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Dormindo com os monges num templo budista

Quem escreveu

Lalai Persson

Data

19 de October, 2016

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Não tem como pensar no Japão e não pensar em seus belos templos e santuários espalhados pelo país. Para mergulhar um pouco na tradição milenar japonesa, uma boa opção é pernoitar em um templo. Há vários no país que possibilitam acomodações para peregrinos, mas Koyasan, ou Monte Koya, é o mais conhecido deles entre os turistas e o mais prático para quem não arrisca nada no idioma japonês. A comunicação em inglês é totalmente possível, inclusive com os monges. Koyasan oferece um bom retiro espiritual e é um ótimo lugar para relaxar e desligar. Fica em Wakayama, ao sul de Osaka.

A paisagem dos vilarejos na viagem de trem pra Koyasan. Foto: Lalai Persson
A paisagem dos vilarejos na viagem de trem pra Koyasan. Foto: Lalai Persson

Chegar lá é uma odisséia. Partimos de Quioto e nossa viagem, que durou cerca de cinco horas, contou com um metrô, três trens (mais um por erro de rota, ou seja, quatro), um funicular e um ônibus. A dica de ouro é: na estação principal em que estiver (Quioto ou Osaka, no nosso caso), procure um locker e deixe a mala lá. Leve apenas roupa para o tempo que ficará em Koyasan, que geralmente não ultrapassa dois dias. É possível deixar objetos trancados em um locker por até 48 horas e o valor de um grande custa em torno de US$ 20 pelo período.

Trem que leva de Osaka à Koyasan. Foto: Ola Persson
Trem que leva de Osaka à Koyasan. Foto: Ola Persson

Koyasan fica num vale a 800m de altitude alcançado pelo funicular em apenas 10 minutos. Mas antes de chegar em Gokurakubashi, a estação onde começa a subida para Koyasan, a viagem de trem percorre lentamente, por cerca de uma hora, pequenos vilarejos seculares cercados por montanhas. Alguns trechos, que contam apenas com um trilho, são cercados por florestas de árvores altas. A viagem é linda e já nos tira do excesso de informação que temos em cidades como Tóquio, Quioto e Osaka. É colar na janelinha e apreciar a paisagem em torno.

A subida do teleférico. Foto: Ola Persson
A subida do teleférico. Foto: Ola Persson

A história de Koyasan começou há 1200 anos, quando Kobo Daishi (ou Kukai) introduziu no ano 805 o Budismo Shingon (linha esotérica com influência chinesa) e escolheu o vale para espalhar seus ensinamentos. Kobo Daishi é uma das figuras mais importantes e reverenciadas do Japão. Hoje Koaysan abriga, inclusive, uma universidade dedicada aos estudos do Budismo e é o principal centro de estudos desta linha budista.

Um dos templos que ficam na rua principal de Koyasan. Foto: Ola Persson
Um dos templos que ficam na rua principal de Koyasan. Foto: Ola Persson

São 117 templos com 52 deles funcionando como “shukubo”, que são os que oferecem hospedagem. Koyasan se transformou num hit após ter sido, em 2004, declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. A população é de apenas 3.000 pessoas, a maior parte monges, que tem permissão para se casar, ter filhos e até comer carne, mas por lá a prática mesmo é o vegetarianismo.

Depois do frenesi de uma cidade como Tóquio, Koyasan foi um refúgio perfeito para colocar a mente nos eixos, comer bem, caminhar sem pressa e não ter tanta informação ao redor. E lá não é apenas um lugar de fuga para turistas, que querem cuidar da alma, mas também onde peregrinos japoneses costumam seguir.

Um templo para chamar de nosso

Kumagaijin, o nosso templo por 24 horas. Foto: Ola Persson
Kumagaijin, o nosso templo por 24 horas. Foto: Ola Persson

Nós escolhemos nos hospedar no Kumagaiji, um templo de arquitetura clássica japonesa construído no ano 837. Ao atravessar a entrada do portão já vem aquele clima bom de paz, que a gente está sempre em busca. E você até acha que deveria ter fechado duas noites para, quem sabe, andar um pouquinho mais nas nuvens. Os sapatos não passam da entrada. Lá dentro só os chinelinhos providos pelo próprio templo ou, como nós preferimos, descalços.

Aviso para não entrar de sapatos. Foto: Ola Persson
Aviso para não entrar de sapatos. Foto: Ola Persson

Fomos recebidos calorosamente pela Yuko, que discorreu com reverência sobre Kobo Daishi e a história de Koysan. Depois fez um tour por toda a estrutura do lodging. Explicou detalhadamente o funcionamento do lugar, horários, refeições, banho (compartilhado) num onsen (estilo típico japonês de hot spring ou banho público).

O Kumagaiji é dividido em duas áreas: a de hospedagem e o templo propriamente dito. Há uma grande casa, onde ficam os quartos espalhados em dois andares. É lá tem também uma sala de convivência, banheiros, chuveiros e os onsen (uma casinha de banho). Tem até uma lojinha com itens relacionados ao Budismo e ao templo e, adivinhem? Wi-fi! O quarto tem até uma TV pequena disponível, mas não fomos ao templo para assistir televisão, não é?

Alguns templos permitem até mesmo tomar bebida alcóolica (só os turistas, claro!). Preferimos não descobrir se era permitido no nosso, pois seria o dia “branco” e cair em tentação estava proibido.

O Kumagaiji tem também um belíssimo jardim super bem cuidado, um pequeno lago cheio de carpas e, finalmente, o templo onde são feitas as cerimônias.

Como funciona

Detalhes das louças do jantar. Foto: Ola Persson
Detalhes das louças do jantar. Foto: Ola Persson

Os horários são rígidos, afinal estamos num templo em funcionamento. É quase desesperador no início, mas logo você se acostuma com a rotina regrada dos monges. O check-in acontece entre às 15h e 17h. Inclusive eles pedem que você avise caso o horário de chegada seja mais tarde, mas saiba que ficará sem o jantar, que é servido às 17h30 no próprio quarto; as portas do templo fecham às 21h, ou seja, neste horário é necessário estar por lá; banho no onsen é das 19 às 22h; a cerimônia começa às 6h30 e tem duração de 1 hora, mas recomenda-se chegar antes. Chegamos às 6h28 e a entrada já estava fechada; o café da manhã às 7h30 e o check-out às 9h.

O jantar. Foto: Ola Persson
O jantar. Foto: Ola Persson

A cozinha é vegetariana, saborosa e servida simpaticamente pelos monges. São eles também que arrumam nossa cama, um futon fininho com travesseiros (duros) com sementes que são colocados no meio do tatame. São fornecidas toalhas e um kimono para cada pessoa.

Eu e o Ola tomando nosso café da manhã
Eu e o Ola tomando nosso café da manhã

O nosso jantar foi servido pontualmente às 17h30. Após a saída do monge que nos serviu, a Yuko retornou para nos explicar o que era cada prato e também as adaptações feitas no menu, pois alguns pratos retornavam intocáveis para a cozinha, o que deixava os monges tristes (own). A qualidade, além da quantidade, também nos surpreendeu. Arroz, muito tofu (e que tofu!), legumes, algas, tortinhas e a adaptação ocidental era um avocado com queijo delicioso e o único prato gordinho do menu. Para acompanhar, o habitual chá quente. E, claro, come-se ajoelhado no tatame com os pratos servidos em pequenas bandejas numa mesa baixíssima.

Não esqueça de lavar as mãos antes de entrar no cemitério. Foto: Ola Persson
Não esqueça de lavar as mãos antes de entrar no cemitério. Foto: Ola Persson

Após o jantar, que durou cerca de uma hora, decidimos fazer um dos passeios mais populares de Koyasan: uma visita noturna ao maior cemitério do Japão, o Okunoin, construído em 816. Por lá repousam 200 mil almas, muitas de monges, líderes, mas também de crianças e pessoas comuns e até monumentos construídos por marcas japonesas. A noite estava bem escura e fria, o que, obviamente, colaborava com um clima gótico para o nosso programa. De acordo com a tradição, as almas por ali estão à espera da chegada de Miroku, Buda do Futuro.

O cemitério à noite. Foto: Ola Persson
O cemitério à noite. Foto: Ola Persson

Quando chegamos no fim do cemitério, depois de caminhar cerca de 2km, nos deparamos com o famoso mausoléu de Kobo Daishi, onde afirmam que ele está em meditação eterna (e não morto). A partir dali é proibido fotografar ou mesmo entrar com bebida ou comida. Em frente ao mausoléu, construído no ano 835, fica o Torodo Hall, onde 10.000 lâmpadas iluminam toda a área em torno de um templo há 900 anos. Lá existem também 50 mil mini estátuas, que foram colocadas ali na celebração do aniversário de 1.150 anos de Kobo Daishi. É uma loucura! Há diariamente um passeio noturno guiado para quem quiser entender mais a história do cemitério, mas nós acabamos não fazendo. O nosso passeio durou 1h30 e voltamos ao templo a tempo o nosso primeiro banho num onsen.

No onsen não é permitida a entrada de pessoas tatuadas, a não ser que ela seja muito discreta e passe quase imperceptível. São deixadas duas toalhas na entrada: uma pequena e uma grande. Sem saber exatamente como funciona, eu tirei toda a roupa e larguei-a numa cestinha, pois a única coisa que lembrava das explicações da Yuko, é que fica-se completamente nua. Peguei a toalha pequena sem saber exatamente o que fazer com ela e acabei não fazendo nada. Descobri posteriormente que ela serve como bucha. Entrei na outra sala e vi vários banquinhos, uma pequena bacia de madeira, e fiquei me perguntando o que eu tinha que fazer. Segui o instinto, fui lá, sentei no banquinho, mas larguei a bacia de lado. Tomei o banho e me joguei na banheira, que estava com a água quentíssima. Acabei não dando conta de ficar por lá tanto tempo e saí com aquela sensação de que tinha feito sauna. Depois descobri que fiz tudo “relativamente” certo. É isso mesmo, todo mundo pelado, quietinha lá dentro curtindo a água quente. Pronto!

Dormi um pouco tensa em perder o horário da cerimônia e perdi. Acordei às 6h, enrolei e às 6h28 uma amiga mandou mensagem dizendo que já tinham fechado a porta do templo. Às 7h30 foi servido um café da manhã super “foto de instagram”. Mas aí você, chata de galocha na hora de comer, abre cada potinho e vê o típico café da manhã asiático: missô, arroz, muitos legumes e docinho. Ok, eu não estava preparada para comer arroz e tomar sopa no café, mas encarei e comi até as algas.

Hora de ir embora! Às 9h fiz o check-out obrigatório mais cedo da história da minha vida.

A experiência valeu muito a pena. É um plano de fuga bem especial para lavar um pouquinho a alma e se encantar com um estilo de vida bem distante do nosso.

Como ir

É  necessário chegar em Osaka, de onde saem trens diretamente para Gokurakubashi. Esse trecho da viagem dura cerca de 2 horas. O JR não cobre essa região, então caso tenha o rail pass, ele poderá ser usado até chegar em Osaka. Na estação de onde parte o trem para Koyasan há venda de bilhete por 2.800 yens (US$ 28), que inclui ida e volta de trem, funicular e 24 horas de uso de ônibus na cidade. Vale bastante a pena.

O jeito mais fácil para fazer a reserva num shukubo é via Japanican ou consultar o site oficial da cidade. O valor da hospedagem varia bastante. A nossa foi US$ 100 por pessoa, incluindo jantar e café da manhã.

O que fazer em volta

Dando um rolê na rua principal de Koyasan. Foto: Ola Persson
Dando um rolê na rua principal de Koyasan. Foto: Ola Persson

Koyasan tem apenas uma rua principal cheia de templos, mausoléus, santuários, mas também algumas lojas de souvenir, cafés e alguns poucos restaurantes. A cidade abriga construções que chegam a ter quase 1.000 anos, mas muitos lugares foram reconstruídos, já que a maioria é de madeira e muitos foram destruídos ou queimados várias vezes. Danjo Garan-on foi o primeiro complexo de templos construído por Kobo Daishi. Conta hoje com cerca de 20 templos e construções, incluindo a magnífica (e imperdível) pagoda vermelha Konpon Daito de 45m de altura que, originalmente foi construída antes do ano 1.000, mas reconstruída várias vezes. A última reconstrução foi feita em 1932.

A pagoda vermelha. Foto: Ola Persson
A pagoda vermelha. Foto: Ola Persson

 

Quem quiser mergulhar mais na história de Koyasan, deve visitar o Museu Reihokan, que preserva a religião e os tesouros locais. São 3 exposições, sendo duas temporárias e uma permanente com diversas estátuas, mandalas, ferramentas religiosas, pinturas e um livro que descreve a “Imagem da reclinação do Buda Sakyamuni em seu último dia”. Ali há outro imponente templo, o Byodoin, que fica no Phoenix Hall, construído todo em madeira em 1053.

Os mais animados podem dedicar um dia de trekking numa parte da trilha da Kokechi, rota que faz parte da Kumano Kodo (trilha de caminhada de peregrinos, irmã japonesa do Caminho de Santiago). A caminhada não é recomendada para iniciantes.

Também há na cidade aulas de yoga e meditação feitas em inglês. Os anúncios estão espalhados por toda a cidade.

Quem escreveu

Lalai Persson

Data

19 de October, 2016

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Lalai Persson

Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.

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