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Racismo no turismo

Quem escreveu

Renato Salles

Data

18 de April, 2018

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‘Eu não sou racista!’ – Atire a primeira pedra quem nunca proferiu essa mentira. Racismo é uma construção social tão arraigada na vida humana, que somos quase incapazes de enxergar nossas próprias manifestações de discriminação. Queiramos ou não, somos todos – em maior ou menor grau – racistas de alguma forma. E falar sobre o assunto, cutucar a ferida, é o melhor caminho que temos para tirarmos um tijolinho por dia desse gigantesco muro que nos divide. O turismo é um dos maiores canais que temos com o mundo. Viajando o mundo, conhecemos as culturas mais distantes e diferentes, o que nos oferece uma visão distanciada na nossa própria. Parece óbvio, portanto, que o racismo seja um tema tão importante e urgente para a indústria do turismo. Mas enquanto algumas ações jogam a luz educativa sobre o problema do racismo, outras parecem até difíceis de acreditar em pleno 2018.

Um dos casos mais espantosos que surgiu aqui no Brasil recentemente foi da Fazenda Santa Eufrásia, revelado pelo The Intercept em 2016. A propriedade, que é a única privada tombada pelo IPHAN-RJ, era palco de um espetáculo grotesco de recriação do período escravocrata. A proprietária Elizabeth Dolson se trajava como sinhá e recebia os hospedes com seus empregados vestidos como escravos. Ainda frisava que seu negócio era ‘sem racismo’. Claro que o Ministério Público Federal acabou com a palhaçada e impôs um Termo de Ajustamento de Conduta para que o lugar ofereça uma experiência realmente educativa em relação à escravização dos negros no Brasil. Mesmo assim, ainda tem gente que acha que escravidão pode servir como tema de festa.

racismo no turismo
A sinhá Elizabeth Dolson, da Fazenda Santa Eufrásia, na matéria do The Intercept – foto: Igor Alecsander

Uma reportagem da revista americana Dazed relata o estranhamento causado por um tour a pé montado por uma agência para ver o ‘lado artístico’ de Bushwick, um bairro pobre de Nova York, com só 6% da população branca. Um grupo de curiosos de classe alta se sentem à vontade para circular em um ‘lugar perigoso’ só sob a ‘supervisão’ de um guia, também nativo de Manhattan. Câmeras reflex e paus de selfies contrastam com os olhares enviesados e o xingatório ocasional dos locais. A comparação com os tours às favelas no Rio são inevitáveis. Mas o repórter pelo menos frisa que no caso brasileiro os turistas estão injetando dinheiro na comunidade, enquanto por lá tudo tem um viés de zoológico. A única parada do passeio é em um café hipster, chegado junto com a recente onda de gentrificação.

A glamurização da pobreza sempre existiu, mas só agora passou a ser tema espinhudo de debate. A revista National Geographic, que era a maior janela para o mundo da sociedade pré-internet, acabou de abrir um verdadeiro inquérito sobre toda o conteúdo já publicado (130 anos!), e fez uma louvável mea culpa. A edição de abril abre com o editorial ‘For Decades, Our Coverage Was Racist‘ (por décadas, nossa cobertura foi racista), onde a editora-chefe Susan Goldberg assume que, até os anos 70, a visão de mundo adotada pela publicação partia de uma hierarquia racial, que colocava negros e pardos como selvagens, ignorantes e exóticos. Uma mudança tão radical de postura vindo de uma empresa tão tradicional é um sinal forte de que entramos em novos tempos. Como continua o editorial, ‘para superarmos nosso passado, precisamos reconhecê-lo’.

racismo no turismo, national geographic
A potente capa da edição de abril de 2018 da National Geographic

É o que faz o Dr. David Pilgrim há quase 50 anos. Especialista em multiculturalismo, diversidade e relações raciais, ele começou a colecionar objetos e memorabilia racista que encontrava em mercados de pulgas. Sua coleção chegou a mais de 2 mil peças nos anos 90, quando ele doou todo o acervo para a Universidade de Ferris State, em Michigan, e em 2012 foi transformada em museu. O Jim Crow Museum tem hoje mais de 10 mil itens que demonstram a forma racista como negros são retratados pela cultura popular americana. Apesar de grande parte das peças serem de 1870 até 1960 (década do movimento de direitos civis que acabou com a segregação racial), é possível encontrar coisas tão recentes quanto a candidatura à presidência de Barack Obama.

Mesmo com todos os movimentos para acabar com o abismo social criado pela nossa cor, o turismo é mais uma área onde pessoas de cor enfrentam inúmeras barreiras que branco sequer imaginam. O racismo está no número muito inferior de negros viajando. O racismo está nos problemas enfrentados por negros para usar aplicativos como Uber e AirBNB. O racismo está nas revistas, abordagens e olhares atravessados sofridas por negros em todos os cantos do mundo. O racismo está na chance do negro ser preso pelo simples fato de um branco se sentir ameaçado.

Nesse cenário desolador, algumas iniciativas surgem como alento, e também como resistência. É o caso de portais como o Travel Noire, e a comunidade Nomadness Travel Tribe. No Brasil temos exemplos de respeito com a agência de intercâmbio Ebony English, e a rede de turismo Diáspora Black. É muito pouco, mas é um começo importante. O elefante está no meio da sala e não podemos mais ignorá-lo. Já que vivemos em tempos de esclarecimento, entendimento e empatia,  muitas outras devem surgir.

Quem sabe um dia, não vamos mais precisar de grupos e serviços exclusivos para grupos, quando o mundo será realmente de todos. Quem sabe, uma rede como o Starbucks não tenha que fechar 8 mil lojas por um dia para ensinar o óbvio. Quem sabe.

*Foto de capa: John Duffy (Racism – the elephant in the park).

Quem escreveu

Renato Salles

Data

18 de April, 2018

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Renato Salles

Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.

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    Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.