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Desde 2009, quando comecei a treinar para uma expedição que faria de bicicleta pelo Caminho de Santiago, minha vida mudou radicalmente. E em vários sentidos. Além de ter sido uma viagem divisora de águas (papo para outro post), a rotina intensa de treinamentos de corrida e bicicleta transformou minha relação o Rio de Janeiro de um jeito quase que visceral. Explico. Com a necessidade de percorrer longas distâncias em terrenos íngremes, passei a conhecer e explorar lugares da cidade que não frequentava no meu cotidiano por pura falta de iniciativa. Assumo. E a cada curva das Paineiras, a cada fresta que se abria entre as árvores da Floresta da Tijuca, a cada reflexo do nascer do sol no mar, me apaixonava mais e mais pelo Rio. E de um jeito diferente. Os atletas de aventura, alpinistas e os mountain bikers cariocas que lêem esta matéria sabem bem do que estou falando.
Vontade de desbravar a cidade não faltava, pois sempre achei esta a mais incrível do mundo. Aos 16, quando minha mãe se mudou pra Brasília, fiquei. Aos 17, quando me formei por um colégio da Califórnia, voltei. Aos 31, quando passei para uma etapa extra do mestrado em Paris, preferi voltar novamente. E cá estou eu, ainda numa espécie de obsessão estética com o Rio que me levou a completar quatro anos neste projeto fotográfico que chamei de “Simplesmente Rio”. E tudo começou mais ou menos assim…
O despertar aconteceu numa terça-feira comum quando madruguei e peguei minha bike para um treino de 22km até a Vista Chinesa. A diferença foi o assessório pesado que até então não levava comigo: minha câmera. Enquanto uns amigos davam upgrade nas bikes trocando as rebinbocas das parafusetas por peças de titânio para torná-las mais leves grama por grama, lá estava eu com câmera e objetiva somando mais de 2kg morro acima. Um sacrilégio para atletas de alta performance. Uma oportunidade para fotógrafos curiosos.
Despretensiosamente, comecei a fotografar aquele good old Rio de sempre. Só que de jeitos, ângulos, distâncias, texturas, nuances, momentos distintos. Mal sabia eu que a saga só começava. Subi a Pedra da Gávea e vi coisas lindas. Foi na Pedra Bonita que resolvi levar a coisa a fundo. Do alto, testemunhei uma tempestade pesada se aproximando das Ilhas Cagarras (foto acima). E epifania veio ali. Me perguntei: quantas pessoas têm a chance de ver o Rio assim? Na real, qualquer um pode. Mas poucos – estatisticamente – se pré-dispõem a isso. E a partir dali vi que poderia levar minha ideia mais longe.
Além das montanhas da cidade, que tal enxergar a cidade também do alto de seus monumentos e revelar ao mundo este olhar? A brincadeira séria tinha se tornado mais que um projeto fotográfico, mas uma ambição pessoal. Pensei que estivesse enlouquecendo de leve. Talvez um suspiro do meu inconsciente do antigo sonho de voar. Minha obsessão passou a ser acessar lugares que proporcionassem vistas incríveis do Rio e que pouquíssimas pessoas teriam acesso. Para então, fazer meus registros e compartilhá-las com os outros, revelando uma graça semi-oculta desta que é uma das cidades mais (re-re-re) fotografadas do mundo.
Um dia estava na praia, num fim de semana de verão, lagarteando como tantos outros ratos como eu. Ouvi o barulho de um motor que levou meu olhar naquela direção. Era um daqueles aviõezinhos que arrastam faixas publicitárias pela orla. Enquanto a máquina cruzava o céu num ritual já banalizado, minha doideira me fez imaginar quantos poucos pilotos privilegiados tinham o privilégio que fazer aquela rota tão exclusiva e solitária. Uns 10 no Rio, talvez? E me desafiei. Queria ver o Rio daquele jeito também. Meses depois, mais um registro para o trabalho (foto acima).
Foi mais ou menos nesta dinâmica que comecei a registar o Rio do meu próprio jeito. Sem pressa e atravessando estações. Ao longo dos últimos quatro anos, busquei pontos que fugissem do óbvio. Pelo menos pra mim, claro. Naveguei pela Baía de Guanabara, subi em coberturas de prédios, voei e subi em monumentos históricos como o Palácio Tiradentes e a Catedral Metropolitana do Rio. O que dizer dos dias em que subi na passarela dos holofotes do Maracanã e na cabeça da estátua do Cristo Redentor? De lá pude ver com meus próprios olhos o Rio que “Ele” veria se enxergasse. Inesquecíveis momentos com visões documentadas em frações de segundo nesta imagem abaixo.
Depois de tanto suar, tremer nas bases, subir e descer, receber muitos “nãos” e alguns valiosos “sins” (num projeto como este, a necessidade de autorizações e a burocracia são partes do processo), chego neste ano em que comemoramos os 450 anos do Rio com a oportunidade de mostrar aos cariocas parte deste trabalho em grande estilo. De 11 de junho a 02 de agosto, a mostra “Simplesmente Rio” integra FotoRio 2015 com nove obras selecionadas pelo curador Jaime Portas Vilaseca, no centro Cultural Justiça Federal. E, depois, que a série completa vire um livro.
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Esse texto foi originalmente publicado pelo Rafael Duarte, da NOO, parceiro de conteúdo do Chicken or Pasta
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