Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Costumo brincar que existem dois tipos de teatro: o teatro para o público, e o teatro para o público que gosta de teatro, aquele composto de várias auto-referências e uma linguagem, ou temática, extremamente difícil. Porém existem alguns autores, diretores e encenadores que conseguem fazer ambas as coisas em um único espetáculo.
Em São Paulo quem tem bastante sucesso nessa prática é o Núcleo Experimental e a companhia Empório de Teatro Sortido. Minha paixão por ambas é a mesma, mas como quero falar especificamente da montagem “Gota D’Água [a seco]”, um filhote da companhia, vou me ater a ela.
Criada em 2010 por Rafael Gomes e Vinicius Calderoni, a Companhia do Teatro Sortido nunca errou a mão em sua curta trajetória. No total foram sete montagens e todas de sair do teatro com a cabeça a mil. Em comum, todas contam com a majestade de atrizes que roubam a cena, e consequentemente nossa admiração.
Rafael Gomes se formou em Cinema pela FAAP e despontou para o sucesso apresentando para o grande público toda a grandeza de Maria Alice Vergueiro no vídeo viral “Tapa na Pantera” em 2007 e de lá pra cá parece escolher a dedo grandes atrizes para trabalhar.
Em “Música Para Cortar os Pulsos” (2010), “Cambaio [a seco]” (2012), “O Convidado Surpresa” (2014) traz Mayara Constantino, já em “Gotas D’Água Sobre Pedras Escaldantes” escala Gilda Nomacce para uma participação arrasadora e em “Um Bonde Chamado Desejo” escolhe Maria Luisa Mendonça para dar vida a uma espetacular Blanche Dubois.
Fora da companhia assina a direção e adaptação da nova montagem de “Gota D’Água” de Chico Buarque e Paulo Pontes, que ganha o acréscimo de [a seco] no título, parte pela estética mínima e redução de personagens do original, parte pela carreira do próprio autor, que em 2012 realizou “Cambaio [a seco], uma peça escrita por Adriana e João Falcão baseada no álbum composto por Chico e Edu Lobo. A montagem teve a participação do grupo “5 a Seco”, e por isso o nome.
Vale lembrar que quando se fala no trabalho de Rafael está tudo muito junto. O co-criador da companhia é Vinícius Calderoni, também integrante do grupo “5 a Seco”.
Gota D’Água [a seco] é de Joana, interpretada pela atriz principal, Laila Garin, que com 16 anos de carreira conheceu o sucesso de público apenas em 2013, dando vida à Elis Regina no musical “Elis – A Musical”. Na peça de Rafael Gomes Laila se entrega de forma alucinante: atua, dança e principalmente canta. A trama baseada em Medeia, a tragédia grega de Eurípedes é um prato cheio para a atriz que aproveita cada momento para brilhar.
Na versão de 1975, Chico e Edu Lobo transportam o mito para um conjunto habitacional brasileiro, e contava com a direção musical de Dori Caymmi e a atriz Bibi Ferreira como protagonista, além de um grande elenco. Já Rafael manteve o enredo optou por eliminar a presença dos personagens secundários e chamou o sempre brilhante Pedro Luiz para assinar a direção musical.
O diretor e adaptador também opta por uma cenografia simbólica, composta de estruturas de metal e garrafões de água que engrandece os atores, e só perdem para o figurino de Laila, como grande suporte para as cenas. O ator Alejandro Claveaux que vive Jasão é ótimo, mas entende que seu papel ali é dar espaço para parceira de cena.
Um trecho da arrebatadora versão de “Cálice” interpretada por Laila Garin em “Gota D’Água [a seco]”
Acompanhando a carreira do diretor fica apenas uma questão: por que tamanho destaque para as mulheres em cena e tão pouco fora dele? De todas as sete peças da companhia, apenas “Cambaio [a seco] conta com uma autora mulher, Adriana Falcão que assina o texto com o ex-marido João. Nas direções musicais também não se notam figuras femininas. Que tal dar fim nesse clube do bolinha, heim?
Gota D’Água [a seco]
Sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 18h.
Teatro FAAP – Rua Alagoas, 903 – Higienópolis
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