Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
O que você pensa quando se fala em tendências? Essa é a pergunta que começo quase todo workshop que falo disso (para quem não sabe, além desse canal, meu day job é pesquisa de tendências e cenários futuros na White Rabbit). A resposta normalmente é diversa, mas varia de “unicórnio” a “inteligência artificial”. Todos são temas que sim, emergiram mais nos últimos anos, mas em pesquisês chamamos isso de sinais ou manifestações, e não tendências. Isso é porque, por si só, eles dizem pouco sobre o momento que vivemos. Mas ao agrupá-los, conseguimos explicar comportamentos, movimentos, e ajudar a tomar decisões no nosso trabalho e na nossa vida.
E são esses grandes movimentos que tratamos nesse post – pelo segundo ano consecutivo, lançamos o nosso relatório de macro-tendências após o SXSW, que falamos bastante aqui nesse blog, como um dos principais palcos da criatividade mundial. Mas os temas transcendem o festival. Quais as tendências que vemos crescendo em 2018? Trazemos aqui em primeira mão!
Quantas pessoas você conhece que largaram os empregos nos últimos anos para seguirem o que realmente amam? Quantas outras estão revendo suas prioridades na vida? Não é apenas na nossa vida pessoal. Se você perceber bem, o ativismo saiu do armário para ser protagonista nas empresas. A diversidade saiu do campo do discurso para se provar essencial para o sucesso nos negócios. E as pessoas têm cada vez mais consciência de que cada real gasto é um voto para o mundo no qual elas querem viver.
Assim como não vivemos apenas para trabalhar e, sim, ganhamos dinheiro para poder viver, o reflexo para as empresas é o lucro não como finalidade, mas sim um meio essencial para o cumprimento do propósito. As corporações “bilionárias” do nosso tempo não serão as que somente acumulam bilhões nos bancos, mas sim as que impactam bilhões de vidas ao seu redor.
Como exemplos no SXSW vimos o The Promiseland Project, pelo The Purpose Institute, comentando sobre a necessidade de se ter um propósito claro para o sucesso de qualquer negócio. O próprio Airbnb recentemente declarou no SXSW que as pessoas comprarão somente produtos que façam bem para a sociedade e o planeta: “Nós somos as empresas do século XXI que precisam se planejar para o século XXII” – James Lynch
Os consumidores brasileiros também preferem marcas que defendem causas sociais relevantes. A Natura representou o Brasil no último festival falando sobre um banco comunitário e como participar do Sistema B – um dos maiores benchmarks a serem estudados sobre impacto social positivo e responsabilização por todo o processo produtivo.
A economia da ética demorou, mas é muito bem-vinda. Não basta fazer bem, é preciso fazer o bem!
Vivemos um momento de quebra da confiança em todas as instituições – políticas, econômicas e midiáticas. Isso é um reflexo de todo o momento que vivemos nas mudanças dos papeis das mídia, da crise econômica ou política (sugiro ler Trust Barometer da Edelman). Passamos a questionar tudo que nos era imposto por estas esferas de poder: das mensagens selecionadas por algoritmos em redes sociais às notícias políticas que ganham relevância e influenciam o cotidiano da sociedade.
Ainda incertos do que virá a seguir, estamos sendo testemunhas e agentes do início de um movimento pela retomada de controle do que compreendemos como a realidade ao nosso redor. Papéis são redefinidos, e todo o espectro de corporações precisa rever sua atuação nesse cenário, onde transparência, acesso e reputação passam a ser as novas moedas.
Segundo Rohit Bhargava, vivemos um período de indignação manipulada em que “a mídia, os algoritmos e a publicidade combinam e criam fluxos contínuos de ruído, que muitas vezes despertam a raiva e a ira justificável em quem a recebe.” Uma revolta que na maioria das vezes é imediatamente compartilhada nas redes sociais. Por isso, precisamos entender e respeitar a indignação das pessoas, mas sem deixar de buscar uma maneira de nos elevarmos sobre ela. Em meio a algoritmos que escolhem a versão da realidade que você percebe e fake news influenciando na nossa tomada de decisão como consumidores, cidadãos e eleitores, vivemos um momento de incerteza sobre o que acreditar.
Brian Solis, um dos antropologistas digitais mais conhecidos do mundo, trouxe o pensamento “Breaking Digital Facades: It’s Time to Take Tech Back”, um beliscão, nos chamando para a realidade. “Estamos viciados em mídias sociais, viciados em distrações, e o design delas foi feito pra isso”, comparando-o com o design de cassinos.
Tristan Harris, um dos designers no Google e Facebook, teve um dos TED Talks recentes mais polêmicos, sobre como ele criava designs para distrair. “Criávamos como Deuses, sem a sabedoria, a prudência e a compaixão de Deuses.” Então eles criam sem realmente entender o efeito que tudo isso teria reforçando o quanto nossas relações estão sob controle da tecnologia.
Em tempos de Cambridge Analytica, vemos um retorno da tecnologia ao seu estado mais original: selos de segurança e privacidade, novas leis de segurança e regulamentações nos países, botwatches que detectam bots em tempo real, marcas, veículos, órgãos governamentais e instituições religiosas estão dispostas a discutir soluções e possibilidades da comunicação a partir de agora.
Agentes midiáticos passam a buscar ter consciência e decisão ativa sobre o que consomem e produzem. Segundo Eli Pariser no seu ótimo TED assim como é importante termos uma dieta alimentar balanceada, devemos estender o conceito também para a nossa dieta de informação. Plataformas passam a buscar algoritmos com um viés ético e político, mostrando não somente mais do que queremos consumir, mas também o que ainda não sabemos que também será importante consumir.
Assim como o fim da Idade Média nos trouxe um resgate dos valores humanos por meio das artes, filosofia e ciências, essa renascença volta ao foco para questionar a crença na tecnologia e nas máquinas que hoje adquiriram status de divindade e religião.
Quando a tecnologia transcende as habilidades humanas e a própria matéria, as expectativas sobre ela adquirem características sobrenaturais que a colocam em um patamar divino. Mas, passada a curva da desilusão, vivemos um momento em que toda tecnologia é vista com um potencial ambíguo, que só se realiza de acordo com a visão dos seres humanos que a utilizam como suas ferramentas de criação entre os mundos físico e digital.
Se você perceber ao redor, há um retorno ao movimento cultural que indaga “o que nos faz humanos?” e a busca por experiências autênticas e pessoais em um nível mais íntimo. Já percebeu que andamos tirando o iPad das crianças para entregar um tear de tapete? Mas, entre tese e antítese deste movimento, os próximos anos prometem nos apontar para uma síntese evolutiva em que falaremos também da humanidade de máquinas.
E, assim como na filosofia moral que coloca os humanos como principais em escala de importância, essa perspectiva é adotada em diferentes áreas do conhecimento que atribuem a maior importância à dignidade, aspirações à capacidades e valores humanos, que passam a ser resgatados. “Nós estamos em uma encruzilhada entre as estradas digital e humana” – disse o mesmo Brian Sollis ali de cima.
Ao questionarmos nossa humanidade, passamos a questionar também as tecnologia que criamos. Se queremos máquinas mais éticas e socialmente responsáveis, precisamos ter em nossos times de desenvolvimento pessoas mais éticas e socialmente responsáveis. E a evolução de ambas as partes podem fazer nascer um híbrido de tecnologias mais humanas – e humanos mais tecnológicos.
Em um mundo volátil, ambíguo e incerto, comprendemos que os antigos modelos mentais não resolvem os problemas complexos de hoje. Design disso, design daquilo: não é a toa que se ouve design em todo o lugar. A disciplina é revisitada e passa a se fazer presente em novos contextos: o da responsabilidade social de inclusão, da tomada de decisão organizacional com objetivo de inovação até o das novas experiências imersivas por meio da tecnologia.
John Maeda, no seu famoso Design in Tech Report, fala sobre a necessidade de estarmos cada vez mais conectados, mas que ainda estamos distantes pelas barreiras dos algoritmos que nos isolam em bolhas que escondem a desigualdade e falta de acesso que existe no mundo atual.
Para solucionar questões que envolvem não só tecnologia mas também impacto social, é necessário que surjam uma nova classe de profissionais híbridos, focados em combater a desigualdade utilizando as ferramentas digitais a favor de um mundo melhor.
Assim como disse Castells em seu livro Sociedade em rede, esse novo modelo de organização da sociedade é sustentado por uma economia que tem três características fundamentais: é informacional, global e em rede e quem se adequa a isso tem sua principal arma competitiva.
Saúde hoje é a indústria mais impactada pela quarta revolução industrial: dos avanços na medicina por meio da tecnologia, investimento em inteligências artificias médicas, expansão da consciência a habilidades de ciborgues que estão a um clique de distância, o futuro da saúde é o ser humano aumentando a sua saúde, e não apenas evitando doenças.
De um lado vemos a autoconsciência e saúde mental em foco: com o ritmo acelerado das transformações ao nosso redor, é preciso reflexão e prática. Há também o retorno da psicodelia: tratamentos com ayuahuasca, por exemplo, saíram do nosso país tupiniquim para ganhar status internacional.
Gigantes como Google e Ideo se uniram para prototipar soluções de saúde. A Dell apresenta novas tecnologias de ponta para assistência médica. Questões éticas como empresas utilizando biohacks que aumentam a produtividade de seus funcionários. Nomes relevantes como MIT e Singularity University discutirão o futuro da medicina e da saúde.
Com a potencial transferência do poder das grandes empresas farmacêuticas e de saúde para as mãos das pessoas, o tema nunca esteve tão em alta. Novas soluções para pessoas por meio de objetos vestíveis ou mesmo de implantes aos que buscam alcançar o próximo estágio de evolução da espécie humana.
A profecia de McLuhan da Aldeia Global se tornou algo tangível. As cidades se transformam em plataformas de mudança e provocam a redistribuição das estruturas de poder, colocando em cheque todos os sistemas de referência tradicional. Os diferentes movimento e tendências aqui apresentados começam a emergir em várias regiões do mundo, como o grande investimento da China em tecnologia, por exemplo, e nos aponta a importância de um pensamento distribuído de sociedade conectada.
Na Era Trump, o evento se torna uma ferramenta para questionar a bipolaridade política dos Estados Unidos. E mostra também como, em qualquer pátria, a tecnologia auxilia a governança e pode ajudar a sociedade a se esquivar de um futuro distópico. A visão centrada no usuário como cidadão – mais que consumidor – e como esse fato dialoga e impacta as cidades é certamente um tema que vemos crescendo além da indústria da mobilidade.
E, para desenvolver soluções junto a parceiros em tantos lugares diferentes, a cultura do trabalho remoto é um dos caminhos apresentados não como visão de futuro, mas solução que já está acontecendo aqui no presente.
Essas tendências fazem parte o Trends Report White Rabbit, idealizado por Vanessa Mathias e Lu Bazanella, desenvolvido por Gustavo Nogueira e Rodrigo Turra , da Torus, aceleradora de projetos.Se quiser saber mais sobre elas ou levar para sua empresa, escreve pra gente!
*Destaque: instalação “Conductors and Resistance” by Ronen Sharabani SXSW 2018 Art Program. Foto: Ann Alva Wieding
Seu exacerbado entusiasmo pela cultura, fauna e flora dos mais diversos locais, renderam no currículo, além de experiências incríveis, MUITAS dicas úteis adquiridas arduamente em visitas a embaixadas, hospitais, delegacias e atendimento em companhias aéreas. Nas horas vagas, estuda e atua com pesquisa de tendências e inovação para instituições e marcas.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.