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Muitos amantes de viagem já tiveram a oportunidade de conhecer o funcionamento de uma vinícola e o processo de preparação do vinho. Há quem tenha também visitado cervejarias, para saber um pouco mais sobre como é feita a bebida. É possível fazer o mesmo a respeito de um orgulho nacional, a cachaça, considerada a única bebida alcoólica 100% brasileira. A cerca de 110 quilômetros do Rio de Janeiro e 618 metros acima do nível do mar, no município de Miguel Pereira, na Região Serrana do estado, está a Fazenda do Anil, onde é produzida a cachaça artesanal Magnífica, e fomos lá conhecer um pouco de seu processo de produção.
Fomos recebidos pelo engenheiro João Luiz Coutinho de Faria, criador da Magnífica, e sua família com pão de queijo e cafezinho. É ele quem costuma fazer o tour pela fazenda, que é aberto a turistas interessados. Depois de um breve bate-papo, fomos, em uma van, visitar as plantações da cana utilizada na produção da bebida. Segundo Raul de Faria, sócio e filho de João Luiz, cada metro quadrado de cana plantada por um ano sob o sol rende cerca de um litro da cachaça produzida na fazenda.
Em seguida, foi a vez de conhecer a moenda, primeiro estágio do processo de fazer cachaça. Impossível não lembrar que a história da bebida no Brasil se confunde com a da escravidão, já que seu crescimento no país aconteceu à medida que os engenhos foram se espalhando pelo nosso território, no chamado Ciclo do Açúcar. O principal produto de exportação do Brasil entre meados do século XVI e meados do XVIII tinha como principal fonte de mão de obra os negros trazidos da Europa que foram escravizados.
A moenda, equipamento que remonta a essa época, se modernizou e hoje é movida a vapor. Em alguns momentos é tão rápida e solta tanto vapor, que parece uma maria-fumaça.
O caldo de cana sai dali e é, então, despejado em grandes dornas de aço inox com leveduras produzidas pelo próprio João Luiz na região para ser fermentado. “Como queria fazer uma cachaça especial, contratei um professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Carlos Augusto Rosa, que produz leveduras. Passei um ano com as dele. Mas testei fazer com o fermento biológico para pão e deu certo: em alguns dias, as leveduras vão morrendo, e vão nascendo as locais. Chamei ele para provar e ele disse que não havia diferença entre as minhas e as dele. Aqui é um ambiente positivo para criar leveduras para fazer cachaça”, comemora Faria. Ele conta que comprou equipamento para isolar suas leveduras e vendê-las para outros produtores, também.
No estágio seguinte, o líquido é destilado em um alambique de cobre de três estágios, chamado Alambique Alegria. O cobre é considerado um material superior ao inox para a destilação da bebida, conferindo melhor aroma e sabor para a bebida. O líquido entra ali a 60 graus. Durante o ciclo de destilação, saem bebidas com características diferentes, que são chamadas de cabeça, coração e cauda. O coração é a melhor parte. A cabeça e a cauda são desprezadas e transformadas em álcool para outros usos. Um alambiqueiro fica provando o produto na torneira por onde ele sai após ser destilado para saber em que momentos ele deve ser separado.
Dali, a cachaça segue para ser armazenada em barris de madeiras nobres. A Tradicional é guardada em um tonel de ipê de 50 mil litros. A Envelhecida e a Reserva Soleira vão para barris de carvalho menores. A Tradicional, branca, é envelhecida no ipê, uma madeira que praticamente não interfere no gosto do produto. Já a Envelhecida passa dois anos em barris de carvalho importados, que conferem sabor de madeira à bebida. A Soleira passa por um processo de envelhecimento também usado para o rum e o jerez: ela é transferida de um barril de carvalho para outro a cada cinco meses durante o processo de envelhecimento, por um período de 40 meses, até ser engarrafada. Os barris são dispostos em estantes e a cachaça engarrafada é a mais próxima do solo (daí o nome soleira). Uma mesma garrafa pode ter bebidas de três a mais de dez anos de idade. É uma cachaça pioneira, premiada e mais cara (para efeito de comparação, aqui podemos ver a Tradicional vendida a R$ 37,89, a Envelhecida, a R$ 51,72, e a Soleira, a R$ 139,50).
Depois de conhecer todo o processo, o bartender da Magnífica, Thiago Macedo, o Jamaica, prepara drinques com a bebida para a degustação — cachaça, por sinal, hoje é um ingrediente bastante valorizado na preparação de coquetéis. Destaque para o “quentão” gelado (feito da mesma forma que o tradicional, levando a mistura de açúcar, canela, gengibre e cachaça ao fogo) e a caipifruta de abacaxi com limão galego e gengibre. Uma dica de João Luiz é um drinque feito com uma dose de Magnífica Soleira, um terço de dose de licor 43, uma casquinha de laranja e gelo. Delícia! Nesse momento, é possível comprar os produtos do local. O passeio termina com um almoço no mesão da fazenda, perfeito para encarar a estrada sem maiores problemas depois de degustar a bebida. A visita à Fazenda do Anil é aberta ao público, sob agendamento. É necessário consultar previamente o preço do almoço. Também existem agências que fazem o passeio saindo e voltando ao Rio.
A Fazenda do Anil começou a produzir cachaça em 1985, mas somente em 1997 surgiu a Magnífica, mesmo ano do lançamento do Programa Brasileiro para o Desenvolvimento da Cachaça (PBDAC). Desde 2003, a bebida é exportada para a Inglaterra e outros países. Em 2015, a marca foi autuada e multada pelo Ministério da Agricultura por usar a imagem do Pão de Açúcar no rótulo, com o argumento de que isso daria a entender que era produzida lá. Por isso, a Magnífica acaba de mudar suas garrafas e rótulos, que agora trazem o sistema de três alambiques ou as montanhas da região. Mas o mais importante é que a qualidade continua a mesma. Tim-tim!
Visitas: De segunda a sexta-feira, das 8h às 12h. Sábado e domingo, das 9h às 14h. É necessário agendar. Para grupos, incluindo almoço, preço sob consulta.
Kamille Viola é jornalista cultural, apaixonada por música, comida e viagens. Adora mostrar cantos menos conhecidos do Rio para quem vem de fora - e quem é da cidade também. É daquele tipo de gente para quem escrever não é uma escolha: é a única opção.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.