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Era para ser apenas mais uma noite de estreia na Broadway. Como sempre, a plateia tinha ricos e famosos, imprensa e convidados VIP, bem vestidos para prestigiar a primeira noite de uma peça que vinha causando muito burburinho depois do preview em Londres. Mas ninguém esperava que a noite fosse acabar como um filme de terror: gente desmaiando, gritaria, brigas, e até vômito. Muito vômito. A montagem do clássico de George Orwell ‘1984‘ para o teatro, co-escrita e co-dirigida por Robert Icke e Duncan Macmillan, tem feito a plateia do Hudson Theater tremer, literalmente. Encenada por Tom Sturridge e Olivia Wilde, a peça tem causado muita polêmica por conta de cenas de tortura absolutamente gráficas e perturbadoras.
Para quem não se lembra, a história trata de um futuro distópico, em que todos são vigiados e controlados pelo Big Brother (sim, aquele que inspirou o nome do programa), uma entidade/instituição/deus. O personagem principal, Winston Smith, começa a dar sinais de rebeldia contra o sistema, e é aí que ele é capturado e sofre terríveis consequências. Na cena em questão, o protagonista é levado para o quarto 101, uma caixa branca e asséptica. Entra uma luz estroboscópica enervante, ouve-se barulhos de socos e martelos, os torturadores gritam palavras como ‘dedos’ e ‘dentes’, e vê-se muito sangue jorrando por todos os lados. O protagonista ainda é eletrocutado, e olha nos olhos de indivíduos da plateia para acusá-los de cúmplices. Críticos definiram a peça como viceral, horrível e arrepiantemente vívida. Muitos ainda usaram o termo ‘torture porn’.
O livro original, de 1949, já teve várias adaptações para teatro e cinema ao longo desses quase 70 anos. Mas a grande maioria deles suavizava muito as cenas mais fortes para se tornar mais adaptada ao grande público. Não é o caso dessa montagem. Ela é precedida de avisos sobre as restrições de idade (14 anos), e sobre a ‘representação gráfica de violência e tortura’. Em uma das exibições em Londres, a peça acabou com uma baita briga no teatro, por isso o teatro da Broadway deixa uma equipe de segurança dentro da sala de espetáculo. E junta-se aí todas as fofocas sobre os ensaios, quando Olivia Wilde quebrou o cóccix e rasgou o lábio, e Sturridge quebrou o nariz. Tenso é pouco.
Macmillan se defende, falando que ele não tem intenção de ofender ou chocar deliberadamente. Mas pelo seu ponto de vista, nada do que é mostrado em cena é mais desconcertante do que acontece normalmente hoje em dia no mundo. Talvez ele tenha razão. Higienizar a história para deixá-la mais confortável não faria jus à crítica social de Orwell, que não poderia ser mais atual que nesse maluco e tenso 2017. E Icke ainda provoca: ‘Se essa peça é a coisa mais impactante do seu dia, então você não está lendo as notícias.’
A estreia da peça vem logo em seguida aos picos de vendas que o livro de Orwell tem alcançado desde a eleição de Donald Trump. Provavelmente, com esse basfond todo rolando em torno do espetáculo, é bem provável que os ingressos estejam sendo disputados a tapa. Mas se você por acaso estiver de passagem por Nova York, e tive a chance de conseguir um, depois conta para mim como foi, porque estou roendo as unhas de curiosidade.
*foto do destaque: Playbill
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
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