Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Conseguir comer uma das deliciosamente equilibradas e disputadíssimas tigelas de lamen do Japanese Soba Noodles 蔦 Tsuta não é tarefa fácil. As filas que já se formavam diariamente na frente deste minúsculo restaurante do norte de Tóquio multiplicaram-se depois que a casa recebeu, no final de 2015, uma merecida e inédita estrela no Guia Michelin. O salto na demanda em estabelecimentos agraciados com o título é conhecido, mas no caso do Tsuta algumas peculiaridades tornam o fato especial. Ele é a primeira lamen house estrelada no guia francês. É verdade que, sem estrelas envolvidas, outras casas do gênero são recomendadas pelo Michelin (em 2015 são 27 apenas na cidade). Porém, todas fazem parte da seção Bib Gourmand, focada em restaurantes mais acessíveis. Estrela mesmo, só o Tsuta.
Este é outro fator que corrobora o grande bafafá em torno da entrada do restaurante no guia. Servindo cada tigela a menos de US$10, ele é o mais barato restaurante com estrela Michelin do mundo. Não deveria ser diferente. Simples, barato, rápido e reconfortante, o lamen, um caldo com macarrão e às vezes acompanhado de pequenas guarnições como fatias de carne de porco ou ovo cozido, é o prato típico do estudante ou do assalariado no Japão e pode ser encontrado em qualquer esquina. São mais de 5 mil casas em Tóquio. Apesar de nos últimos anos versões gourmetizadas terem aparecido em Nova York, Londres e Hong Kong, foi uma portinha de apenas 9 lugares no pacato bairro de Sugamo que entrou no Michelin.
Fui lá conferir no final de dezembro de 2015. A primeira dica é planeje-se. Ao contrário da maioria das casas de lamen no Japão, se você simplesmente chegar lá na hora que quiser, provavelmente vai dar de cara com uma plaquinha dizendo que todos os tíquetes do dia já foram distribuídos. Tente de novo amanhã campeão.
O que são os tíquetes? Bem, o lugar já não comportava as filas. No primeiro final de semana P.M. (Pós Michelin), mais de 100 pessoas se enfileiraram até dobrar a esquina. Como bons japoneses, preocupados em não incomodar os vizinhos, implantaram um sistema de senhas. Funciona assim: às 7h30 da manhã, o restaurante distribui senhas, por ordem de chegada, para que você retorne mais tarde. São 5 janelas de horário: 11:00-12:00, 12:00-13:00, 13:00-14:00, 14:00-15:00 e 15:00-16:00. As fichas têm cores que correspondem a cada um dos horários. Eu cheguei as 7:15 e em 5 minutos já havia uma fila de umas 15 pessoas atrás de mim.
– As senhas são distribuídas por ordem de horário. Então, se quiser comer cedo, no horário de meio dia por exemplo, chegue antes de 7:30 na fila. Eu peguei senha das 12:00 mas troquei pela das 14:00, o que nos leva a segunda dica.
– Primeiro pegue a senha. Qualquer senha. Se quiser trocar, mudar, etc, converse depois. Eu precisei e consegui. Mas é exceção. As senhas desaparecem muito rápido. Antes das 8:00 todas as senhas do dia já estavam distribuídas.
– E se alguém desistir? É bem raro. Para pegar a senha você precisa deixar um depósito de ¥1.000 (cerca de R$35,00). O dinheiro é devolvido quando você entra no restaurante. Portanto não conte com desistência e LEVE DINHEIRO quando for pegar senha.
– Uma pessoa, uma senha. Se você pretende comer com outras pessoas, todos precisam ir juntos pegar a senha.
Com a senha na mão, guarde-a com sua vida e vá curtir seu dia na cidade.
Retornei às 13:45, portanto 15 minutos antes do início da janela da minha senha, e já havia uma fila de umas 6 pessoas na minha frente. Desnecessário, pois às 13:50 um casal com a ficha das 13:00 chegou e passou na frente de todo mundo, afinal, o horário deles era anterior ao nosso. Durante esse tempo, vi também outras 5 pessoas chegarem, desavisadas, e indo embora após saberem da senha. Logo a fila cresceu.
Enquanto esperava minha vez bati um papo com o Matzuzawa, funcionário do Tsuta que havia me entregado a senha mais cedo e agora organizava a fila. Portanto a maior autoridade local. A tradicional simpatia por brasileiros que nos acompanha mundo a fora quebrou o gelo. Me contou que viu o Ronaldo na Copa do Mundo do Japão quase 14 anos atrás e que nunca esqueceu. Aproveitei para perguntar um pouco sobre os efeitos da estrela. Ele me contou que antigamente o restaurante vivia cheio, mas só de japoneses. Depois do Michelin, vem gente do mundo todo. Jornalistas e foodies são figurinha fácil na fila. Apesar disso, neste dia vi apenas japoneses na espera. Inclusive um grupo de estudantes com quem puxei papo. Eles também ficaram sabendo do restaurante só depois da estrela. Estudavam ali perto e resolveram conferir pois ouviram que era “the best lamen ever“. Um deles comentou sobre uma filial do Tsuta, algo que eu também já havia lido. Se chama Tsutanoha, fica também em Sugamo e o carro chefe é o pato. Infelizmente não tive tempo de conhecer.
Enfim chegou minha vez. Entrei na pequena casinha com apenas um balcão em L em torno da cozinha com 9 lugares ocupados, uma bancadinha para 3 ou 4 pessoas também ocupada. Imediatamente as narinas são inundadas pelo aroma sublime de um caldo em que, ao menos para o nariz, prepondera o frango. Fiquei uns segundos ali na entrada inalando o ar e tentando detectar aromas. Pesquei trufa… Bem de leve. Fui tirado do meu transe por um atendente que me direcionou a uma máquina tiradora de pedidos, bem ao estilo japonês. Em inglês básico, o atendente, depois de me devolver os ¥1.000 da manhã, me indicou na máquina o best seller: lamen com caldo a base de shoyu e ovo cozido. O segundo lugar? O mesmo, sem ovo. Existem outras opções, como a versão a base apenas de sal, sem shoyu, que também pareceu apetitosa, mas eu já tinha vindo sabendo o que queria. O shoyu lamen mais famoso da cidade, com caldo feito com seleção de vários tipos de shoyu, lamen feito com três tipos de farinha, e todos estes paranauês que os japoneses sabem fazer quando querem criar algo especial. Tentei também descolar um arroz, por pura curiosidade, pois sou fã do arroz japonês, mas estava esgotado. Para fazer meu pedido, inseri uma nota de ¥1.000 na máquina, apertei o botão e peguei o troco de ¥50 e um tiquetezinho, que o atendente pegou e entregou para a cozinha. ¥950, menos de US$10, foi a bagatela paga pela refeição. Para beber? Bem, olhei para o balcão e todos bebiam água. Havia uma jarra para cada duas ou três pessoas se servirem. Não arrisquei descobrir se havia outra opção.
Logo vagou um assento no banquinho onde esperei mais uma vez. No local, clima solene. Sensação de estar em um local proibido, como um speakeasy durante a lei seca nos EUA. Silêncio. Talvez fosse respeito, talvez estivessem todos, como eu, abismados com o cheiro sobrenaturalmente apetitoso daquele caldo, ou talvez, apenas, eles fossem japoneses e eu latino. Ao fundo uma música tão baixinha que perdia feio para os discretos barulhos de talher e hashi batendo na louça e as constantes e sonoras chupadas de macarrão ou caldo. Que, aliás, a etiqueta local permite, portanto não se acanhe.
Mas o cheiro. Essa é a lembrança que ficará dessa espera.
Enfim chegou a minha vez de sentar no balcão. Ufa! Saquei meu celular e o atendente me pediu para não tirar fotos. “Lamen photo ok. Kitchen photo no please“.
O prato chegou, e o cheiro é ainda mais incrível de perto. Parei um pouco apenas sentindo o cheiro do caldo e realmente é impressionante. O prato, dominado pelo caldo marrom, com uma discreta fatia de porco, algumas raspinhas de alho poró e de trufas e um ovo cozido. Qualquer tentativa de comparação com um miojo é sacrilégio.
A primeira prova foi só do caldo. Absolutamente equilibrado. Delicioso. Riqueza de umami. Mas me chamou a atenção a predominância de frango e legumes. Explico: no Japão é muito comum detectar o sabor de peixe em caldos, frituras, bolinhos… O caldo do lamen pode ter preponderância de sabor de peixe, o que pode não agradar tanto nosso paladar, acostumado a não misturar peixe com outras carnes. Eu já estava psicologicamente preparado para isso. Mas fui surpreendido por um caldo saboroso, leve, e que, apesar de mais rico em aromas, poderia tranquilamente ser servido em uma canja no Brasil. Claramente um sabor mais fácil para ocidentais.
A segunda prova foi do macarrão. Perfeitamente al dente, com sabor de massa integral, apesar da cor de grãos refinados, um excelente noodle. A fatia de porco era bastante tenra e saborosa, mas talvez por ser fã da carne suína, eu esperava um sabor mais intenso. Bastante leve. Parti o ovo com a colher e me surpreendi com o ponto fenomenal da gema exatamente entre mole e dura. Incrível!A textura do ovo cozido mole com o macarrão al dente cria uma combinação especial que preenche a boca. O prato não tem um protagonista, o que é correto e faz do equilíbrio o fator principal. O conjunto da obra é um golaço.
Confesso que apanhei um pouco do macarrão que teimava em fugir como um bagre ensaboado do hashi, segurado pelas inábeis mãos de um ocidental, mas o lance é perder a inibição. Vale ajudar com a colher, morder, deixar cair de volta no caldo… Inclusive beber o caldinho final direto do prato (colei de um japinha do meu lado). É lamen, não é sushi. E que lamen!
Terminado o prato, elogiei toda a equipe e me preparei para liberar o assento pois o banquinho da espera já estava cheio de ansiosos comensais. O processo é todo muito rápido. Passei ao todo uns 20 minutos dentro do restaurante. Antes de sair, notei que os estudantes que conheci estavam na metade do prato. Resolvi tirar a prova e perguntei a um deles se era mesmo tudo isso. Me respondeu sem contato visual e sem tirar o olho do prato, coisa rara para um japonês: “good… good… good.”
Resumiu bem.
Japanese Soba Noodles Tsuta
Endereço: 1-14-1 Sugamo, Toshima-ku, Tokyo
Telefone: 03-3943-1007
Estação: Sugamo
Facebook.com/jsn.tsuta
**Este texto é da autoria de Vitor Velloso. Foto do destaque: 多摩に暇人 / fotos do post do auto.
deve ser foda!
o melhor que comi em SP foi no Aska e no Kasu lamen…
dizem que na vila madalena tem um bom, mas as filas exageradas me afastam do local
Fantástico! Me levou de volta ao Japão e aos sabores dos lamens que experimentei, por alguns segundos, o aroma dos ingredientes me tomou as narinas. Espero voltar e conhecer este lugar.
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.