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Akira, o mangá (e anime) que conquistou o Oeste

Quem escreveu

Pedro Ivo Dantas

Data

03 de August, 2018

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Em dezembro de 1990 eu era um moleque que adorava gibis e tinha trocado há pouco tempo os quadrinhos da Disney e Turma da Mônica por Marvel e DC. Entretanto, uma visita a uma banca em Belém me apresentou algo totalmente novo (naquela época pré-internet e quando a cultura pop ainda não tinha o peso de hoje, era dificílimo ter informações sobre os lançamentos, e spoilers simplesmente não eram uma preocupação.) Ali, em meio a tantas revistas, tinha uma que se destacava: a começar pelo formato, maior que os gibizinhos de então (o famoso “formato americano”), além de uma impressão primorosa num papel muito melhor que era o costumeiro pra história em quadrinhos e que fazia as cores saltarem aos olhos.

A capa do primeiro volume da primeira edição brasileira de Akira, pela Editora Globo.

Uma folheada e deu pra ver que a história em si também não parecia com nada que já tinha visto: motos envenenadas percorriam uma metrópole futurista e ao mesmo tempo decadente. A “ação” não parecia com nada que já tivesse visto, te colocando ali, no meio das brigas de gangues – a violência, bem mais explícita que nos quase inocentes gibis de super-herói, também fez meu cérebro pré-adolescente delirar. E notei mais uma coisa estranha: os personagens, todos, eram orientais. O nome da revista, gravado numa fonte prateada brilhante na capa, era Akira.

A história

A trama de Akira acontece no então distante ano de 2019 (!!!), numa metrópole futurista chamada Neo-Tóquio, construída sobre as ruínas da antiga capital japonesa, destruída na III Guerra Mundial. Os principais personagens são Tetsuo e Kaneda, jovens motoqueiros delinquentes que passam seus dias em brigas com gangues rivais. Esse decididamente não é um futuro utópico, e a sociedade parece a beira de um colapso, com a sociedade desestruturada e um governo autoritário. A história começa pra valer quando os amigos encontram estranhas crianças com poderes paranormais, o que vai fazer com que Tetsuo descubra suas próprias habilidades psíquicas e o coloca em busca de Akira: o primeiro e maior dos paranormais, e o verdadeiro responsável pela destruição de Tóquio.

Ao longo de mais de 2000 páginas, Otomo vai expandir sua história para explorar temas como alienação juvenil, a corrupção do poder e relações de amizade e lealdade. O tamanho da obra permite que os personagens tenham suas personalidades exploradas e desenvolvidas, e efetivamente evoluam ao longo da trama. Tudo isso em meio a cenas absolutamente grandiosas: Akira é um gibi “widescreen“, com cenas de ação absolutamente incríveis, que te colocam em meio a perseguições de moto, manobras militares e batalhas psíquicas insanas. A energia que emana de suas páginas é palpável e, mesmo passados mais de 30 anos, difícil de rivalizar.

O mangá

Akira, o mangá, foi um divisor de águas na cultura pop mundial: embora hoje em dia as bancas de revistas brasileiras (e seus equivalentes no mundo inteiro) estejam cheias de quadrinhos japoneses e coreanos, naquela época isso era inimaginável. Akira é obra de Katsuhiro Otomo, e foi lançado inicialmente no Japão em 1980, em pequenos capítulos em preto e branco, como é costume naquele país. O grande sucesso em terras nipônicas fez que com que os direitos de publicação nos EUA fossem comprados pela Epic Comics, uma divisão da Marvel focada em obras mais autorais.

Entretanto, visando tornar a aceitação da obra pelo público americano mais fácil, a Epic preparou um complexo processo de adaptação, que envolveu trocar a ordem de leitura das páginas (no Oriente o costume é ler da direita para a esquerda) e, mais importante, colorir o mangá. O incumbido dessa tarefa foi Steve Oliff, que decidiu usar uma técnica de colorização por computador até então inédita em quadrinhos, e que depois se popularizou com a Image até vir a se tornar o padrão de mercado (portanto, temos que agradecer a Akira pelo fantástico visual dos quadrinhos hoje em dia.) Todo o processo de adaptação foi acompanhado de perto por Otomo, que tinha a palavra final em todos os aspectos da produção, e vocês podem imaginar o que era coordenar um trabalho desses entre EUA e Japão em tempos pré-internet.

A arte de Otomo nos coloca diretamente dentro da ação de Akira.
Todo o esforço valeu a pena, e Akira acabou sendo publicado com grande sucesso na terra do Tio Sam em 38 volumes coloridos, entre 1988 e 1995. Foi essa edição a base pra que a Editora Globo lançou por aqui, também com muito sucesso. Entretanto, tanto aqui como lá houve um choque para os colecionadores: após a edição 33, publicada por aqui em setembro de 1993, a série simplesmente sumiu das bancas. O motivo desse desaparecimento foi que, quando a Epic começou a lançar a série nos EUA, a serialização de Akira no Japão ainda não tinha acabado, e com o sucesso do mangá e sua adaptação para outras mídias, a produção de novos capítulos por Otomo começou a ficar cada vez mais lenta até que finalmente a produção americana alcançou a japonesa. A Epic então resolveu só lançar novas edições nos EUA quando a série fosse finalizada no Japão, o que levou vários anos. Aqui no Brasil, o hiato se estendeu até dezembro de 1997, quando a Globo finalmente começou a lançar os 8 últimos volumes que completaram a série.

Recentemente a Editora JBC começou a lançar uma nova edição de Akira, em 6 grandes encadernados, publicados em preto e branco e com leitura invertida, como no original (mesmo formato da mais recente publicação americana, pela Editora Kodansha). Até o momento foram lançadas os 2 primeiros volumes. As edições da Globo viraram item de colecionador mas podem ser garimpadas em sebos (ou no Mercado Livre!).

O filme

O principal motivo do atraso das edições finais de Akira foi que a atenção de Otomo foi tomada por uma tarefa grandiosa: transformar sua maior obra em filme. A princípio relutante em levar sua criação às telas grandes, Otomo foi convencido pelo fato de que teria total controle artístico sobre o projeto, bem como um orçamento a altura: 8 milhões de dólares, uma soma até então inédita pra um anime e que garantiu que ele tivesse um pequeno exército de animadores a disposição.

O cartaz do lançamento em mercado americano.

Condensando e modificando a trama dos quadrinhos, Akira, o filme, foi pioneiro em diversos aspectos técnicos: foi o primeiro anime a utilizar pré-gravação dos diálogos, permitindo que a animação encaixasse perfeitamente com as falas. A animação do filme, aliás, foi feita em 24 frames por segundo, o dobro do convencional, resultando em nada menos que 160 mil células pintadas a mão no total (embora elementos pontuais de animação computadorizada também tenham sido utilizados.) O uso de luz na animação de Akira é outro elemento definidor. O grupo japonês Geinoh Yamashirogumi entrou com uma trilha sonora tensa, baseada em elementos percussivos.

O resultado de todo esse esforço pôde ser apreciado nos cinemas, em 1988 no Japão e em 1989 nos EUA. Akira foi o primeiro anime lançado no circuito comercial americano e se provou um sucesso, contrariando a opinião de Steven Spielberg e George Lucas, que consideravam a animação nipônica estranha demais para o gosto ocidental – mal sabiam eles o quanto estavam enganados…

Mais que sucesso comercial, Akira se provou uma enorme influência cultural (também aqui.) Por um lado abriu de vez as portas do EUA (e por conseguinte no Ocidente) para a enorme produção pop nipônica. Provou também que animações podiam ter temas adultos: até então desenhos eram somente coisas “pra criança” (podemos então colocar tanto o mangá quanto o anime de Akira na companhia de Watchmen, Sandman e O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller como obras que expandiram o entendimento das possibilidades de suas mídias.) E o alcance do trabalho de Otomo foi muito além: trechos do filme podem ser vistos no clipe Scream de Michael Jackson, e Kanye West praticamente refilmou cenas inteiras do filme no clipe de Stronger.

A qualidade da animação de Akira foi revolucionária para a época, incluindo a forma como a luz foi trabalhada no filme.

E, claro, podemos encaixar Akira dentro do subgênero do cyberpunk. Estilisticamente Akira dialoga diretamente com Blade Runner, com suas mega-metrópoles poluídas e constantemente iluminadas por neon, ainda que não pareça ter havido uma influência direta entre as obras, dado que o filme de Ridley Scott é de 1982. Mais ainda, Akira sempre é citado como uma influência seminal para a criação do filme Matrix. Dentro do Japão o filme obviamente também deixou sua marca, mais diretamente em outro mangá/anime de grande sucesso, Ghost in the Shell.

O futuro?

Há muitos anos Hollywood vem brincando com a idéia de fazer um remake ocidental de Akira. Vários diretores já foram cogitados, incluindo Albert Hughes (From Hell), Cristopher Nolan (Batman, Inception) e George Miller (Mad Max – e pra ser sincero o único nome dessa lista que teria me deixado confiante no projeto.) Atualmente a possível cadeira de direção parece estar nas mãos de Taika Waititi (Thor Ragnarok), mas ainda não há nenhuma notícia de que a produção tenha realmente se iniciado (ou que de que vá realmente iniciar.)

A moto futurista e a jaqueta vermelha icônica de Kaneda ficaram gravadas no inconsciente pop mundial.

O fato é que essa adaptação é bastante polêmica, pra dizer o mínimo. As primeiras versões pretendiam transformar Neo-Tóquio em Neo-Manhattan e, claro, ocidentalizar os protagonistas – o famoso whitewashing. Depois de todas as controvérsias que essa prática tem ocasionado nos últimos anos (case in point, a escalação de Scarlett Johanson como protagonista de Ghost in the Shell), parece que abandonaram essas idéias. De qualquer forma, enquanto Hollywood não se decide sobre o que quer, o anime original pode ser encontrado no Netflix, portanto se você nunca assistiu esse clássico separe algumas horas e se prepare pra gritar Tetsuuuuuooooooooo!!!!!

Quem escreveu

Pedro Ivo Dantas

Data

03 de August, 2018

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Pedro Ivo Dantas

Paraense radicado em Lisboa. Engenheiro, cozinheiro e cervejeiro, sem ordem específica de preferência. Viajante de vocação.

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