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Ela foi destino da moda no Rio de Janeiro nos anos 80 e ficou meio esquecida até 2013, quando uma série de eventos reacendeu de vez o interesse do carioca pela Ilha de Paquetá. Tranquila, com seu ar de cidade pequena preservado, a Pérola da Guanabara ou Ilha dos Amores, como também é chamada, é um refúgio para cariocas (e turistas, por que não?) que querem se distanciar do clima estressante da metrópole, nem que seja apenas por um dia. Embora os anos de abandono tenham deixado suas marcas — alguns imóveis, inclusive históricos, estão malconservados, e há favelas por lá, ainda que sem a violência das da cidade — continua sendo um lugar que nos leva de volta a algum momento do passado: as casas não têm grades e muitas ficam de portão aberto, o chão é de terra batida. Garças sobrevoam a orla graciosamente. O tempo em Paquetá passa mais devagar.
Situada no fundo na Baía da Guanabara, a ilha faz parte do bairro de Paquetá, um arquipélago formado por ela e outras 14 menores: Braço Forte, Casa da Pedra, Comprida, dos Ferros, das Folhas, Manguinho, Pancaraíba, Pita, Itapacis, as ilhas de Jurubaíbas (que são duas ilhas ligadas por um banco de areia), dos Lobos, Brocoió (onde fica a residência de praia do governador da cidade, um palacete construído em 1930 e projetado mesmo arquiteto do Copacabana Palace, o francês Joseph Gire), Redonda e Sol (ou Itapuama), que durante muitos anos foi frequentada por naturistas e onde morou a artista Luz del Fuego. O nome, tudo leva a crer, veio do tupi: da junção das palavras paka (paca) e etá (muitos
O primeiro registro da ilha é de 1555, quando o francês André Thevet, cosmógrafo da expedição de Villegaignon, descobre Paquetá. Em 18 de dezembro de 1556, o Rei da França, Henri II, reconhece as descobertas de Thevet (que na realidade ocorreram em dezembro do ano anterior), por isso nesta data é celebrado o aniversário de Paquetá. A cidade do Rio de Janeiro seria fundada por Estácio de Sá apenas em 1565. Durante séculos, a produção de hortigranjeiros e a pesca no local abasteceram a corte. Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, Dom João VI passou a frequentar o local.
A ilha também foi cenário da novela ‘A Moreninha’, da Globo (que teve uma primeira versão em 1965 e uma segunda em 1975/76), e de um filme de mesmo nome de 1970, dirigido por Glauco Mirko Laurelli e estrelado por Sonia Braga, todos inspirados no romance homônimo de Joaquim Manuel de Macedo, de 1844, que se passa lá. Também inspirou músicas de Braguinha e Alberto Ribeiro (aqui em versão de Wilson Simonal), Luiz Melodia e Los Hermanos. O interesse renovado pelo lugar levou a ser rodado ali em 2014 o filme ‘Quando não há mais amor’ (um dos episódios de ‘Rio, Eu Te Amo’), dirigido por John Turturro, em que ele e Vanessa Paradis são um casal em crise que viaja para Paquetá.
Sem dúvida, um dos motivos para o ar bucólico da ilha ter sido preservado é o fato de que é proibido o tráfego de veículos motorizados particulares, somente carros que prestam serviços públicos — polícia, bombeiros, ambulância, coleta de lixo etc. — podem circular ali. Os meios de transporte da ilha são carrinhos elétricos (que substituíram as charretes no ano passado, por denúncias de maus-tratos a animais), bicicletáxis, bicicletas, trenzinho turístico, barcos e canoas. Também é proibida qualquer construção com mais de dois pavimentos. Paquetá tem pouco mais de 4.500 habitantes e foi transformada em Área de Preservação do Ambiente Cultural – APAC em 1999.
Para ir até lá, é preciso pegar a barca da Praça XV, que leva de 50 a 70 minutos e custa R$ 5,90. Confira os horários aqui. É possível fazer um bate e volta, pegando a embarcação da manhã e retornando à noite, mas dormir na ilha também é uma boa pedida. O passeio pela Baía de Guanabara por si só já vale a pena, pois passa-se pela Ilha Fiscal, a ponte Rio-Niterói e as demais ilhas do arquipélago de Paquetá. Lembre-se de passar repelente (em qualquer lugar do Rio, aliás) e de sacar dinheiro, pois somente o Itaú tem caixa eletrônico por lá, e nem todos os lugares aceitam cartão.
A chegada é na Praça Pintor Pedro Bruno, que projetou o local. Ali pertinho, há um quiosque de informações, bom para pessoas que não têm senso de direção, como eu (você também pode conferir o mapa da ilha, aqui). Na Praia Grossa, próxima à estação das barcas, no ancoradouro, dá para avistar um casarão rosa e branco com uma placa indicando: Casa da Moreninha. Ali foram gravadas as cenas externas das duas versões da trama da Globo. É uma propriedade particular, mas muitos turistas fazem questão de registrar a fachada do lugar.
Paquetá tem oito quilômetros de perímetro, o que torna percorrer a ilha uma tarefa fácil. Logo à direita da estação das barcas, está a Igreja do Senhor Bom Jesus do Monte (Praia dos Tamoios, 45), matriz da paróquia de Paquetá. Foi construída em 1763, tem estilo neogótico, e sua última grande reforma aconteceu por volta de 1900. No sentido anti-horário, está a Praça Bom Jesus do Monte, a mais antiga do lugar.
Debruçado sobre o mar, o Caramanchão dos Tamoios (Praia dos Tamoios, em frente ao nº 137) é outro exemplo da arquitetura de Pedro Bruno em Paquetá. Mais à frente, está o Canhão de Saudação a Dom João VI (Praia dos Tamoios, em frente ao nº 341), que fazia parte de uma bateria de canhões usada para saudar a chegada do rei a partir de 1808, quando passou a frequentar a Ilha dos Amores, como ele a chamava.
Um ponto turístico obrigatório é a Maria Gorda (Praia dos Tamoios, em frente ao nº 425), um baobá centenário com um tronco de quase oito metros de circunferência. Diz a lenda que tratar bem da árvore traz bom agouro: “Sorte por longo prazo/a quem me beija e respeita/Mas sete anos de atraso/a cada maldade a mim feita”. Foi tombado em 1967. Seguindo pela Praia dos Tamoios, entre os números 700 e 800 está o Parque dos Tamoios.
Na Praça de São Roque, batizada em homenagem ao padroeiro da cidade — onde acontece uma tradicional festa anual para comemorar o dia do santo, 16 de agosto — , a Capela de São Roque, inaugurada em 1698 (que só abre aos domingos, para a missa de 8h30), e o Poço de São Roque, que também tem sua lenda: dizem que quem bebesse sua água pensando na pessoa amada seria correspondido(a). Também se conta que, que graças às águas milagrosas do poço, o Dom João VI teria se curado de uma úlcera na perna.
Um clássico é a a Casa de Artes Paquetá (Praça São Roque, 31). O espaço fica em um terreno que foi propriedade de Ormy Toledo, uma empreendedora cultural da ilha que promovia famosos saraus e chegou a hospedar nomes como Pixinguinha, Radamés Gnatalli e Sílvio Caldas. Promoveu reformas paisagísticas no local e construiu uma chácara interna inspirada nas obras do arquiteto catalão Gaudí. Seus atuais proprietários viviam ali e começaram a organizar eventos em 1999. Em 2001, a casa tornou-se centro cultural aberto ao público. Além de um acervo sobre a história da ilha, o lugar tem projetos como Bem Me Quer Paquetá, para crianças, e a Orquestra Jovem de Paquetá, e abriga eventos como recitais, shows, workshops e palestras. O espaço conta com um bistrô.
Ao lado, fica a Chácara da Moreninha (Praia da Moreninha, 35), também construção de Ormy Toledo, que inclui um belíssimo pagode chinês, um casarão colonial e a casa da gruta, que fica no alto de um rochedo (Lamartine Babo só se hospedava lá). Atualmente, todas as casas estão disponíveis para eventos ou hospedagem. A chácara serviu de locação para para o filme ‘Luz del Fuego’ (1982), de David Neves e com Lucélia Santos no papel principal, e a novela e o longa ‘A Moreninha’.
A Pedra da Moreninha também faz menção ao romance de Joaquim Manuel de Macedo. Na história, é ali onde a protagonista Carolina espera pelo seu amado Augusto. O autor explica no livro a origem de uma fonte de águas cristalinas que teria existido ali até o século XIX, além da história por trás do local hoje conhecido como Túnel do Amor, que fica sob a pedra.
O Solar Del Rey (Rua Príncipe Regente, 55) é remanescente das chácaras que havia na ilha, e era onde Dom João VI se hospedava por lá. A partir de 1965, o local abrigou o Museu de Artes e Tradições Populares. Doze anos mais tarde, passou a ser ocupado pela Biblioteca Popular de Paquetá. Encontra-se fechado desde 2009, sob protesto da população, que pleiteia uma reforma do espaço.
A Ponte da Saudade é, na verdade é um píer, e foi batizada em homenagem ao escravo João Saudade. Conta-se que ele visitava diariamente o local para rezar pelo reencontro com sua família, que ficará na África. Do píer, avista-se a Ilha de Brocoió. Ali pertinho fica a Pedra dos Namorados, na Praia José Bonifácio. Diz a lenda que quem visita a ilha pela primeira vez deve, de costas para a pedra, lançar três pedrinhas sobre ela enquanto pensa na pessoa amada. Se uma delas ficar no alto do rochedo, o desejo será alcançado.
A Casa de José Bonifácio (Praia José Bonifácio, 199) ganhou esse nome por ter abrigado o Patriarca da Independência de 1832 a 1838. Atualmente, encontra-se fechada, mas está prometido reabrir como Museu de Comunicação e Costumes. Na mesma praia é oferecido passeio de pedalinho, que para muitos tem gosto de infância. No fim da orla, fica o Parque Darke de Matos (entrada pelo portão da esquina da Praia José Bonifácio com a Rua Luís de Andrade), uma área verde com árvores centenárias. Ali perto fica o Mirante Boa Vista, no Morro da Cruz, com uma vista panorâmica da Baía de Guanabara.
Uma curiosidade é que Paquetá possui um cemitério um tanto singular, dedicado aos pássaros (na Rua Manoel de Macedo, ao lado do cemitério comum), o único Brasil do gênero. Também obra de Pedro Bruno.
Como se trata de uma ilha, não podemos deixar de falar das praias, certo? Embora façam parte da Baía de Guanabara, notoriamente poluída, algumas costumam estar próprias para banho. Segundo o boletim de balneabilidade do Inea mais recente, no início desta semana seis delas estavam.
E, se até poucos anos atrás, a vida cultural de Paquetá era um pouco restrita, nos últimos tempos as opções se multiplicaram. Muitos artistas resolveram abrir as portas de suas casas à visitação do público. O um exemplo é o Espaço Sol, um com bistrô no jardim. A Casa Flor (Rua Alambari Luz, 725), que só abre aos fins de semana, também une arte e gastronomia. Todo primeiro sábado do mês, acontece uma feijoada. No segundo, a atração é o forró.
A Casa Verde de Paquetá (Rua Tomás Cerqueira, 111) também recebe eventos, como o Samba na Varanda, que acontece na área externa do lugar (com direito a piscina), aos domingos — é importante entrar em contato para saber a programação. A Casinha Amarela (Praça de São Roque), QG do coletivo e bloco Pérola da Guanabara, tem um restaurante que funciona mediante reserva antecipada para grupos a partir de cinco pessoas. Também é possível oferecer almoços fechados para grupos, podendo incluir uso da piscina e da área externa. Também há dois quartos disponíveis para hospedagem.
Por falar em hospedagem, o Solar dos Limoeiros (Rua Coelho Rodrigues, 108), que também abriga eventos culturais, desde janeiro oferece duas suítes no esquema cama e café. A Hospedaria Santa Bárbara (Rua Coelho Rodrigues, 82/casa 1), as portas ficam sempre abertas, os hóspedes podem usar a geladeira e a cozinha, e aos domingos não há horário limite para o checkout. Já a Casa de Noca (Rua Príncipe Regente, 20) é um lugar para petiscar e beber a Senhora Paquetá e A Moreninha, cachaça artesanal temperada com cravo e canela, produções próprias, além de assistir a shows.
Este ano, aliás, Paquetá conta com três bares participantes do festival Comida di Buteco, que vai até 16 de maio. O Zeca’s (Praça Bom Jesus, 12) participa pela primeira vez, com o petisco Belo, Recatado e do Mar: tortinhas de massa folhada recheada com camarão na manteiga e requeijão cremoso, acompanhadas de chips de aipim gratinados com cheddar e bacon. O M.M Vitória (Rua Furquim Verneck, 86) concorre com o Maxixe da Moreninha, carne-seca e maxixe com molho da casa acompanhados de torradinha de alho.Já o Quintal da Regina (novo nome do famoso Bar do Zarur, na Rua Doutor Lacerda, 18 — no mapa está como Restaurante da Tia Leleta) escalou As Gostosas de Paquetá: linguiças artesanais acompanhadas de farofa de germe de trigo com banana verde e tomate assado. Uma vez por mês o bar recebe uma sessão do Cineclube Paquetá.
Por fim, como não falar dos blocos de carnaval, um dos destaques da ilha? O coletivo Pérola da Guanabara, que deu origem ao bloco de mesmo nome e à festa junina que ficou famosa na cidade, não é formado por moradores da região, mas ajudou a atrair os cariocas novamente para Paquetá com seus eventos. A ilha também tem seus próprios blocos, como Unidos do São Roque, Silêncio do Amor, Toma Uma, Paz e Amor, Fechar Bar e Bloco do Serragen’s. Mas agora você já sabe que não precisa esperar as datas comemorativas para zarpar até lá.
* Foto do destaque: Fwellisch
Kamille Viola é jornalista cultural, apaixonada por música, comida e viagens. Adora mostrar cantos menos conhecidos do Rio para quem vem de fora - e quem é da cidade também. É daquele tipo de gente para quem escrever não é uma escolha: é a única opção.
Ver todos os postsTRABALHEI NA MINHA INFÂNCIA NA CASA DE ORMI TOLEDO, ONDE CONVIVI E A CONHECI PESSOALMENTE..
… A Chácara da Moreninha pertence à leiloeira Teresa Brame – e filhos. O Pagode Chinês que aparece na foto é a residência principal da senhora Teresa Brame e é um dos prédios existentes na Chácara, local, por sinal, de extrema beleza. O espaço pode ser visitado através de visita marcada com a proprietária e também está aberto para eventos. Teresa Brame possui perfil na Facebook e idem a Chácara da Moreninha. Obrigada pela oportunidade do comentário. Nanda Nogueira
Obrigada pelas infos, Nanda. :)
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