Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
O festival Atonal traz, antes até da música, uma ruptura inesperada ao acontecer em meio ao verão em plena Berlim. Dias longos e ensolarados são substituídos pela escuridão e a rigidez estrutural do Kraftwerk, lugar onde acontece. Deixa-se o verão para trás para penetrar por cinco dias num ambiente tão “dark” quanto suas sonoridades. É verão na Europa, o povo tá colocando o sofá na rua para tomar os dois raios de sol que tem na Alemanha, mas o Atonal vai na contramão das estações à música.
O Atonal pode ser considerado um festival para quem leva música, independente do estilo, à sério e tem ouvidos abertos à experimentações sonoras e visuais de todos os tipos. O festival é, em si, contemplativo. Um lugar onde a música pode – e deve – causar sensações inesperadas. BPM baixo, ruídos, notas intercaladas por silêncio, repetição, ruptura do nosso hábito trivial ao escolher o que ouvir. Em 2016 eu fui conhecê-lo e levei algum tempo para digeri-lo no melhor sentido que isso pode ter. Horas ouvindo bpms bem baixo somado ao clima extremamente dark me deixou em dúvida se eu tinha gostado do que vi. Faltou o básico: a lição de casa, o que, ainda assim, proporcionou descobertas inesperadas. E, sim, a conclusão foi que o Atonal entrou para a minha lista favorita dos festivais em que fui em 2016.
Surgido em 1982, quando ainda Berlim ainda era dividida pelo muro, o festival tem investido na música eletrônica e experimental de vanguarda desde o início de sua história. O fundador, Dimitri Hegemann, encerrou o Atonal em 1990, justamente quando o muro caiu, para abrir um dos mais importantes clubes de techno do mundo, o Tresor. Com um hiato de 23 anos, o Atonal ressurgiu em 2013 completamente renovado numa nova Berlim com a cena efervescente da cidade como pano de fundo.
A reestreia foi estrelar com nomes como Jon Hassell (com Summerthrill), Glenn Branca (Twitings in Space), Moritz von Oswald + Juan Atkins (Borderland), entre outros, confirmando assim sua vocação de resistir às tendências do mainstream, apresentando uma plataforma totalmente experimental. O lugar escolhido não poderia ser mais assertivo, uma antiga usina elétrica abandonada e recuperada pelo próprio Dimitri Hegemann em 2006, onde desde então funciona o clube Tresor. O Kraftwerk Berlin é imbatível com suas grandes estruturas industriais e pé direito altíssimo, permitindo abrigar instalações audiovisuais em grande escala.
Hoje a curadoria do festival está nas mãos de Laurens von Oswald, Paulo Reachi e Harry Glass, que tem hoje a mesma idade de Dimitri na época em que ele começou o festival, em 1982.
O palco principal é acompanhado de uma tela de pelo menos dez metros de altura posicionada na vertical, outro estranhamento que se tem ao entrar nesta “catedral”, mesmo que hoje os vídeos desse formato sejam mais comuns. Nesse ponto o festival foi totalmente avant garden. As obras, na maioria, são comissionadas e criadas para o festival. O que você verá por lá é único.
A madrugada se estica em três diferentes pistas dentro desse complexo industrial, o Tresor, o OHM e o Globus. Por lá, o techno continuará dominando nossos ouvidos até o sol nascer, sempre contando também com uma curadoria impecável de DJs e produtores de música eletrônica para comandarem as pistas. Neste momento o estranhamento já é por ouvir batidas mais reconhecíveis e familiares aos nossos ouvidos.
A artista multimídia Liv Massei, uma amiga que mora em Berlim, tem o Atonal na lista dos seus festivais favoritos. Tem os ouvidos generosos e bom gosto na hora de escolher o que ouvir e ver. Por isso, preferi deixar nas mãos dela a lista dos shows imperdíveis nesta edição do Atonal:
Ena + Rashad Becker presents Oktophonic (world premiére): o produtor japonês Ena também tocou em 2016 e foi uma das boas surpresas do festival. Ele integra uma das gravadoras mais contemporâneas da atualidade, a Samurai Records. O som dele, difícil de definir, transita entre o ambient e drum’n bass halfstep.
Puce Mary presents A Feast Before the Drought: a dinamarquesa Puce Mary faz música pesada, dark e sombria. Em 2015 ela se apresentou com o coletivo Varg presents Ivory Towers, a boa surpresa do ano que além de contar com visuais que remetiam à estética do David Lynch. Ainda teve um momento no show em que a Puce enfiou literalmente o microfone na garganta deixando o público extasiado.
Regis: mestre do techno dark.
Powell + Wolfgang Tillmans: o inglês Powell faz um som bem experimental e interessantes nos timbres. Já a empolgação com Tillmans vem da instalação de espelhos que ele fez para o museu Berlin Hamburger Banhof, além do trabalho dele como fotógrafo, que o coloca na lista de um dos artistas contemporâneos mais bacanas.
Shackleton + Anika with Strawalde + Pedro Maia present Behind the Glass: Shackleton sempre quebra tudo, então não tem como não estar empolgada com um live dele, que é sempre pesado e alucinante.
Broken English Club (Oliver Ho): é uma das bandas favoritas da Liv no momento e também integra uma das suas gravadoras favoritas, a Jealous God, que em 2016 fizeram um showcase no Atonal com alguns artistas do selo, incluindo Silent Servant, decorando o ambiente com muitos lírios brancos. Nesta edição tem apenas o Broken English Club do selo, mas que já vale muito a pena conferir.
Varg presents Nordic Flora: a Liv já viu muitas vezes e sempre fica feliz em rever. Varg é dono do selo Northern Electronics e parte do selo Posh Isolation que, aliás, estará em peso nesta edição do Atonal com Anthony Linell / Abdulla Rashim, Apeiron Crew, Inga Mauer, DJ Stingray. Vale a pena destacar Inga Mauer e Abudlla Rashim, o mestre do techno hipnotizante.
E esse são apenas alguns dos nomes da lista que compõem o line-up com mais de 110 artistas. O Berlin Atonal acontece entre os dias 16 e 20 de agosto, no Kraftwerk Berlin. Ingressos ainda disponíveis a partir de 25 euros o dia.
*Foto destaque: Camille Blake
**Alguns agradecimentos especiais a algumas amigas: à Amanda, que me pegou na mão; à Liv, que teve a paciência de fazer uma lista incrível do que não perder; e à Priscilla, que me inspirou com várias coisas nesse post.
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.