Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Aos 5 anos de idade, entrei no avião da falecida Varig, que saía de Fortaleza rumo à Brasília, vestida na melhor roupa que tinha guardada na gaveta da cômoda. A única coisa que conseguiu chamar minha atenção durante a viagem inteira foi a maletinha de plástico rígido que continha os mini talheres inox com o nome da empresa gravado. No começo dos anos 80, ir para o aeroporto era um evento social, viajar então… algo extremamente exclusivo.
Só tive o gostinho de voar novamente aos 17 anos e até dez anos de idade só viajava de ônibus ou carro pelo interior do estado do Ceará, onde cresci. Nessas viagens, nós nos hospedávamos em casas de familiares e foi assim que conheci cidades como a charmosa Boa Viagem, o Crato e outras cidades da redondeza com clima mais brando por estarem no pé da serra e Santana do Acaraú, que fica mesmo no meio do nada, lá onde o sol nunca faz greve. Algo curioso que acontecia comigo nessa época era que as poucas vezes que fomos deixar algum parente no antigo aeroporto de Fortaleza, na hora que a pessoa ia embarcar, eu chorava rios. E os familiares que partiam ficavam encantados. O que ninguém sabia é que eu não chorava por quem partia e sim por quem que ficava: eu, no caso. Pouco me importava quem ia e para onde, tudo que eu queria era ir junto.
Aos 18, com a maior idade eu fui aprendendo os caminhos e também a fazer economias, de maneira que os passinhos foram se alargando. Comecei a trabalhar com música/eventos e isso facilitou conhecer outras cidades como Natal, João Pessoa, Recife, Salvador, Rio, São Paulo, Goiânia, etc. Viajar a trabalho é uma categoria diferente mas essas viagens plantaram no meu espírito a necessidade de conhecer o mundo que havia lá fora, um mundo falado em outros idiomas, sentido em outros climas e que mostrava outras paisagens. A palavra turismo passou então a aparecer com mais frequência nas minhas conversas e leituras… Conhecer monumentos, lugares famosos, ver obras de arte assim de perto, olhar, poder conferir se era assim mesmo como diziam, fotografar e mandar cartões postais… Eu também queria ser turista.
Aos 21 anos, deixei o Brasil (pré-internet) em busca do sonho. E tudo fez tanto sentido que seis meses após ter pisado no solo holandês pela primeira vez, eu voltava “de mala e cuia” para Amsterdã. E morando na Holanda, que fica perto de vários outros países, comecei a fazer uso dessa comodidade para conhecer a Alemanha, Bélgica, França, Portugal, países que até perdi a conta de quantas vezes visitei logo nos primeiros cinco anos de imigração. Também passei por Itália, Turquia, Suíça e Noruega, nos anos seguintes.
Nessas idas e vindas, descobri que ser turista abrangia escolher um destino, planejar o que fazer e onde comer, pesquisar hotéis mais baratos e calcular distâncias. Apesar de ter vivido experiências que adicionaram bastante valor à minha bagagem (como ver uma múmia pela primeira vez no Louvre, ou navegar pelo Estreito de Bósforo ou colocar o pé na arena do Coliseu) ser turista a longo prazo não fazia de mim alguém mais feliz. E comecei a perceber que como turista você consome, usa, vira a página e até descarta. Como turista você não tem responsabilidades, sua ótica é sempre sob a de alguém que pagou e deseja usufruir e isso não é ruim de todo, mas viajar vai além.
Depois de 14 anos fora do Brasil, também descobri que existem viagens e viagens. E é possível que algumas tenham um impacto tão grande na nossa vida que a partir delas, se inicia uma transformação profunda nos nossos conceitos e pré-conceitos. Algumas pessoas são mais sensíveis que outras e não existe certo nem errado em um processo de evolução pessoal, cada um tem seu tempo. Nos afetamos de maneira diferente; uns pela fauna ou flora, outros pelo anonimato possível nas grandes cidades, outros se encaixam perfeitamente na doçura das vilas e outros pela combinação disso tudo. Quando uma viagem nos afeta, quer dizer que fomos obrigados a sair casulo do turista para voar a liberdade do viajante, um forma cujo estado de inércia só dura até a próxima partida.
Investigando um pouco o passado, algumas viagens me transformaram e nelas está a visita que fiz à região central da Tailândia onde encontrei o olhar mais triste do mundo; o de um elefante acorrentado. Está também a visita à Tóquio no Japão e o caos infinitamente limpo das ruas e tudo aquilo que tive que aprender e que era tão diferente de mim. Está a vida aquática destruída de Creta na Grécia onde nenhum coral sobreviveu à pesca por bombardeio marinho (feita com dinamite). Está a ilha de Boracay com 95% dos turistas que usufruem da areia branca e água cristalina sem saber da existência das crianças aborígenes que morrem por falta de um simples medicamento para febre. Está São Miguel nos Açores, uma ilha onde a natureza se impõe de tal maneira que só de pensar me emociono. E as tantas idas ao Douro em Portugal, onde perco as palavras com tanta beleza e também no meio das dunas de Jericoacoara no Brasil, onde armo a rede sempre que preciso de colo.
Mas nem todas as experiências na trilha do viajante são planas. Ser viajante (entre tantas outras coisas que ainda ei de aprender) é observar o caminho por todos os ângulos, é aceitar mesmo que doa sem se desviar do que desagrada. É também assimilar, fazer parte. É deixar a câmera de lado uma vez ou outra (ou talvez nem levar), pois nem tudo está para ser fotografado. Ser viajante é absorver. É usufruir mais do que consumir. É deixar um rastro positivo e não lixo. É ficar disponível. Conhecer outros viajantes, seja no avião, no trem, na cidade, no campo, ficar amigo do amigo… É não ter medo do planeta em que se vive, fazer parte dele e zelar por ele. E de repente perceber a vida como um ciclo eterno de chegadas e partidas.
E você, em que parte do processo se encontra?
Imagem destacada – P. Dieb (Observatório de Baleias, 2015, Ilha de São Miguel – Açores/PT)
A Priscilla escolheu como mantra a frase de Amyr Klink: "Pior que não terminar uma viagem é nunca partir". Adora mapas e detesta malas. Não perde uma promoção ou um código de desconto e coleciona cartões de fidelidade. Nas horas vagas é diretora de arte, produtora de festas, dj e coletora de lixo nas ruas de Amsterdã. Escreve aqui e no www.almostlocals.com
Ver todos os postsLindo texto, Priscilla! Identifiquei-me do início ao fim, ainda mais por sermos “colegas” neste setor tão rico e cheio de ótimos registros do que foi vivido, experimentado… percorrido! Que possamos percorrer muito mais deste vasto mundo, sem perder o olhar curioso, questionador e, acima de tudo, que absorve e incorpora tudo o que vê! Um grande abraço e parabéns!
Que gostoso saber que não estamos sozinhos nas nossas opiniões!
Eu acho que a transição turista-viajante depende muito da companhia. Boa parte das minhas viagens fizeram de mim turista, enquanto outras me permitiram ser viajante, explorador. Por enquanto, sou apenas um local, sem grana e condições psicológicas de viajar (nunca tenho vontade de voltar, numa dessas é bem possível que eu suma), mas quem sabe com o melhorar das coisas eu consiga em breve ser turista, viajante ou qualquer outro tipo de outsider que busca vivências e experiências, seja onde for – até mesmo na cidade em que atualmente vivo.
Yes! Ser turista na própria cidade é muito bom :)
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.