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“Tá, quem vai querer fazer o mergulho com tubarões amanhã?” Silêncio na mesa. Tomada por coragem momentânea e entusiasmada pela terceira taça de Pinotage sul-africano da noite, levantei a mão. Sim, quero ir.
Só no dia seguinte, discutindo o assunto com os colegas durante o café da manhã, é que ficou claro que eu não tinha a menor ideia do que significa “mergulhar com tubarões”. Um amigo sul-africano incentivou. “Dá medo mesmo, mas é foda, você nunca vai esquecer, não perde a chance,” ele disse. “E você vai também?” eu quis saber. “De jeito nenhum. Uma vez na vida tá bom.”
Parecia suficiente para mudar de ideia, mas me mantive animada com a perspectiva. Afinal, quantas vezes na vida você vai ter a oportunidade de estar dentro da água, em segurança, perto dos enormes tubarões brancos? Sim, aquele mesmo predador altamente eficiente que ganha uma semana inteira de programação especial todos os anos no Discovery Channel? Não é uma oportunidade que aparece todo dia. Então, mesmo com um frio horroroso e muito sono, entramos na van por volta das três da manhã seguinte. Estávamos em tempo, a quatro horas de distância, e queríamos alcançar Gansbaai, entre a Cidade do Cabo e a região do Cabo das Agulhas, no extremo sul da Africa do Sul, antes do sol nascer.
Nossa operadora era a White Shark Project, uma das empresas credenciadas pelo governo sul-africano para oferecer o pacote de cage diving para turistas. É obrigatório assistir uma rápida aula em vídeo antes de fazer o mergulho. O capitão, que responde pela segurança de cada participante, vai junto para responder perguntas e estressar a principal regra do rolê: vendo tubarão na água ou não, é absolutamente proibido colocar a mão para fora da gaiola. Não pode. Ponto.
Pouco antes do sol nascer, vários barcos saem do cais em direção ao Shark Alley, uma área entre a costa e as pequenas ilhas onde os grandes tubarões brancos se reúnem para caçar focas. Há várias operadoras diferentes em Gansbaai, todas trabalhando com cage diving.
A prática consiste em entrar na água dentro de uma gaiola, que fica presa na lateral do barco. Até cinco pessoas podem entrar na gaiola por vez, sempre vestidas com neoprene e máscara. Dentro e fora da gaiola, a voz do capitão é lei, e quem ele vir colocando a mão para fora da jaula vai pro cantinho do castigo. A tripulação joga enormes nacos de peixe na água, e o cheiro atrai os tubarões. Pode acontecer de eles não aparecerem no dia por qualquer motivo, mas uma vez perto do barco, os bichos vão comer enquanto tiver alimento oferecido, e, com o passar das horas, ficam cada vez mais agitados e agressivos. Os grupos de mergulhadores descem um de cada vez, com intervalos, sempre sob os olhos atentos do capitão. A água gelada só permite que a gente fique cerca de dez minutos dentro da gaiola, mas, se alguém quiser sair antes, é só sinalizar. Como o rolê dura a manhã inteira, se você aguentar o frio, dá para entrar e sair da gaiola várias vezes.
O cage diving é talvez a forma mais “fácil” de alguém que não é mergulhador profissional ou biólogo estar perto desse animal magnífico que é o grande tubarão branco. Mas “fácil” não é a definição certa para estar dentro de uma gaiola no mar gelado, vendo o bicho engolir pedaços de peixe perto da sua cara. Um tubarão branco não é um peixinho, mas um animal enorme que não raro chega a ter sete metros de comprimento. O barco balança, a água é gelada, o capitão grita e o tubarão é um animal muito ágil, para enxergar algo além de um borrão, você tem que controlar os movimentos e estar debaixo da linha da água quando ele chega. Mas, depois de pegar o jeito, dá para ver os olhos pretos pequenos, a barbatana, a cauda e, claro, os dentes enormes.
A prática ajuda a desmistificar o tubarão branco, animal visto como extremamente violento. O discurso do White Shark Project é sempre em torno de como esses predadores são importantes e devem ser respeitados. Mas o cage diving não é sempre bem visto. Críticos lembram que a alimentação artificial dos tubarões em Shark Alley é nociva e que a presença humana dentro da jaula faz com que os animais estabeleçam uma perigosa conexão entre gente e comida. Além disso, a falta de bom senso de algumas pessoas faz com que o perigo seja real – por incrível que pareça, tem gente que realmente tenta passar a mão no tubarão.
Para saber mais (em inglês)
Shark Alley no site do South Africa Tourism
White Shark Project: shark diving
Gaía Passarelli é paulistana de nascença, autora do livro "Mas Voce Vai Sozinha?"(Globo, 2016) e do blog How to Travel Light. Encontre-a em gaiapassarelli.com
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