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Nem tudo são filmes: os bastidores do Festival de Cinema de Gramado

Quem escreveu

Ana Portela

Data

11 de September, 2017

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Contra todas as probabilidades, foi numa cidadezinha da Serra Gaúcha com menos de 35 mil habitantes que se firmou um dos maiores eventos da América Latina dedicado a sétima arte.  

Entre os dias 17 e 26 de agosto aconteceu a 45ª edição Festival de Cinema de Gramado, marcada por muita emoção e pelo resgate da essência, dessa que é uma das mais importantes iniciativas em prol debate e do fomento do cinema no Brasil. O CoP foi até lá para registrar tudo sobre a forte ideologia, a grande mobilização coletiva e a herança preciosa que esse Festival tem deixado para o país.

Um breve resumo da história do Festival de Cinema

O tema dessa edição foi “45 anos de resistência”. Pensei cá com meus botões: mas, por quê? Curiosa e admirada, fui até lá e conversei com realizadores, apoiadores, produtores e, claro, a comunidade, a fim de mostrar que nem tudo são filmes no Festival de Cinema de Gramado.

Os homenageados Lucy e Luiz Carlos Barreto e Karen Rodrigues em nome de Paulo Autran – Foto: Thais Piovan Bergamo

Eis a história. Com sua primeira edição oficial realizada em 1973, o Festival de Cinema de Gramado surgiu no ápice da ditadura militar no país. Mesmo assim conseguiu driblar a censura e acabou se tornando um ponto oficial de encontro de uma classe intelectual que ganhou voz por meio da arte. E foi assim que o Festival conquistou espaço e o apoio de empresas e instituições respeitadas à frente do cinema brasileiro, tais como Funarte e Embrafilme.

Conversando com Esdras Cardoso Rubim – ex-diretor do evento, responsável por 13 das 45 edições – descobri que em 1989 o Festival de Cinema de Gramado tinha seu cronograma de exibições composto 100% por filmes da Embrafilme, o que foi considerado na época o maior feito do evento. E, claro, devo concordar! No entanto – Esdras me disse com um leve tom de indignação – foi no governo Collor que o Festival teve suas estruturas abaladas. Todas as instituições culturais foram extintas, incluindo essa que acabei de citar. E, com a produção cinematográfica tão precária no Brasil, só restou a organização do evento alçar voos mais altos, indo até Cuba buscar por parceria. Assim nasceu o Festival Brasileiro e Latino de Cinema.

Esdras Rubim – Foto: Thais Piovan Bergamo

O que não se pode negar aqui é o espirito gramadense empreendedor e determinado, que acabou transformando esse evento em um ícone da arte e da democracia. As exibições “clandestinas”, as caminhadas pelas ruas da cidade gritando por um país melhor, um lugar onde toda uma classe formadora de opinião encontrou um espaço para ser e estar. Queria eu estar ali.

Os filmes e os frutos

Acredito que seja importante registrar que, dentre suas principais benfeitorias, o Festival de Cinema de Gramado foi sem dúvida um agente propulsor do desenvolvimento econômico do município. O evento tirou Gramado de trás das cortinas e passou a ser uma das principais vitrines de divulgação do lugar, não só diante do próprio estado, mas do país e também do mundo.

O fato é que o evento se consolidou também como uma marca – embora haja algumas controversas em relação a isso (sempre há!). Porém, é correto dizer que a marca Festival de Cinema movimentou (e ainda movimenta) toda a estrutura de serviços do município, dos restaurantes, hotéis até o comércio. Ao longo de sua temporada de mostras e festas, o evento chega a atrair até 300 mil visitantes, essa é a expectativa. Outro fator altamente relevante é que o Festival traz muitas oportunidades de trabalho e de negócio para a cidade.  

Palácio dos Festivais – Foto: Thais Piovan Bergamo

São aproximadamente 500 vagas diretas, sem contar o volume de serviços que chega a triplicar durante o Festival. Foi o que me disse o Diego Scariot, Gerente de Projetos da GramadoTur – autarquia criada em 2013 responsável pela realização do Festival de Cinema, bem como dos demais eventos públicos de Gramado. Interessante é que a Gramadotur é composta por membros do poder público e entidades de classe (empresários) que representam a comunidade, o que demonstra a organização da cidade em prol de seus interesses. Eu diria até que deveríamos aprender mais com a população gramadense nesse sentido!

O Festival e a comunidade

E, falando na comunidade, o que se pode dizer que o Festival trouxe de bom e de concreto para essa gente simples e acolhedora?

Nessa 45ª edição, repleta de comemorações, as quais incluíam o aniversário de 45 anos do Festival, os 50 anos de criação do Kikito (o famoso prêmio e símbolo da cidade) e os 25 anos de internacionalização do evento, o Festival de Cinema de Gramado desenvolveu ao logo de sua programação mais 110 atividades. Aconteceram ações voltadas para todos os tipos de público, além de ações de inclusão com filmes e condições especiais de acesso para cegos e surdos. (Descobri que esse público prefere não ser chamado de deficiente, por isso coloquei nesses termos).

Ainda sobre a comunidade, vale destacar que no primeiro dia de evento o Festival exibe os filmes produzidos em um dos projetos realizados com os alunos da rede municipal de ensino, o Educavídeo. Para essas sessões os ingressos são dois quilos de alimentos, mostrando o papel social que o evento desenvolve. Além dessa linda iniciativa, fiquei sabendo que são exibidos filmes nas escolas do município, com o projeto Cinema nos Bairros, assim como no Centro de Reabilitação Emanuel (CRER) e no Vale a Pena Viver.

Projeto Educavídeo – Foto: Thiele / Pressphoto

Falando em papel social, ao longo do dia, as sessões têm a entrada gratuita, ou seja, todos (comunidade ou visitante) têm oportunidade de prestigiar a iniciativa.

A Preparação

Quando perguntei sobre os preparativos, a resposta foi unanime: a preparação para o Festival de Cinema de Gramado acontece durante os 12 meses do ano, e a comunidade tem um papel determinante nesse sentido. Por exemplo, na altura do evento são montados rodízios para atender as demandas de alimentação, hospedagem, serviços em geral.

Agora em 2017 foi lançado o projeto “Receba uma Estrela”, no qual hotéis e restaurantes da cidade recebem os convidados do evento, entre artistas, diretores, imprensa e até o júri. Ou seja, o Festival economiza enquanto o empresário e a cidade ganham toda mídia espontânea gerada em cima do evento.

O que não faltam são benefícios. Mas também, a mobilização é grande. São mais de 2000 pessoas envolvidas, contando com produtores, imprensa, serviços. O Chicken or Pasta que não ia ficar de fora!

Os Desafios

Uma pergunta que não me saía da cabeça ao longo dessa visita aos bastidores era: quem paga pelo Festival? Então descobri que o evento conta sim com dinheiro público, mas que acaba sendo possível graças aos patrocinadores e apoiadores que juntos conseguem superar todos os desafios técnicos e logísticos que um evento desse porte e dimensão demanda.

Todos os vencedores do Kikito – Foto: Diego Vara/ Pressphoto

A 45ª edição do Festival de Cinema de Gramado custou aproximadamente 3,7 milhões de reais, sendo que pelo menos 85% desse valor veio dos patrocinadores do evento. Meu coração se encheu de esperança ao ver que ainda existem marcas e instituições que incentivam a cultura no Brasil. O Festival entregou esse ano mais de 30 prêmios, contemplando filmes e documentários, além das homenagens aos grandes nomes do cinema nacional.  

As Festas

Falando sobre esse evento, não posso deixar de comentar sobre o papel das festas in-crí-veis que rolam ali. Uma série de eventos mais que glamourosos acontecem em paralelo ao Festival de Cinema.

Eis o roteiro: No fim de semana de encerramento acontece o badalado Red Carpet Weekend, o final de semana que concentra as festas oficiais do Festival e traz nomes como Carpe Vita, Green Valley e até o Baile da Favorita para entreter o público que chega por ali, compondo um diversificado e exclusivo calendário festivo.

Nesse sentido, uma das festas que gera muito buchicho por ali é a tradicional Stars. Assinada pela produtora gramadense Susi Marthins, a festa oferece às estrelas do Red Carpet uma noite intimista de confraternização, com decoração exclusiva e muitos comes e bebes. Nesse ano aconteceu a 10ª edição da Stars, reunindo aproximadamente 400 pessoas entre diretores, produtores, artistas e convidados, prestigiando a tão disputada “festa da pulseirinha dourada”, parada oficial do Festival de Cinema de Gramado. Eu fui!!!

Susi Marthins na Stars – Foto: Matias Lorenzoni

O Festival de Cinema de Gramado chega a sua 45ª edição ininterrupta com muita garra, determinado a resgatar todo seu glamour. Apesar de não ser um consenso, o que acontece é que, do ponto de vista da classe empresarial, as festas são uma parte muito importante do Festival de Cinema, pois impulsionam a economia da cidade significativamente, mas não são o festival, daí a controvérsia.

Vera Zaverucha – Foto: Thais Piovan Bergamo

Mas, conversando com a queridíssima Vera Zaverucha, ex-diretora da Agência Nacional de Cinema (ANCINE), atualmente consultora do mercado Audiovisual, o resgate do glamour é importante para atrair a atenção para o que realmente importa, ou seja, o cinema brasileiro e o debate sobre ele, seja pelas festas ou outras iniciativas.

Outras ações do Festival

Falando em debate, nessa edição o Festival de Cinema veio com uma novidade: o Gramado Film Market, um espaço dentro do evento pensado para aproximar realizadores e talentos em uma discussão produtiva sobre cinema, mercado e distribuição. A iniciativa contou com a presença de importantes nomes na produção audiovisual do Canadá, país convidado do evento. Diversidade foi o que não faltou nesta edição.

Mas, na minha humilde opinião, uma herança mais que admirável que o Festival entregou para o país na sua 44ª edição é o Museu do Festival de Cinema de Gramado, um espaço vivo que, muito mais do que o histórico do festival, guarda a história do cinema brasileiro em um fantástico acervo que cresce, se transforma e se adapta, a cada ano e a cada edição do evento. Lindo de se ver.

Museu do Festival de Cinema de Gramado – Foto: Thais Piovan Bergamo

O que mais fazer em Gramado?

Confesso que, apesar de já ter ido à cidade outras vezes, nessa oportunidade lancei um olhar diferente sobre Gramado. Provavelmente, todo esse movimento, essa combinação entre badalação e arte criou uma atmosfera distinta e transformou esse pequeno município em um polo gastronômico, intelectual e empreendedor. Além do paraíso dos chocolates e do Natal Luz – outro evento incrível que a cidade entrega todo ano, com edições cada vez mais elaboradas e lindas, Gramado surpreende com atrações hollywoodianas.

Quem passa pela cidade tem que conhecer dois empreendimentos fantásticos: O Dreamland Museu de Cera, o museu que traz mais de 100 réplicas de artistas, celebridades, personagens da ficção e fantasia para aguçar a imaginação do público.

E, para os apaixonados por motos, tem também o Harley Motor Show, que exibe exemplares clássicos e atuais dessa que é nada menos que uma das marcas mais cobiçadas do mundo. Você sai de lá pensando em subir na garupa de uma Harley e cruzar a Rota 66. Quem nunca?! Ambos os projetos são pioneiros e únicos na América Latina.

E essa foi sim uma aventura! Circulando pelo backstage do evento, observando o comprometimento da equipe de produção, trabalhando dia e noite para entregar um festival de qualidade, digno das suas 45 edições ininterruptas. Foi bonito de se ver o interesse e a boa acolhida da comunidade, uma cidade limpa e organizada, tudo compondo a história do Festival de Cinema de Gramado, que é, ao meu  ver, gigante pela própria natureza.

Um festival que rompeu barreiras geográficas e financeiras, que sobreviveu à diferentes cenários políticos e a uma economia instável e que pode, um dia, quem sabe, mudar a cara e o jeito de se fazer cinema, mas que já mudou a realidade dessa tímida e surpreendente cidadezinha da Serra Gaúcha.

Por mais iniciativas assim!!

* Foto destaque:45º Festival de Cinema de Gramado 2017 – 26/08/2017 – Melhor Atriz Coadjuvante: Clarisse Abujamra, por “Como Nossos Pais”. – Crédito Diego Vara / Pressphoto

Quem escreveu

Ana Portela

Data

11 de September, 2017

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Ana Portela

Jornalista por formação e Produtora Cultural por propósito. Direto da Amazônia, Ana viaja o Brasil trabalhando em shows, festivais e pesquisas. Focada em desbravar sons, costumes, sabores e experiências, é assim que ela pretende dar a volta ao mundo: aprendendo novas músicas e conhecendo novas culturas. Acredita que o sentido da vida é a troca. Pensadora profissional e escritora amadora, ela anda por aí capturando momentos únicos, revelando belezas essenciais e compartilhando tudo isso escrevendo aqui.

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