Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
O Dekmantel provou que é possível fazer excelentes festivais de médio porte no Brasil. Foram dois dias celebrando a música eletrônica em todo seu espectro (e por vezes indo mais longe), com organização impecável, som de alta qualidade e o público mais festivo e good vibes dos últimos tempos. Sem contar a escalação das atrações, praticamente um “quem é quem” da dance music, varando a tarde e a noite na locação perfeita do Jockey Club e entrando madrugada adentro na Fabriketa.
Destacamos alguns momentos inesquecíveis do festival que, dizem, já está garantido para 2018. A gente torce para que outros produtores de eventos brasileiros tenham aprendido como se faz um evento desta grandeza, como se trata o público (com respeito acima de tudo) e como se entrega o que foi prometido. O Dekmantel entregou e superou todas as expectativas!
Indo além da música, o Dekmantel mostrou como o público deve ser tratado. Um festival sem filas, com muitos banheiros espalhados pelo espaço, shows começando no horário marcado, bares em pontos estratégicos, comida bacana e seguranças fazendo sua parte sem exageros. Se isto é o mínimo que os espectadores que pagam (caro) pelo ingresso merecem, a organização foi além, distribuindo gratuitamente capas de chuva quando caía a tradicional chuva de verão paulistana e protetor solar em spray quando o sol castigava.
Lena Willikens e Helena Hauff apresentaram sets impecáveis. Ambas são representantes de uma linha de techno classuda, sombria e de alta octanagem dançante. Enquanto Lena fez o público do palco Selectors entrar num túnel lisérgico em preto e branco, Helena fechou o palco UFO (falaremos mais sobre ele) em grande estilo, com grave batendo pesado no peito e melodias sinistras.
Mas quem diria, duas lendas da música brasileira se apresentando em um festival de música eletrônica! O Azymuth entrou com tudo e mandou muito bem, mostrando a razão de ser um banda cultuada até hoje e base para muitas das produções feitas por artistas e DJs contemporâneos, além ter sido um dos destaques do Dekmantel do ano passado, na Holanda. E o que falar do Hermeto? Protegido do calor inclemente por um guarda-sol, o mestre parecia estar tocando em casa, debaixo de um coqueiro e cercado de amigos. Sua música genuinamente brasileira misturada com milhares de outros elementos segurou a onda bonito e deixou muito gringo (e brasileiros também) de queixo caído.
O palco principal do Dekmantel testemunhou vários shows incríveis. No sábado, Nina Kraviz fez o que melhor sabe fazer, colocar a pista para dançar seu techno duro e reto e altamente competente, com direito a chuva torrencial e arco-íris. Depois dela, o ataque sonoro de Jeff Mills fez o Jockey se arrepiar inteiro, abusando da percussão eletrônica, que ele fazia ao vivo e no improviso e mostrando porque é um dos DJs mais respeitados do mundo. Fechando a segunda noite, no domingo, primeiro veio o DJ set do John Talabot, correto e seguro porém bem longe de seu trabalho autoral, indo numa linha muito mais pesada, seguido por um Nicolas Jaar inspirado. Sozinho no palco, Jaar fez de seu live uma obra de arte, com muitas camadas sonoras e variações de cores e formas, uma verdadeira pintura de set.
O palquinho do Red Light Radio/Na Manteiga foi divertidíssimo. Por ele passaram muitos dos DJs que já tocaram no programa brasileiro, entre eles Tahira, Tata Ogan, Jurássico e Paulão. Ainda que um pouco prejudicado por estar num ponto de passagem, por diversas vezes ele agitou o público, principalmente nos sets empolgantes do Benjamin Ferreira e do Fatnotronic.
O norte-americano Brian Shimkovitz sofreu debaixo do sol enlouquecedor que batia diretamente na sua cara e nas suas fitas raríssimas de músicas africanas. Tanto que ele precisou de papelão e toalhas molhadas para proteger seu tesouro, refrescando os cassetes para que não derretessem. Ainda assim, foi uma aula de africanidades, indo do afrobeat até disco music, cantos tradicionais e dezenas de variações e estilos, tudo vindo do continente-mãe.
Seu nome de batismo é Jay Donaldson, ele nasceu na Inglaterra, tem 25 anos e é um dos nomes mais promissores da cena. Super tímido, é daqueles DJs que levanta a cabeça de vez em quando, só pra checar o nível de ebulição da pista. Como produtor, já tem músicas lançadas por selos importantes, inclusive o do próprio Dekmantel. Mas é como DJ que sua estrela brilha de verdade, fazendo a ponte entre Detroit e Chicago, e com uma técnica de mixer invejável. Seu set no festival foi absurdo, começando com música brasileira e no final, quando estava mais seguro e à vontade, uma seleção finíssima de italo house e disco music que fez o público invadir o palco. O moleque manda muito!
O cara viaja o mundo pela música, tem um repertório enorme e sabe mixar como poucos. Seu amplo leque musical garantiu um set vigoroso e dançante ao extremo, tanto que segurou o público na pista Selectors no dilúvio que caía durante sua apresentação e com a Nina Kraviz tocando no palco principal. Não é para qualquer um! Young Marco ainda teve fôlego para outro set curtinho no palco do Red Light Radio e ainda colou na Fabriketa para o after. Vish!
Para muitos, foi o palco mais interessante do festival. Escondido e com capacidade limitada a trezentas pessoas, emulava um clubinho ao ar livre, com direito a muito gelo seco e outros tipos de fumaça. De dia, o calor infernal deixava tudo ainda mais pressurizado, suado e com pouca roupa. À noite o clima ficava perfeito e foi um desfile de sets antológicos. Absoluta certeza de quem viu o set do DJ Nobu lá no UFO não vai esquecer tão cedo da experiência.
O Dekmantel não ficou só no Jockey, teve after na Fabriketa tanto no sábado como no domingo e aí a coisa ficou mais séria ainda. No ambiente “clubinho”, os DJs estavam mais à vontade, podendo ousar mais e arriscar sets diferentes do que tocaram no Jockey. No sábado foi a hora dos brasileiros brilharem, com Tessuto, L_cio e Cashu encabeçando a lista. Cashu, por sinal, recebeu elogios rasgados dos holandeses organizadores do festival. E ainda teve o gringo Ben Klock, praticamente uma unanimidade quando se perguntava qual a melhor apresentação da noite. Como a festa nunca termina, ainda sobrava gás para uma madrugada de domingo insana, com diversos back to back do tipo Call Super e Shanti Celeste, Eric Duncan e Young Marco e John Talabot e Kornél Kovács. Dizem que às sete da manhã de segunda ainda tinha gente dançando!
Foto destaque: @tavapassando
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