Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
A cada viagem que faço eu deixo um medo para trás. Navegando 8 dias pelo Rio Negro eu deixei vários.
Poucas viagens viraram minha cabeça de ponta pra baixo. Essa foi uma delas. Embrenhar pela selva Amazônica nunca esteve no meu imaginário. Até pouco tempo atrás minhas viagens favoritas eram as urbanas. Aos poucos isso começou a mudar e hoje gosto de buscar experiências que fazem eu sair do meu lugar comum. Estar próxima da natureza de uma forma intensa como estive nesta última semana é algo que eu gosto cada vez mais.
Não tinha planos de viajar ainda este ano, não numa viagem tão longa como esta. Às vezes gosto de acreditar que a energia que estamos precisando e/ou buscando nos atrai. É meio hippie, mas gosto de pensar assim. O convite não veio para mim, mas acabou no meu colo porque todos estavam impossibilitados de se ausentarem por 9 dias, inclusive eu. Não resisti em aceitar o convite e me joguei nele de cabeça.
De repente a viagem que sequer cogitei em fazer começou a ocupar meus pensamentos. Criei uma expectativa tão alta que mergulhei numa ansiedade extrema e temi me desapontar. É impossível! Por mais alta que tenha sido a expectativa, ela só não foi atendida como foi superada.
Parece deslumbre, mas é disso que se trata mesmo. Voltei deslumbrada, mais aberta, mais corajosa, mais risonha, mais calma, mais feliz. Ouso dizer que mais equilibrada. E sim, eu estava precisando deste ajuste no meu eixo.
Cheguei em Manaus numa sexta-feira às 23h20 e o termômetro marcava 32ºC. Cheguei passando mal. Preferi associar o mal estar ao calor, mas não, o mal estar era causado pela minha ansiedade. Outra expectativa que viajou comigo foi querer saber como é estar 8 dias completamente offline. Foi libertador. O celular serviu apenas como câmera fotográfica. As perguntas sem respostas foram anotadas para uma consulta posterior. Eu já não sabia mais o que era conversar sem ter um google atrelado e ficar sem saber o que estava acontecendo no mundo. O São Paulo ganhou do Palmeiras? A Dilma sofreu impeachment? Já temos CPMF aprovada? Está chovendo em São Paulo? Foi uma redescoberta não ter respostas à mão. E relaxamos.
No sábado pela manhã um motorista nos levou de Manaus para Novo Airão, onde nossa embarcação nos esperava. Foram 2h30 até chegar lá num dia ensolarado e quente, muito quente. Fomos direto para o restaurante onde almoçaríamos antes de seguir viagem. A ansiedade parecia ser comum ao grupo todo. Rapidamente todos já se conheciam, riam, tiravam fotos juntos e publicavam as últimas imagens no instagram antes de se desconectar de vez.
O almoço foi numa mesa grande reunindo a “família” toda que seríamos por uma semana. Por ali já começávamos a nossa imersão na culinária amazônica com um peixe tambaqui de banda assado na grelha de lamber os beiços. Cervejinha gelada e caipirinhas com frutas típicas da região acompanhavam o menu.
A maior benção que se pode ter numa embarcação pequena onde irá ficar dias a fio é as pessoas se identificarem entre elas. Essa benção nós tivemos, mas sequer sabíamos disso.
Eu tenho poucas viagens como esta no currículo, o que fez eu temer como seria minha reação em ter apenas banho frio, energia racionada durante o dia, dormir no meio do mato a céu aberto, andar entre bichos, nadar num rio com alta probabilidade de ter jacarés abaixo dos meus pés, comer coisas que eu não sabia quais eram, acordar diariamente antes das 7h e às 22h muitas vezes já estar na cama, conviver num pequeno espaço com um grupo que eu não conhecia, andar num barquinho pequeno no meio da noite e da escuridão nos igarapés para ver os jacarés de pertinho, dormir com aranhas caranguejeiras se rastejando ao meu lado.
Nunca fui a pessoa mais aventureira do planeta. Sempre preferi o conforto ao risco. A Amazônia é um mundo a parte onde o silêncio reina absoluto, as estrelas brilham mais, a lua e o sol estão mais perto. É a sensação de ser um mero pontinho no universo em um mundo que parece intocável (mesmo não sendo) e de chorar de tão belo. Não vi tantos animais como imaginei que veria, mas vi o suficiente para me alegrar. Não tive tanto medo de me jogar no rio como achei que fosse ter, mas tive meus momentos perrengues ao ser levada pela correnteza e ter que ser rebocada de volta ao barco. Ganhei mordida de aranha caranguejeira e de uma vespa, mas elas me libertaram de um medo insano de insetos.
Tive todo o tempo do mundo para não fazer nada, para respirar fundo aquele cheiro bom do mato, para tirar uma cochilada em qualquer horário do dia, para pensar ou simplesmente não pensar, em ler meu livro tendo apenas a natureza como distração, de deitar na escuridão e ver chuva de estrelas cadentes, para fotografar a lua sem pressa com o medo dela se esconder atrás de algum prédio, assistir ao eclipse boquiaberta do começo ao fim. Conversamos por horas a fio em que a única coisa em que olhávamos eram os olhos do outro. Ouvimos histórias como ouvíamos quando criança com olhos curiosos e ouvidos atentos.
Visitamos comunidades ribeirinhas onde a realidade é muito distante da nossa. E não é melhor ou pior, é apenas diferente, bem diferente. Conheci pessoas com sonhos tão grandiosos e generosos como salvar o mundo, mesmo que ele seja pequeno. Ouvi crianças contarem seus sonhos simples como um menino no meio da sala de aula que quando perguntaram para ele o que ele quer ser quando crescer, ele respondeu “faxineiro”. Assisti a uma peça infantil no meio da mata feita para nós por crianças que sabiam que iríamos visita-las. E depois corremos com elas, jogamos bola e nadamos juntas no rio. Ganhamos desenhos, abraços e até lágrimas quando nos despedimos.
Conheci três sistemas educacionais diferentes e soube da luta que é manter as escolas em pé, do descaso do governo e a falta de comprometimento das prefeituras locais.
Vi de perto também a luta pela preservação de uma espécie quase rara de tartarugas, a tartaruga-da-Amazônia, da família dos quelônios, que levam entre 10 e 12 meses de gestação e tem apenas uma tartaruga por gravidez. São 4 espécies que colocam os ovos na praias, por isso, sofrem ameaças. Hoje elas são contrabandeadas em mercados negros e desaparecem a cada ano.
Mais legal do que apenas viajar pela Amazônia, que é tão imensa, é se embrenhar na cultura dela. É conversar com as pessoas, visitar a casa delas, assistir aula com as crianças e contar um pouco sobre você para elas.
Foram 8 dias calmos e intensos ao mesmo tempo. Foram 8 dias olhando para o espelho e se perguntando “mas e aí, o que você está fazendo de bom para o mundo?”. E volto como sempre voltamos de viagens incríveis: renovada, feliz, mais gordinha (afinal comi bem o tempo todo), com lembranças emocionadas, novas amizades que vou gostar de manter e expectativa pela minha próxima aventura.
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Este é o primeiro post da série “Amazônia”. Na próxima semana publicaremos o guia completo da viagem detalhando cada dia da viagem, da chegada à Manaus à partida de Novo Airão. Fiz a viagem à convite do Ruy Tone, junto com a Katerre, operadora especializada em expedições no Amazonas pelo Rio Negro. A viagem foi Jauaperi – Xixuau passando por Novo Airão, Anavilhanas e Parque Nacional do Jaú durante 8 dias de navegação pelos rios Negro e Jauaperi. A próxima embarcação sairá no dia 21 de Novembro.
Todas as fotos desse post foram tiradas por mim @lalai
Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.
Ver todos os postsolá, adorei o relato e estou planejando uma viagem para amazônia em breve. estou tentando contato com a katerre, sem sucesso. se tiver algum novo telefone ou e-mail, agradeço? ou outra empresa que ajude na preparação. obrigado! :)
Oi Diogo, que bom que curtiu. Tenta falar com a Paula e diga que eu passei o contato [email protected] – caso não role, me avisa :)
Viagem de natureza é muito libertador. Quanto menos levo na bagagem ou tenho disponível na cidade, percebo que menos preciso das coisas. Tudo o que importa é a tranquilidade, a vitalidade e a curiosidade que sinto naquele momento.
Metade das pessoas que moram aqui não conhecem esse lado. Muito legal seu trabalho. Tô ansioso pra ver a continuação dos detalhes da viagem :)
opa, que otimo! feliz que você gostou…. na semana que vem o guia sai :)
Lalai, sou do Amazonas e gostaria de saber mais sobre a preservação desta tartaruga que vc citou… qual o nome dela?
Com relação às tartarugas, a espécie que está em extinção é a tartaruga-da-Amazônia, da família dos quelônios. A família dos quelônios tem 16 espécies, das quais, 4 colocam ovos nas praias (iaça, irapuca, tracajá e tartaruga), que são as que sofrem ameaça de desaparecerem.
nao li tudo, mas as fotos já me deram vontade de ir lá ;))) <3
vai mesmo, é lindo de chorar
oxalá ;)))
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.