Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Anthony Bourdain está morto. Aparentemente, pelas próprias mãos. A notícia do falecimento do cozinheiro, escritor e apresentador de TV caiu como uma bomba nas redes sociais na manhã dessa sexta-feita, 08 de junho de 2018. O choque é potencializado pelo inesperado da notícia: nada indicava que Bourdain estava deprimido. Pelo contrário, o Chef continuava a todo vapor, se orgulhando de estar na melhor forma física da sua vida aos 61 anos (graças a uma paixão tardia pelo jiu jitsu brasileiro), namorando uma mulher fantástica, a atriz e diretora de cinema Asia Argento e com vários novos projetos encaminhados (ainda que o mais ambicioso desses, a instalação de um grande mercado gastronômico de estilo asiático no west side novaiorquino, tenha sido oficialmente abandonado no final do ano passado).
A morte de Bourdain, que ainda carece de maiores detalhes, põe um fim trágico a uma carreira tão inesperada quanto fulgurante. O Chef de cozinha de carreira mediana se transformou em um escritor de êxito aos 40 anos e finalmente se metamorfoseou num apresentador de TV de sucesso estrelar, percorrendo o mundo num ritmo exaustivo, dos arranha céus de Tóquio aos confins da África, comendo de tudo, fumando como uma chaminé e xingando quem bem entendesse, sempre com um humor irônico e afiado aliado a uma verdadeira curiosidade intelectual, uma mistura única de rock star e aventureiro vitoriano: meu herói.
Desde que me dei por gente sempre gostei de viajar e de ler. A cozinha foi uma paixão mais tardia, descoberta já adulto. Mas nunca levei nada disso muito a sério até cruzar com Bourdain. Eu já havia visto alguns de seus programas na TV, mas o que realmente me pegou foi seu livro, Cozinha Confidencial, aquela narrativa que misturava reminiscências familiares, histórias sórdidas dos porões de cozinhas novaiorquinas (algumas envolvendo a Máfia!) e consumo de quantidade colossais de cocaína e outras drogas me virou a cabeça. Estava ali uma voz autoral única, erudita sem ser pedante (Bourdain era muito mais culto do que se podia imaginar a primeira vista), honesta e autêntica, disposta a desafiar convenções, mas sempre com bom humor e abertura.
Ler Cozinha Confidencial me deu segurança pra encarar a cozinha e as viagens como talvez algo mais que um hobby. Me deu um modelo em quem me espelhar – costumava dizer pros amigos que, quando eu crescesse, queria ser como o Bourdain (nunca consegui chamá-lo de Tony, mesmo pra mim mesmo, parece desrespeitoso). Foi graças a ele que me enveredei, aos 30 anos, numa nova empreitada profissional que, se já me deu muitas dores de cabeça (e calos na mão), também me ofereceu oportunidades maravilhosas.
O livro, é claro, também abriu para Bourdain as portas da TV, oportunidade que ele aproveitou como ninguém. Sua persona pública, cínica mas ao mesmo tempo desconfiada, disposta a ir aos locais em que os outros travel shows normalmente não iam, e principalmente sua enorme paixão pela comida, que transparecia a cada cena, fez sua fama crescer exponencialmente. O próprio Anthony provavelmente diria que toda persona pública é apenas isso, uma máscara que as celebridades usam quando estão no ar, mas assistindo seus programas era difícil acreditar que ele realmente não fosse assim na vida real, a pessoa mais cool do mundo.
E essa é a outra lição que levo do Bourdain enquanto viajante: que o mundo é mais vasto e interessante do que a gente imagina; que todo lugar e toda pessoa tem algo a partilhar; que na maioria das vezes é o percurso que torna a viagem interessante, não o destino em si; e que os melhores pratos estão as vezes nos lugares mais inesperados. Esse ethos bourdaniano eu tento abraçar sempre que embarco numa nova aventura (ainda que tenha plena consciência que nunca serei tão cool quanto ele.)
Isso tudo só faz com que a notícia de hoje pareça ainda mais inacreditável. Eu nunca fui de me considerar especialmente ligado a celebridades. Claro que sinto de alguma maneira a morte de ídolos (normalmente músicos, como Michael Jackson ou David Bowie), mas é um sentimento distante e, sendo sincero, muitas vezes mais uma sensação de perda pelas obras futuras desses autores que não mais teremos. Mas a morte de Bourdain foi um verdadeiro choque, tão inesperada quanto inexplicável – o que só nos mostra mais uma vez que a depressão, além de um problema seríssimo, é ainda mais perigoso por ser muitas vezes invisível.
Prefiro me lembrar dele no auge, descolado e confiante, mestre do seu universo particular, como quando ensinou Barack Obama a comer noodles no Vietnã.
*Foto destaque: Anthony Bourdain para Vogue by Norman Jean Roy (Novembro 2016).
Paraense radicado em Lisboa. Engenheiro, cozinheiro e cervejeiro, sem ordem específica de preferência. Viajante de vocação.
Ver todos os postsLindo, filho. Fiquei emocionado. Parabens.
Perfeito. Nada a acrescentar.
Chocada tbm. Ótimo texto, simples ,mas objetivo.
Chocada tbm. Ótimo texto, simples ,mas objetivo.
Lindo texto, eu estou com o coração machucado com essa notícia. Eu via em Bourdain um tom melancólico apesar de sempre ter algo engraçado junto. Algumas vezes cheguei a chorar com o programa. Emocionada com um programa de comida, ele poida sim fazer isso com a gente. Muito triste.
Pedro, adorei o seu artigo. Também estou arrasada! “Conheci” Bordain há mais ou menos 10 anos no programa semanal dele no Travel & Leisure e desde então virei fã. Era um cara extremamente honesto (falava o que sentia, não o que agradava) e frescura zero p experimentar o que serviam a ele. Estou nos EUA desde segunda, o primeiro programa qhe assisti quando cheguei foi o unknown parts, ele estava na Armênia. Como sempre eu pensei, “adoro este programa” enfim, estou arrasada! Na mesma semana se foram Kate Spade (não a “conhecia”, mas sempre fui fã dos produtos e da loja e agora Anthony. Ei, americanos, o que há de errado com este país “doente”?! Muita coisa, infelizmente…
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.