sapiência da perspectiva de uma plateia que estava pela primeira vez numa edição do atual maior evento de cultura negra do mundo, o Afropunk.
Sempre me perguntei o porquê de o Afropunk demorar tanto a chegar ao Brasil. Quando a edição de Salvador foi anunciada há alguns meses, começaram meus pequenos planos para estar em 2020 lá na Bahia vivendo o festival. Mil especulações sobre os artistas que viriam. Mal sabíamos nós que o evento prepararia uma festa para os paulistas, chamada “Black to the Future”, numa edição na semana da Consciência Negra.
Às 23h da terça (19), na Audio em SP, estava eu já rodando pelo evento me perguntando “cadê esse público?”. Até aquele momento as pessoas que chegavam eram poucas. Agora pensando sobre isso, vejo que talvez o atraso se deu pela produção incrível de roupas, cabelos e maquiagens que pretinhos e pretinhas fizeram para chegar no evento de um jeito que fazia jus.
Para quem não sabe, o Afropunk também é considerado um evento de moda afro, devido ao impacto que gerou quando os pretos começaram a ir estampando formas únicas de se vestirem e representarem a diáspora da cultura africana. Não é à toa também que essa edição veio em parceria com a Feira Preta – maior evento de intervenções culturais de estética negra da América Latina, criado justamente em São Paulo e que completa 18 anos em breve.
Teve gente preta. Teve o axé de Xênia França gritando “Laroye Exú”. Teve tambor. Teve funk. Teve redemoinho de pessoas dançando. Teve muito discurso antirracista. Teve BaianaSystem cantando sobre as veias abertas da América Latina. Teve Karol Conka alertando “escutem a mulher preta”. E sim, teve mulher preta nas pistas, nos camarotes, nos palcos, na apresentação do evento e comandando as máquinas fotográficas.
Muitas blogueiras pretas e pretos que você esperou um dia poder reunir num lugar só também estiveram presentes. Magá Moura, Luci Gonçalves, MC Sofia, Tasha e Tracie, Preta Araújo, Loo Nascimento, Helio Menezes, Ad Júnior, Ana Paula Xongani e muitos outros e outras. Foi um desfile só embalado por muita música preta.
Aliás, muitos artistas baianos, entre eles Luedji Luna, Xênia França e Larissa Luz, que juntas fizeram show do projeto Aya Bass. Numa mistura de axé, tambores, música eletrônica, referências aos orixás e canções já conhecidas do repertório de cada uma. Elas mostraram a potência da volta da mulher preta baiana nos holofotes.
E sobre música preta, definitivamente o Brasil está num dos momentos ímpares de artistas conseguindo visibilidade e espaço. Os artistas pretos mostraram em seus shows o quanto estão com a mão no futuro da música brasileira mais disruptiva e inovadora. Se com Aya Bass o público já remexia ensandecido, com Karol Conká, que fez um show resgatando seus primeiros singles, não foi diferente. Ela inclusive do auge de uma carreira bem estruturada agradeceu ao público: “”Muito obrigada por gostarem de mim do jeito que eu sou”.
O poder do artista negro estava nos palcos amarrado de muitos gritos políticos. Um poder consciente. BaianaSystem não titubeou em gritar “nossa cultura em primeiro lugar!” por diversas vezes, o que empolgava mais ainda o público. Público esse formado, sim, por muitos pretos e pretas, mas que poderia ter mais se o ingresso estivesse um pouco mais acessível no valor.
O que fica de percepção da primeira vez que o afropunk aportou em terras brasileiras é: se em São Paulo já foi tudo isso, imagine ano que vem, em Salvador – a cidade mais negra do Mundo, fora da África.
Texto por Magalli Souza Lima e fotos por Lígia Oliveira.
Que cobertura incrível!
Que bom que curtiu :)
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