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Foi fácil optar por uma moradia em Groningen, cidade no norte da Holanda na qual passei a viver há algumas semanas para cursar o mestrado em jornalismo na Universidade de Groningen. O pequeno município de 200 mil habitantes, capital da província de mesmo nome, se destaca por ser um centro universitário e jovem: segundo dados da prefeitura, 1 em cada 4 habitantes é estudante, e metade da população tem 35 anos ou menos. Nos meses que antecedem o começo do ano letivo, em setembro, uma nova leva de universitários com orçamento limitado sai em busca de casas a preços acessíveis, e isto se traduz em um mercado imobiliário complicado. Embora os alugueis não sejam tão caros quanto os da região do Randstad (Amsterdã, Utrecht, Roterdã, Haia e arredores), há escassez de quartos em função da altíssima procura.
A Universidade me sugeria duas opções. A primeira era um apartamento de 18 metros quadrados em uma residência estudantil, sem banheiro nem cozinha, espartanamente mobiliado – uma cama de solteiro, um armário, uma escrivaninha e uma cadeira – a quatro quilômetros do prédio onde seriam as aulas, por cerca de €400 mensais. Ou um quarto do mesmo tamanho em um hotel voltado para estudantes que começaria a operar em julho, situado a 800 metros do campus central. Mas os diferenciais do empreendimento, chamado The Student Hotel, não eram somente a localização privilegiada e o cheirinho de novo.
A mobília do quarto, embora também minimalista, parecia muito mais confortável, a julgar pelas fotos do site: uma cama king size, uma mesa de trabalho que não tinha cara de ter sido comprada no Extra, um armário com bastante espaço para roupas, calçados e malas, uma estante para livros e objetos, um móvel para a TV, a própria TV com pacote de canais a cabo, e um banheiro privativo. Com a cozinha dividida entre 8 pessoas, a conta fecharia em €665 mensais, aí incluídos internet, luz e aquecimento, mais confortos como academia de ginástica, mesa de ping pong, sala de estudos e uma bicicleta emprestada pelo tempo de duração do contrato.
Criado em Amsterdã em 2012 pelo empreendedor escocês Charlie MacGregor, cuja família começou a construir acomodações de estudantes para a Universidade de Edimburgo nos anos 80, a ideia do The Student Hotel é trazer personalidade aos tradicionalmente estéreis dormitórios universitários. Em um vídeo promocional, MacGregor diz que não gostava “da falta de alma e da falta de design” destes lugares: ”eu gosto de design, de coisas boas, quero estar em um ambiente legal, e talvez meus clientes também. Então vi a oportunidade de começar a partir de uma página em branco.”
Saindo da prancheta, o plano de negócios significou converter imóveis existentes em hotéis com design de ponta, decoração à Williamsburg e conforto cinco estrelas, nos quais os estudantes pudessem morar individualmente nos quartos e socializar na cozinha e nas áreas comuns do lobby. “O lugar para os curiosos e inacabados”, segundo o slogan no site, também recebe hóspedes para estadias curtas ou de alguns meses. Atualmente, são oito unidades espalhadas por sete cidades: seis na Holanda (Roterdã, Haia, Groningen, Eindhoven e dois em Amsterdã), uma em Paris e uma em Barcelona.
Inaugurado na primeira quinzena de julho, o de Groningen foi o único da rede construído do zero. As obras duraram cerca de um ano. O prédio de tijolos à vista e fachada divertida está no Ebbingekwartier, bairro a duas quadras da região central de Groningen que passa por um momento de gentrificação – sim, aqui também tem. Supermercados e farmácias agora dividem a quadra com bares, baladas, coffee shops e zonas industriais meio desertas, cujas paredes estão cobertas por graffiti. Pode-se questionar o processo através do qual uma área passa a ter cara de Brooklyn, mas é inegável a (interessante) vibe urbana que ruas pacatas em uma cidade do interior passam a mostrar.
Para começar, é importante deixar claro que no The Student Hotel, nem o conforto nem a praticidade foram sacrificados em função do design. Quem gosta de explorar hotéis, cafés e restaurantes voltados para os millennials sabe bem como, em boa parte das vezes, aquela linda cadeira de madeira, desenvolvida por um marceneiro super cool, é terrivelmente incômoda depois de alguns minutos; ou como o excesso de concreto à mostra e de tubulações aparentes pode deixar um ambiente duro – e não há bulbo de lâmpada estilo Thomas Edison para aquecer a frieza de uma sala cinza.
O quarto de 18 metros quadrados é pequeno, mas tudo foi pensado para que o conteúdo de uma mudança de três malas grandes caiba apropriadamente. Além do armário dividido em vários nichos, há uma estante em forma retangular presa a um mural na parede. Logo abaixo, uma ripa de metal abrangendo toda a extensão do mural oferece mais espaço para objetos, além de contar com vários ganchos para pendurar sacolas, roupas… Há uma mesa de estudos com luminária, uma cadeira e uma cama king size muito confortável, exatamente como o esperado para um hotel. O banheiro é correto e funcional.
Antes de mudar, pedi que fosse alocado em um andar alto e com uma vista boa da cidade, conforme mostram as fotos do site. Moro agora no sétimo andar, e através da janela tenho uma visão panorâmica do centro de Groningen. Quando olho para a rua, vejo à direita a Martinikerk (igreja principal), à esquerda um neon do McDonald’s e, entre ambos, casas e prédios tipicamente holandeses, que lembram aqueles brinquedos de bloquinhos de madeira para criança. De tempos em tempos, é possível ouvir o badalar dos sinos, momento no qual me sinto em um cenário de filme de Natal.
Divido a cozinha com mais oito pessoas. Equipada com duas pias, dois microondas, dois fornos elétricos, três cooktops e uma lava-louças, nunca falta lugar para preparar a comida e arrumar tudo em seguida. Além disso, cada um dos moradores têm estantes exclusivas na geladeira, no freezer e no armário. Mas sempre há farelo de comida na mesa porque alguém não passou uma ‘feiticeira’ antes de você chegar, e quase ninguém respeita a separação do lixo em reciclável e perecível – as latas cheias ficam ali por dias a fio esperando para serem carregadas até os contêineres nos fundos do prédio, onde serão recolhidas pela prefeitura. A regra que estipula que cada morador é responsável pela própria limpeza é bonita em tese, mas na prática gostaria de uma cozinha mais limpa, já que o hotel faz faxina apenas uma vez por semana.
Outro ponto negativo é o fato de haver um único elevador para 194 quartos. Demora para chegar, está geralmente cheio e quem entrou no primeiro andar querendo descer para o lobby está dando risada quando a porta abre no quarto, no quinto, no sexto, no sétimo, no oitavo e no nono para atender aos chamados. O elevador só abre as portas nos andares quando está subindo, não descendo, então você é obrigado a entrar se não quiser esperar mais. Há uma outra torre de apartamentos – ambas fazem parte da mesma edificação -, na qual acredito que o problema se repita.
Como Groningen é uma cidade na qual mais da metade dos deslocamentos internos são feitos pedalando, o valor do aluguel inclui o acesso à uma bicicleta. O The Student Hotel empresta a magrela pelo tempo da sua estadia, e você a devolve na hora de fazer o check out. No entanto, ainda não tirei a minha da garagem, porque a cidade é pequena a ponto de eu conseguir resolver a vida em um raio de quatro quilômetros, então prefiro caminhar para todos os lugares.
O diferencial de viver no The Student Hotel, segundo o fundador da rede, é poder encontrar e conversar com gente de vários países, sejam hóspedes temporários ou moradores – uma mistura saudável, como se você estivesse na rua ou em um café. Há amplas áreas comuns para socialização: seis salas de estar com poltronas, sofás e mesas de centro, bancadas com tomadas de computador para estudo, uma biblioteca, uma sala de jogos com mesas de ping pong e de pebolim, além de um bar-restaurante aberto ao público geral.
É muito fácil sair do casulo, sobretudo se considerarmos que quem se hospeda em um lugar como este está pré-disposto a conversar com estranhos. Para complementar, o hotel inventou duas maneiras de estimular ainda mais a interação: uma agenda de festas e eventos (palestras, passeios de bicicleta, noitadas) e uma rede social própria para os moradores, onde você pode ver se algum grupo está planejando um drink e juntar-se a eles.
Moradores têm desconto de 20% no bar e restaurante Dive, que abre com um buffet de café da manhã a €12 e só fecha por volta de meia-noite, com horário estendido nos fins-de-semana. Há um hambúrguer excelente, pizza e batatas fritas apenas ok e boas cervejas artesanais. O ambiente se estende para a calçada, com cadeiras de praia para pegar sol e mesas para jantar. O gerente me contou que está conversando com a prefeitura para que dois parklets sejam instalados em frente, removendo as vagas de carro e ampliando o espaço para convivência. Dá para notar pela frequência que o Dive é uma boa adição à cena de restaurantes da cidade.
É comum que eu receba olhares de “nossa, como você paga caro” ao responder à pergunta “você já tem quarto?”, mas depois de conhecer apartamentos com cara de repúblicas – muito bagunçadas, diga-se – que não saem por menos de €400 por mês e exigem que o candidato ao quarto passe pelo crivo dos outros moradores da casa, concluí que o preço do The Student Hotel pode não ser acessível, mas é razoável, considerando o que oferece. Sim, a lavanderia poderia ser de graça (€4,50 para cada 5 quilos de roupa) e a academia de ginástica se beneficiaria de mais alguns equipamentos. Mas, honestamente, estes são pormenores no hotel que entrega o que promete: um lugar calmo e confortável para estudar, com espaço para socializar em uma partida de ping-pong ou simplesmente relaxar, estendendo as pernas no sofá.
João Perassolo é jornalista. Recentemente, trocou São Paulo por uma pequena cidade no norte da Holanda de nome complicado de pronunciar: Groningen, na qual o primeiro “g" se lê como os dois erres em “carro”. Sempre trabalhou com cultura, mas resolveu cursar um mestrado em Jornalismo para ver se aprende sobre o lado sério da profissão.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.