Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Se você assitiu a ‘Arrival’, que concorreu ao Oscar de melhor filme de 2017, vai conseguir entender melhor a ideia de que a nossa linguagem define a forma como pensamos. Cientistas acreditam que, até a Idade Moderna, o homem era incapaz de enxergar azul – porque não havia uma palavra para descrever a cor. Esse é o princípio da relatividade linguística, conhecida também como hipótese Sapir-Whorf, que defende que a nossa forma de nos expressar (ou seja, nossa língua) define a forma como vemos o mundo e a nossa capacidade cognitiva. Ela afeta os mínimos detalhes do nosso dia-a-dia.
Eu sempre achei que conhecer o mínimo que seja da língua de um lugar que vou visitar acaba oferecendo uma experiência mais rica. Com essa ideia na cabeça que eu já até acabei até em um fracassado curso de sueco, do qual desisti em menos de um mês e só aprendi a falar ‘olá’, ‘obrigado’ e ‘curva’. Não é nessa vida que vou conseguir conversar com os vikings, mas valeu a tentativa.
A língua é uma estrutura tão complexa e específica, que ela se especializa com o tempo na direção das necessidades da população que a fala. Depois de mais de um século de estudos, parece que a lenda sobre a palavra ‘neve’ é real: os esquimós Inuit do Canadá tem 53 palavras para definir as várias formas em que a neve pode se apresentar. Pensando friamente (no pun intended), se eu vivesse 365 dias do ano debaixo de gelo, eu acho que essas variações todas seriam bem úteis.
Cada povo se expressa de uma forma bem particular, e uma ótima forma de mergulhar na cultura local é através da língua. Existem aqueles conceitos que são intraduzíveis porque eles representam detalhes da forma de se viver de cada país. Aqui no Brasil e em Portugal, nos vangloriamos à toa da exclusividade da palavra ‘saudade’. Ideias similares são expressas em alemão, checo, eslovaco, romeno, galês e até em etíope. Mas temos uma palavra linda que, essa sim, só quem tem o prazer de usar somos nós, brasileiros: o cafuné.
Pela internet você encontra uma série de listas de palavras sem tradução, de várias línguas diferentes, mas convenhamos que tem muita coisa inútil. Por exemplo: quem vai falar, na vida, que cultiva o Tsudoku? O termo japonês significa ‘o hábito de guardar livros que nunca serão lidos’. Eu tenho uma estante cheia deles, mas será que ter uma palavra para definir meus impulsos de acumulador vão fazer eu começar a fazer a limpa? Aqui em casa ainda não deu certo.
Mas existem aquelas palavras mágicas, aquelas expressões que abrem um campo semântico na nossa vida, que fazem toda a diferença. Com elas, fica mais fácil entender os gringos. E se você conseguir usá-las na prática, te prometo que tua experiência em viagens vai ser bem diferente. Aqui estão algumas delas:
Sobremesa: para nós, a palavra nada mais é que aquela dose de açúcar para arrematar a culpa pela comilança na refeição. Na Espanha, sobremesa é o hábito de ficar sentado por muito tempo à mesa depois da refeição, jogando conversa fora. Pena que a sobremesa esteja cada vez mais sendo substituída pelos telefones.
Tartle: a palavra escocesa é quase uma onomatopeia. Tartle é aquela hexitação de pânico de quem vai apresentar uma pessoa, mas não consegue lembrar o nome dela. Quem nunca?
Slampadato: essa palavra só podia vir da Itália. É o viciado na luz ultravioleta das câmaras de bronzeamento artificial. Donatella Versace feelings!
Abbiocco: ninguém nunca esteve na Itália sem sentir um abbiocco pelo menos uma vez. É aquela sensação de moleza e vontade de tirar um cochilo depois de encher a pança… de massa, claro!
Hygge ou hyggelig: essa palavra virou moda em sites de decoração, por traduzirem bem a premissa do design dinamarquês. Hygge é a sensação de conforto e intimidade que traz estar sentado ao redor da lareira no inverno com os amigos mais próximos. Hyggelig seria algo como caloroso, confortável e amigável.
Seigneur-terraces: se estiver nos famosos cafés de Paris, cuidado para não virar um. Seigneur-terraces são aqueles clientes que passam horas sentados nas mesas mas consomem pouco para não gastar.
Dépaysement: bairristas como bons franceses, só eles poderiam ter uma palavra que quer dizer ‘o desconforto sentido por estar fora do seu país’.
Jolie-laide: essa expressão é perfeita para traduzir aquele charme francês infalível. Traduzindo literalmente, é exatamente o que quer dizer – ‘bonito-feio’.
Para que dinheiro, se eu sou bonito? – via GIPHY
La douleur exquise: e por último, o romantismo francês em sua máxima força. La douleur exquise é a dor extrema de amar alguém, sabendo que essa pessoa nunca vai te amar de volta.
Fika: se você tiver amigos suecos, a chance de algum deles te chamar para um fika é grande. O fika nada mais é do que um encontro com algum amigo para dar um break no dia, seja para bater papo tomando um café rápido ou numa conversa longa sem hora para acabar em casa mesmo.
Lagom: essa é a melhor tradução do estilo de vida moderado dos suecos. Lagom quer dizer ‘nem demais, nem de menos, mas exatamente na medida certa’. Fácil de falar, difícil de fazer.
Voorpret: essa é a sensação de quem está de bem com a vida. Voorpret é a euforia que sentimos exatamente antes de fazer algo divertido.
Utepils: isso é algo que a gente faz aos montes, mas dá para entender que para eles é algo a ser celebrado com uma palavra específica. Significa sentar do lado de fora, no sol, para tomar uma cerveja. Ô, delícia!
Um brinde ao verão! – via GIPHY
Pålegg: sabe quando a gente chama aquela parte principal da refeição de mistura, que pode ser qualquer coisa? Então, pålegg é qualquer mistura, mas que você vai por em um sanduíche. Vale queijo, presunto, geléia, Nutella, mostarda, maionese, picles, salsicha, Doritos… você escolhe o seu.
Wabi-sabi: esse conceito é muito importante na cultura japonesa, e norteia muitos campos da arte. O wabi-sabi é uma forma de viver focado em encontrar a beleza nas imperfeições da vida, e aceitando o ciclo natural de prosperidade e declínio da vida.
Komorebi: essa dá até para se ver viajando pelo interior do Japão. É o efeito de luz que acontece quando o sol baixo ilumina através das árvores.
Age-otori: considerando o estilo dos japoneses mais ‘mudérnos’, essa não deve ser difícil de achar uso por lá. Significa ‘ficar mais feio depois de um corte de cabelo’.
‘Vou só dar uma acertadinha aqui’ – via GIPHY
Aware: os japoneses tem as palavras mais poéticas. Essa quer dizer ‘a sensação agridoce de um momento de beleza transcendente, mas que logo vai acabar.’ Chorei um pouco de aware.
Yugen: ou essa, que quer dizer ‘senso profundo e misterioso da beleza do universo, e a beleza triste do sofrimento humano’. Me sinto um poeta só de falar.
Pochemuchka: quando estiver na Rússia, cuidado se tiver muitas dúvidas. Um pochemuchka é uma pessoa que perguntar coisas demais. Vai acabar mal visto por lá.
Ilunga: uma palavrinha tão simples, mas que em tshiluba traz quase uma lição de vida inteira. Ilunga é a pessoa que está pronta para perdoar o abuso de outra pela primeira vez, tolerar a segunda, e jamais perdoar ou tolerar a terceira. Sabedoria pura.
Prozvonit: parece que não somos só nós que vivemos às turras com as nossas companhias telefônicas. Em checo existe um verbo que significa ‘dar um toque no celular para que o outro te ligue de volta, economizando na ligação.’ Já conheceu gente que faz isso?
Akihi: nunca fui para o Havaí e não sei como é se locomover por lá, mas a julgar por essa palavra deve ser bem difícil. Akihi é o esquecimento que nos acomete imediatamente depois de recebermos instruções de direção.
‘Onde era mesmo que ficavam os amaciantes?’ – via GIPHY
Schadenfreude: o alemão é uma língua que nos presenteia com milhares de conceitos únicos, que são aplicados aos mais diferentes momentos. Schadenfreude (a pronúncia é xáden fróide) é um dos mais conhecidos. É aquele sentimento de satisfação ao saber de alguém que se deu mal. Essa Freud explica bem.
Waldeinsamkeit: no berço das histórias infantis como Chapeuzinho Vermelho e João e Maria, essa palavra tem todo sentido. Waldeinsamkeit é a sensação de estar sozinho na floresta e a conexão com a natureza. Alemão adora um mato mesmo.
Kopfkino: em tradução literal, ‘cinema de cabeça’. É uma sensação que todo mundo já sentiu. De repente, sem aviso nem lugar certo, tua mente vai embora e os pensamentos parecem começar a dirigir um filme próprio, desligado completamente da realidade. Para mim, o momento em que mais acontece o Kopfkino é às 3 da manhã, naquela acordadinha rápida que destrói completamente o sono.
Backpfeifengesicht: literalmente, essa palavra quer dizer ‘a cara que precisa desesperadamente de um soco’. Pura simpatia alemã.
Não é o Chuck Norris, é essa tua cara que tá merecendo! – via GIPHY
Schnapsidee: se você estiver na Alemanha, a chance de ter uma dessas é grande, considerando a quantidade de cerveja que se toma por lá, A Schnapsidee é aquela ideia mirabolante e maravilhosa que você tem quando está bêbado. Provavelmente no dia seguinte ela não vai fazer nenhum sentido, mas na hora parece que você é a pessoa mais genial do planeta. Prost!
*Imagem do destaque – Getty Images
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsMaravilhoso!
3 das manhã é realmente um horário mágico pra acordar.
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.