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Nos últimos dias, um assunto tem dominado a gastronomia carioca. Afinal, não é todo dia que o chef do restaurante número 1 do mundo vem ao Rio, muito menos desenvolve um projeto por aqui. O Refettorio Gastromotiva teve inauguração para convidados na última terça-feira, dia 9. O lugar, que fica em um antigo galpão na Rua da Lapa, 108, é uma parceria entre o projeto Food For Soul, do chef italiano Massimo Bottura (da premiada Osteria Francescana), a ONG Gastromotiva, fundada pelo paulista David Hertz, e a jornalista gastronômica Alessandra Forbes.
O local é um refeitório social que serve para pessoas em situação de vulnerabilidade social refeições preparadas por chefs e cozinheiros da Gastromotiva, a partir de ingredientes excedentes, não manipulados, bons para consumo, doados ao local. Durante as Olimpíadas e Paralimpíadas, esses ingredientes vêm do excedente da pré-preparação do catering Masan (um dos fornecedores dos jogos), além de Carrefour e Benassi. Vão passar pela cozinha chefs como Alain Ducasse (França), Andoni Luis Aduriz (Espanha), Joan Roca (Espanha), Andrea Berton (Itália), Felipe Bronze, Bianca e Kátia Barbosa, Claude Troisgros, Alex Atala, Alberto Landgraf, Roberta Sudbrack, Janaína Rueda, Rafa Costa e Silva, Ronaldo Canha e Thiago Flores, entre outros.
O modelo é o mesmo do Refettorio Ambrosiano, criado por Massimo Bottura, onde mais de 65 chefs internacionais cozinharam com ingredientes vindos da Expo Milão em 2015, entre eles David Hertz, Alessandra Forbes e Bianca e Kátia Barbosa. Ao conhecer o trabalho, Hertz propôs a Bottura replicarem o modelo no Rio de Janeiro, nas Olimpíadas — e o italiano topou, investindo 200 mil euros na ideia. Por aqui, a cozinha ainda será espaço de especialização para jovens da Gastromotiva, ONG que capacita profissionais para trabalhar no mercado de gastronomia.
“Tem a ver com cultura, conhecimento, consciência e responsabilidade. Traremos cada chef do mundo aqui por causa do conhecimento deles. Para podemos brincar de nossa avó, de não desperdiçar nada. Consciência, porque é hora de devolver. O que quero mais da minha vida? É senso de reponsabilidade. A gente acredita em milagres. Ainda, em 2016”, comentou Massimo à imprensa na última segunda-feira. “Depois que descobri que tinha carregamento de até 120 caminhões [com comida] que iam e voltavam com, 20 deles cheios para serem incinerados, tudo virou uma luta pessoal”, comentou Hertz.
No entanto, o terreno foi cedido pela Prefeitura do Rio por dez anos, o que significa que o Refettorio vai continuar. Em outubro, ele abre ao público em geral, apenas para almoço, com o menu realizado por cozinheiros formados pela Gastromotiva e eventuais chefs convidados. Quem almoçar no local estará automaticamente pagando o jantar para uma pessoa necessitada. “E que ninguém venha falar que, por ser comida feita com produtos excedentes, tinha que ser mais barato”, avisa David Hertz. “Vamos promover diálogos não só com chefs famosos. Vamos trazer, por exemplo, uma cozinheira da primeira favela de Cape Town (na África do Sul) e um padeiro queniano que, a cada 70 pães que vende, dá um exame de retina a alguém que precise”, conta ele.
O espaço que agora abriga o Refettorio era um depósito de carrinhos de ambulantes. De acordo com Alexandra Forbes, a obra foi inicialmente estimada em R$ 3 milhões e saiu por menos da metade, graças às diversas doações conseguidas. Os nomes envolvidos na obra são estrelados: o projeto é assinado por Gustavo Cedroni, da Metro Arquitetos, com curadoria artística de Vik Muniz (que presenteou o lugar com uma tela da Santa Ceia pintada com chocolate), mobiliário dos Irmãos Campana e iluminação de Maneco Quinderé. O grafiteiro paulista Pas Schaefer e o belga Spear também doaram um painel para o espaço, que traz as mãos do pai de Vik com frutas e legumes.
“No começo, era só um bando de loucos, mas deu certo. A gente tinha outras opções de terreno, mas pensou que esse projeto ia pulverizar para o entorno. Pensamos na relação dele com a praça e da praça com a cidade”, explica Cedroni, sobre a pracinha que fica em frente ao lugar e será reformada pelo projeto. “Vamos servir pessoas de baixíssima renda. Vale frisar que a gente não vai gentrificar. Vai ser uma mistura de pessoas, que é a essência da Lapa”, garante ele. “É o melhor lugar no Rio de Janeiro, come on! Esse projeto vai mudar todo o entorno”, anima-se Massimo. Inspirador é pouco.
Foto do destaque: Tomás Rangel
Kamille Viola é jornalista cultural, apaixonada por música, comida e viagens. Adora mostrar cantos menos conhecidos do Rio para quem vem de fora - e quem é da cidade também. É daquele tipo de gente para quem escrever não é uma escolha: é a única opção.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.