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Sexta-feira, sol ardido com inversão térmica típico de inverno, e aquele trânsito digno de São Paulo. Já de cara a missão de chegar ao aeroporto em Guarulhos não seria fácil. E com tanta comoção em torno da chegada do serviço de helicópteros do Uber, eu pensei: por que não? Faltavam pouco mais de 4h para o meu vôo, então contando a margem de erro, a margem de segurança, a marginal, noves fora… eu tinha algum tempo de sobra para correr o risco. Então bora lá.
15h – Abri o aplicativo, que me deu a opção do Copter, que me dava um link para clicar e cair na página certa. Fiz o cadastro simples, e antes de solicitar o traslado, recebi o aviso da tarifa, bem acima da alardeada na mídia: R$495. Aqueles duzentos-e-qualquercoisa devem ser para trajetos mais curtos, em horários de pouca procura, e rezando muito para Éolo, o deus dos ventos. Até porque todos os vôos já começam com uma taxinha de serviço de R$189. Como diria Dona Milú: Mixtéeeeerio! Mas pelo jornalismo investigativo, pelo estilo de vida YOLO, e pelo conforto de chegar rapidinho lá sem trânsito, eu digo SIM, eu gasto uma pequena fortuna para saber qual é.
Aceito o pedido, de cara já recebi um aviso que um Uber Black estava chegando para me buscar. Mal consegui despedir da família, e já saí correndo com mala, mochila, cuia e celular na orelha. Um homem chamado Marcelo me ligou, com um sinal péssimo de celular, querendo saber onde eu estava, e quanto tempo eu precisaria para chegar ao heliponto no Blue Tree da Faria Lima. ‘Olha, Marcelo, da minha casa até lá eu demoro no máximo 15 minutos, mas hoje é sexta, então você sabe como é.’ Logo ele desligou com a promessa de me retornar em 5 minutos.
15h12 – Chegou o carrão preto, e lá fomos nós, o Márcio e eu, encarar o nada glamuroso trânsito da Rebouças. A moça do Waze devia estar de sacanagem quando nos colocou nesse caminho, mas quem sou eu para brigar com o Waze dos outros (com o meu, discuto o tempo todo). No meio do túnel, e ainda com um sinal péssimo, o Marcelo me ligou novamente para saber minha localização atual, e de novo quanto tempo eu demoraria. Já tinham se passado uns 10 minutos desde a última ligação, mas o aplicativo avisava que ainda demoraríamos 16 minutos para chegar ao destino. Pela cara do trânsito, eu diria 36, mas… o Marcelo confirmou meu vôo para as 15:45, e eu não deveria me atrasar.
Nessa hora eu já me arrependi de não ter colocado uma camiseta extra na mala, porque a pressão em cima da minha pontualidade crescia, mesmo eu não tendo muito controle sobre isso. A ‘pizza’ era inevitável. Para piorar, o Márcio – muito corretamente – dirigia como um vovô de chapéu, evitando ao máximo usar as pistas mais rápidas. Eu achei que toda a operação, de casa até o aeroporto, era coordenada pelo Uber, mas não é nada disso. O Marcelo claramente não estava nem aí para meus problemas.
15h46 – A tensão no carro preto crescia a cada sinal vermelho, mas finalmente chegamos ao hotel. O próprio Márcio a essa altura já tinha comprado minha briga, e fez algumas manobras mais arrojadas para diminuir o atraso, que no fim foi de só 60 segundos. Isso não sem antes receber mais uma ligação preocupada do Marcelo com a minha demora. Me segura, Rexona! Eu já estava me sentido culpado por atrapalhar todo o esquema da ANAC daquela sexta. No lobby do hotel, o concierge e um segurança já estavam me esperando, e provavelmente pararam um elevador só para mim. Não consegui nem dar boa tarde, e já me empurraram lá para cima.
Na cobertura, um outro segurança pegou minha mala e mandou subir as escadas. Assim, sem nenhuma recomendação de segurança, afivelar o cinto, ficar longe da hélice, nada. Sobe! Três lances de escada metálica no topo de um prédio alto depois, com vento batendo, meu medo controlado de altura começou a perder a compostura, enquanto a hélice já girava ruidosamente. Minha cabeça começou a dar tilt: Saio correndo para o helicóptero para o piloto não querer me matar? Começo a engatinhar para respeitar meu senso de preservação? Ou dane-se tudo e aproveito o momento para tirar uma selfie e completar minha investigação com louvor? A sorte foi que o piloto me mandou esperar um pouco afastado enquanto o segurança colocava minha mala no banco de trás. A selfie ficou assim:
15h50 – Dentro da cabine, ao lado do piloto, o tratamento foi ainda mais seco. Nem um ‘tudo bem’ rolou. Cinto, fones, e vambora. Como o piloto passou o tempo todo conversando com a torre de controle, eu aproveitei para ficar quietinho e apreciar a vista. Finalmente eu relaxei um pouco e fiz video, tirei fotos, e tentei mandar para os amigos para me gabar um pouco. Sem sinal.
Passamos por cima da Avenida do Estado, complicada, e da Marginal Tietê, surpreendentemente livre. Justo hoje? Cortou meu barato um pouco.
16h01 – Pousamos em um canto escondido da área das pistas de decolagem do aeroporto. Por perto só tinha um galpão, alguns jatinhos particulares, e uma van à minha espera. A motorista veio logo me tirar do helicóptero e pegar minha mala. O piloto nem tchuns para mim. Ele já devia ter outro vôo marcado, e eu, o pária, tinha acabado com o esquema com meu atraso. Essa cruz vou carregar para sempre.
Na van, a Carla me contou que procura nas últimas semanas pelo serviço cresceu demais. As manhãs são cheias de pedidos do aeroporto para a cidade, e à tarde o sentido inverte. Praticamente não para o dia inteiro. Aquele lugar onde pousamos é chamado de ‘espaço VIP’, e é usado por aeronaves particulares. Como eu estava chegando de um vôo nacional, ela só poderia me deixar no terminal 2, e eu deveria caminhar até o 3, de onde saía meu avião.
16h15 – Chegamos a uma daquelas portas por onde entramos quando o desembarque do avião é em solo, e temos que pegar aquele ônibus irritante na pista. Como eu era o único passageiro da van de 20 lugares, a Carla, super atenciosa, abriu a porta, pegou a mala, e me deixou praticamente dentro do saguão de esteiras. Saí pela porta de desembarque, e de lá segui para o longo caminho até o terminal 3.
16h21 – Finalmente cheguei à fila do despacho de bagagens, que obviamente estava longa e demorada, mas eu estava com tempo e só pensava em comprar uma camiseta nova, baratinha, no free shop assim que entrasse. O mais curioso é que um pouco atrás de mim, na fila, chegou a Liliana, uma amiga minha italiana que estava indo visitar a família. Oi, tudo bem querida, como está? E logo veio a sua reclamação: ‘Não acredito nesse trânsito! Demorei uma hora e meia para vir! Saí de casa às 3h!’ Liliana mora no bairro vizinho ao meu. E com certeza ela gastou bem menos para chegar até lá ao mesmo tempo que eu.
Passada a imigração, consegui uma camiseta cinza, básica, por 9 dólares. Só por desencargo de consciência comprei também o desodorante mais caro da minha vida (14 dólares), já que eu ainda tinha boas 15 horas de vôo pela frente. Valeu a pena? Sim, foi bem divertido. Faria de novo? Pelo preço, pela tensão e pela Liliana, provavelmente não. Mas queria agradecer aqui meu time, que trabalhou muito para alcançar o resultado positivo. Valeu, Marcelo, Márcio, Carla, e o piloto sério que até hoje não descobri o nome!
Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.
Ver todos os postsPelo que li por aí, quando acabou o período de tarifas promocionais no dia 17, o reajuste foi de 69 a 151%, dependendo do Heliponto, por causa da taxa de pouso.
Eles não cobraram essa tal taxa na semana de lançamento do serviço.
Pelo que li por aí, quando acabou o período de tarifas promocionais no dia 17, os aumentos foram de 69 a 151%, dependendo do Heliponto por causa da taxa de pouso.
Eles não cobraram essa taxa na semana de lançamento do serviço.
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.