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O Austin City Limits ferve sob o sol do Texas

Quem escreveu

Danilo Cabral

Data

25 de October, 2016

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Apresentado por

A cidade texana de Austin recebeu mais uma vez o mega festival Austin City Limits, em dois finais de semana consecutivos (30.09 a 02.10 e 07 a 09.10). Comemorando 15 anos de vida, foi a maior edição até agora, seja na quantidade de atrações ou no número de espectadores, com quase 70 mil pessoas passando pelo belíssimo Zilker Park em cada dia do final de semana. Se a cidade já é conhecida por ser “a capital mundial da música ao vivo”, em tempos de eventos deste porte ela fervilha muito mais – principalmente à noite – quando as luzes dos palcos do City Limits se apagam e o agito toma conta da famosa 6th Street, eixo central da cidade e onde a maioria dos bares, restaurantes e boates se concentram. Mas isso é assunto para outro post, vamos contar como foi o festival propriamente dito.

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Foto: @tavapassando

O Austin City Limits rola no Zilker Park, a pouco mais de 15 minutos do centro da cidade. Priorizando os meios de transportes alternativos, a organização do festival não disponibiliza estacionamento para carros e oferece transporte gratuito e de qualidade (ônibus com ar-condicionado) para todo mundo, além de um espaço enorme para você deixar sua bicicleta. É incrível como, mesmo com a quantidade de pessoas, as filas são organizadas e fluem sem problemas, tanto para entrar no parque quanto para sair. São 7 palcos distribuídos numa área de mais de 1400m², além de dezenas de barracas de comidas e bebidas das mais diversas, lojinhas, um galpão gigante só de cervejas e muita grama para aproveitar o sol escaldante. Contrariando todas as expectativas, não choveu em nenhum dia de festival (os dilúvios nesta época do ano são frequentes por lá), o que deixou todo mundo lutando por um lugar nas sombras das árvores e consumindo milhares de galões de água. Assim como o transporte, a água também é de graça – é uma preocupação dos organizadores deixar todo mundo hidratado, pois não é fácil encarar mais de 10 horas de shows sob temperatura média de 34 graus, com picos que chegavam a quase 40.

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Foto: @tavapassando

A edição de 2016 do ACL teve como headliners Radiohead, Kendrick Lamar e o LCD Soundsystem (este, disputando o público com o sonolento Mumford & Sons), mas outras centenas de shows e bandas passaram pelos palcos do festival. Não tem jeito, é igual em qualquer lugar do mundo: tomar a decisão de qual show assistir, entre as muitas opções, é sempre cruel. Algumas vezes abrimos mão de ver shows completos para dar uma espiadinha em cada coisa e poder trazer pra vocês uma visão bem geral do que rolou nos palcos nos três dias.

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Foto: Julian Bajsel

Primeiro Dia

A sexta começou fervendo com o novato Raury, moleque cheio de energia, com camiseta de seu ídolo Michael Jackson e que fez o público pular com sua mistura de soul, hip-hop e funk. Em seguida colamos no palco principal para ver a dupla Banks & Steelz, a junção inesperada de Paul Banks (vocalista do Interpol) com o RZA, eterno Wu-Tang Clan. Sol queimando sem dó e eles entram no palco todos vestidos de preto, mas com uma garrafa de vodca gelada nas mãos. Banks na guitarra, RZA num eventual teclado e ambos cantando e rimando em cima de uma base construída ao vivo. Quem diria que parceiros de xadrez (a ideia do projeto surgiu enquanto jogavam) tão diferentes pudessem ser tão complementares em cima do palco.

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Foto: @tavapassando

Saindo dali, ainda deu para pegar o finalzinho do show do pessoal do Chairlift, que claramente estavam meio perdidos naquele palco. Certas bandas não são feitas para shows de grande porte, ainda mais se for à luz do dia. Era hora então de entrar no palquinho coberto para derreter ao som do Bombino. Com todos na banda vestidos a caráter, com toda indumentária beduína, o guitarrista tuareg debulha seu instrumento, como se o Jimi Hendrix tivesse crescido rodeado de camelos. Pela estranheza do público no começo do show, estava claro que poucos ali conheciam o cara, mas logo na segunda música ele já tinha dominado o palco e transformou tudo numa grande festa nas dunas. Pingando de suor, era hora de conferir o Flight Facilities, dance music australiana e com somente um disco no currículo. Estávamos curiosos para ver se funcionava de dia e fomos surpreendidos pela animação do público, que dançava sem parar e pelo palco simples porém de efeito visual incrível (bem parecido com a pirâmide que o Daft Punk usava). No palco ao lado, o pancadão comia forte com Tory Lanez, rapper canadense da nova geração e que inventou um termo para classificar o tipo de som que faz, o tal swavey.  Na prática, um batidão grave no peito com ele rimando em cima. Nada de novo, mas pelo menos rendeu o primeiro stage dive que presenciamos no festival.

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Foto: @tavapassando

Já estava na hora de correr para o palco principal, para ver duas das apresentações que mais queríamos ver, ambos fazendo aniversário naquele dia. Primeiro veio o maravilhoso cosmic jazz do Flying Lotus, que já entrou no palco completamente bêbado e se justificando que aniversariante pode tudo. E ele fez o que prometeu: um show atípico, engraçado e cheio de interrupções para falar sobre os mais diversos assuntos. Críticas pontiagudas ao Trump, tiração de sarro com a plateia massivamente branca (“white girl wasted, my favourite”), as dores e delícias de abrir para o Radiohead (“abrir para o Thom é a pior e melhor coisa do mundo”, “quem quer ver o Radiohead vai ter que aguentar essa maluquice”) e, escondido atrás de um paredão de LED psicodélico, parecia se divertir como nunca. Ao final do show, resolveu discotecar um pouco e deixou o palco ao som de Funkadelic. 

Como queríamos ver o show do Radiohead de perto, resolvemos ficar por ali mesmo e se espremer junto com outros milhares de fãs da banda. O sol já tinha baixado, rolava uma brisa gostosa mas o calor da multidão ainda deixava o ambiente bem quente. A espera de mais ou menos 40 minutos foi preenchida batendo papo com outros fãs ao nosso lado, um deles que estava indo para seu oitavo show da banda e viu o Radiohead em todas as turnês. O nível de fanatismo era tanto que já estava sendo armado, via Reddit, um “Parabéns pra Você” coletivo em homenagem ao Thom Yorke, o outro aniversariante do dia. Quando as luzes se apagam e entra a gravação da Nina Simone para “I Wish I Knew How It Would Feel to Be Free”, todos sabem que o delírio coletivo vai começar e a banda entra logo com a nova “Burn The Witch”. Tudo no show é perfeito, desde a movimentação da banda até as luzes e, obviamente, o som produzido pelos caras em cima do palco. Apesar de tudo soar milimetricamente conduzido, em vários momentos é possível perceber que eles abrem espaço para uma certa improvisação e deixam o flow rolar, e talvez por ser seu aniversário, o Thom tava bem animadinho. O set é bem distribuído e cobre quase todos os discos da banda e com o público cantando junto, a coisa toda fica ainda mais mágica. O bis foi apoteótico, uma sequência com “Reckoner”, “Paranoid Android”, “There There” e “Fake Plastic Trees”. Depois dessa, hora de pegar o busão de volta e cair na noite de Austin.

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Foto: @tavapassando

Segundo dia

Logo quando chegamos no parque, já dava para perceber que este seria o dia mais lotado do festival. E o mais quente também. A temperatura beirava os 37, o sol não dava trégua no céu claro e a expectativa pelo show do Kendrick Lamar era palpável. As filas das bebidas, comidas e banheiros eram bem maiores do que no primeiro dia e, em determinados lugares, já era bem mais difícil chegar perto do palco. O dia dedicado ao rap, Rn’B moderno e outras variações cheias de suingue atraiu muito mais gente, mostrando que são esses os artistas que fazem a cabeça da galera e estão no topo das mais tocadas nos serviços de streaming. Porém começamos a programação indo conferir a Khruangbin ao vivo, trio local do Texas que a gente ouviu muito este ano e tocou no menor palco do festival. A banda manda uma espécie de surf music cheia de soul, com muita influência também do thai funk, típico daquelas coletâneas obscuras que circulam por aí. Por sorte, o palco era o único que tinha sombra, o que fez o show ser mais concorrido do que seria, cheio de gente moderna na plateia e com o hit obscuro “White Gloves” sendo altamente aplaudido. Virando a chavinha, corremos para o palco principal para o show da lenda e atual estrela da TV americana LL Cool J, escorado pelo DJ Z-Trip. Foi uma aula de hip-hop, a começar pela introdução feita nas pick-ups pelo Z-Trip, indo de Beastie Boys a Biz Markie a A Tribe Called Quest. Mas quando Cool J entra no palco, obviamente as atenções se voltam ao veterano rapper e ele não deixa cair. Segura a multidão nas mãos e não solta mais, dichavando hit atrás de hit, naquele formato clássico de MC+DJ e só, na lata como nos velhos tempos. Para fechar, ainda levou uma versão de “Sweet Home Alabama” com ajuda do coro da galera.

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Foto: Roger Ho

No fórum de discussão do site do Austin City Limits, um dos tópicos mais bombados era sobre o show do Anderson .Paak. Com somente dois discos lançados, “Venice” de 2014 e o maravilhoso “Malibu” deste ano, o cara é o novo queridinho da molecada e de todo mundo que acompanha de perto a cena dessa nova Rn’B. Anderson rima, toca bateria, é produtor, parceiro do Dr. Dre e tem outro projeto fodão, o NxWorries. Ao vivo ele transborda animação e energia, seja com o microfone ou as baquetas nas mãos. Acompanhado de uma banda afiada, Free Nationals, fez um show impecável e pra cima, com direto a “Glowed Up”, parceria dele com o Kaytranada e cover de “Let’s Dance” do Bowie fechando o showzaço. Assim que acabou a festa do Paak, ouvimos urros e gritos vindo da tenda coberta. Era o Bomba Estéreo colocando o palco abaixo e transformando a grama do Zilker Park numa enorme pista de dança latina. Não dava para ficar parado com o ritmo alucinado dos colombianos, principalmente da vocalista Liliana Saumet, que pula, dança, canta e borda sem dar nenhum sinal de cansaço. A música contagiante da banda irradiou por toda a tenda e transbordava para fora, com a galera que estava na sombra de uma árvore próxima também caindo no balanço colombiano. Foi catártico!

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Foto: Roger Ho

Depois do merecido rango e descanso, fomos para o palco maior ver o Schoolboy Q. O rapper é da gang e da gravadora do Kendrick Lamar, então fazia todo o sentido ele estar ali abrindo o show do parceiro. Cheio de chinfra, Schoolboy chegou no festival com seu hit “THAt Part” estourado e tocando em tudo que era lugar, na boca do povo. A maior prova disso foi exatamente quando tocou a música no final do show, incentivando o público a abrir rodas de pogo (sim, era um show de rap!) e cantar junto com ele a letra inteira. Deixou a plateia quente para o prato principal da noite, o tão aguardado Kendrick Lamar.

Não foi a primeira vez que Lamar toca no Austin City Limits. Ela já havia tocado na edição de 2013, mas não na condição de headliner e principal figura do hip-hop da atualidade. Com o sucesso comercial (e um Grammy) de “To Pimp A Butterfly”, seu status aumentou muito e ele agora tem a moral de tocar para um público gigante. E o cara não fez feio. Dominando o palco imenso, com sua banda na ponta dos cascos e projeções em preto e branco de ícones do movimento black (Malcolm X, Oprah Winfrey, Mike Tyson), Kendrick estava muito à vontade e com sangue nos olhos para soltar seu flow inacreditável. O mais surpreendente foi ver a plateia enlouquecida – pessoas de todas as idades, raças e credos cantando todas as rimas e letras, acompanhando a prosa rapidíssima de Lamar. Até músicas que são cantadas na velocidade da luz, como “For Free?” por exemplo, fizeram o público se esforçar para alcançar o cara, com resultados impressionantes. Kendrick também jogou bonito, não esquecendo seus hits mais antigos (“Swimming Pools”, “Bitch Don’t Kill My Vibe”), as pedradas de “To Pimp…” (“i”, “King Kunta” e a avassaladora “Alright”), além de tocar faixas do disco de lados B que lançou recentemente (“Untitled 02”).  Showzaço inacreditável, considerado por muitos o melhor do festival.

Terceiro Dia

Com muito menos gente dos que os dias anteriores, no domingo as filas para comer e beber estavam mais tranquilas e era mais fácil chegar perto da grade nos shows. A única coisa que não mudou foi o calor, que não deu trégua e continuou queimando as cabeças e corpos dos presentes. O primeiro show do dia foi da revelação Bob Moses, duo canadense que frita beats eletrônicos junto com guitarras esparsas e bateria ao vivo. Tocando num palco relativamente pequeno, fez a massa dançar bastante e certamente conquistou novos fãs, pois seu show atraía mais pessoas a cada música tocada. Eles inclusive tocarão no Lollapalooza brasileiro do ano que vem, uma boa chance de conferir ao vivo a qualidade dos caras. Em seguida rumamos para ver o Miike Snow consolidar sua posição de queridinho dos indie kids (e muitos marmanjos), com um show correto e entusiasmado, porém um pouco perdido, talvez pelo tamanho do palco. Ao final do show, corremos para a tenda coberta, pois a nova sensação da soul music americana se preparava para entrar no palco. Gregory Porter lançou seu primeiro disco há 6 anos, mas somente recentemente (depois de ganhar um Grammy) teve o reconhecimento do público e crítica. Com voz aveludada e presença elegante, ele entra no palco com camisa, gravata, colete, bermuda e sapato, não perdendo o garbo nem sob o calor pesado. A soul music do cara é um bálsamo, um alívio delicioso e suave que parece carregar consigo toda a tradição americana, do gospel aos spirituals.

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Foto: Charles Reagan Hackleman

Com o sol se pondo, era hora de ver as meninas do Haim em ação. O único show que atrasou para começar, os 5 minutos perdidos foram muito bem recompensados pela energia e alto astral das irmãs em cima do palco, abrindo o show com o hit “If I Could Change Your Mind” e mandando uma cover no Prince no meio do show. Apesar de curto, o show do Haim foi o mais ovacionado até então, a mistura de rock clássico com pop fez sucesso no Texas. A última atração do festival, o LCD Soundsystem, trouxe toda sua parafernália para o show, criando um ambiente de estúdio em que todos na banda ficam muito à vontade. Somado a isso, o fato de ser o último show deste ano, que celebra a volta da banda aos palcos, criava o ambiente perfeito para uma autêntica celebração. E não foi diferente, assim que os quinhentos integrantes entram no palco e o imenso globo de espelho desce do teto, a ferveção começa e não pára mais. Uma chuva de hits sem miséria, de “Us vs. Them” até o fechamento apoteótico com “All My Friends”, passando pelo cowbell insando de “Daft Punk Is Playing At My House”, o LCD lavou a alma com um show impecável, como poucos sabem fazer.

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Foto: Julian Bajsel

Como nos dias anteriores, a volta para casa foi tranquila, apesar daquela sensação de quero mais. A organização do festival se esmera tanto nos detalhes que fica difícil achar algum erro ou fazer alguma crítica negativa. Tudo funciona, as filas são grandes porém organizadas e sem muita espera, os banheiros são limpos, os shows começam no horário certinho, as acomodações são impecáveis, a qualidade do som é muito acima da média e o line-up de bandas é perfeito. Sem falar da cidade, Austin é maravilhosa, insólita e extravagante. Mas como já dissemos, isso fica para um outro post. Valeu ACL, foi demais!

Imagem destaque: Charles Reagan Hackleman

Colaboração: Flavia Lacerda

Quem escreveu

Danilo Cabral

Data

25 de October, 2016

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Apresentado por

Danilo Cabral

Danilo passou mais de 20 anos suando sangue no mercado financeiro. Até que a crise da meia idade bateu forte e ele resolveu largar tudo e partir para o que gosta de fazer: viver bem. Desde então passou a sair mais, a tocar em tudo quanto é canto, a viajar melhor, a exercitar a veia da escrita e da leitura, cuidar do corpo, a montar playlists e, principalmente, amar fazer tudo isso. Não quer nem lembrar da fase em que esteve debruçado em cima de uma HP12C. Saravá, Danilo!

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