Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Que Lisboa é linda e rica de tudo, todo mundo já sabe… E é totalmente desnecessário eu ser mais uma aqui enchendo o texto de declarações de amor aos miradouros, bares, restaurantes, festivais e praias incríveis. Além de toda a beleza natural, herança histórica e patrimonial, existe a herança sonora e músical.
Apesar de Lisboa ser mundialmente conhecida pelo fado, já faz um tempo que outros ritmos invadiram a cidade, que hoje vive um boom turístico e um momento de efervescência musical super contagiante para qualquer nacionalidade que passe pela cidade. E dentro de um rótulo tão abrangente que é a música eletrônica, há uma entrelinha heterodoxa adicionada pela herança musical trazida não só na bagagem dos imigrantes africanos e das famílias emigrantes portuguesas que retornaram de Angola (pós-guerra), como também imbutida no DNA de seus filhos.
Tenho tido a sorte de ir à Lisboa com uma certa frequência e em uma das minhas passagens pela cidade, essa no verão de 2015, foi mais intensa; respirei um ar diferente durante duas semanas e fui transportada para uma espécie de mundo paralelo, cercada por uma quantidade enorme de djs, produtores, festas, afters e jantaradas, onde o tema central quase sempre era a música. A crise econômica passou por Lisboa mas parece não ter conseguido fincar a bandeira da depressão no terreno festeiro da cidade. Pelo contrário, motivou os artistas locais a produzirem mais e melhor. Algo previsível, já que conflitos e dilemas da alma são o melhor playground para a arte se manifestar.
Seria difícil (se não impossível) mapear todos os envolvidos nesse momento musical que a cidade atravessa, de maneira que resolvi falar dos artistas e projetos que tive a oportunidade de conhecer ou investigar, e dos que exercem um impacto significativo na cena local ou internacional. Tenho aqui um aaarghh enorme entalado na garganta por resumir em um texto tantos detalhes, emoções e experiências que podem ser vividas na capital lusa durante o verão.
Com bastante frequência acontecem festinhas deliciosas e itinerantes que ocupam terraços, espaços públicos, pistas de inferninhos e endereços “surpresa” quase sempre divulgados apenas na hora. A Bloop é um coletivo de djs que adora inovar na escolha dos lugares (e também é loja de disco). A FOMO, que começou na sala da casa da portuguesa Ana e do francês Sasha ainda em Londres, e hoje tem bandeira fincada em Lisboa e mantém o foco na curadoria musical. Fuse, Orpheu, Flow, Music@ll e Salão Eléctrico também são festas super curtidas que garatem música ótima, garantindo vibe e ambiente ótimos para um público super pitoresco.
Os clubes que oferecem programação semanal combinando o melhor da cena local e internacional são: Lux, Incógnito, Music Box e Europa. No programa desses clubes e das festas itinerantes procure por nomes como Heartbreakerz, Ramboiage, Cotrim, Twofold, Mary B, Magazino, Cruz, Rui Vargas e Dj Vibe.
Na linha de frente dos produtores portugueses mais comentados nacional e internacionalmente estão: Moullinex, nascido em Viseu e hoje radicado em Munique, de onde compõe “melodias com bastante interferência humana no processo mecânico, repletas de teclados melodramáticos e despretensiosos, guitarras desesperadas e um baixo inconfundível”. Moullinex é o autor de hits deliciosos como “Take my pain away“ e da versão mais linda que “She’s a Maniac” algum dia poderia ter (com Peaches no vocal). O homem não para e tem uma lista super extensa de remixes e colaborações.
Ao lado do dj e produtor português Xinobi, autor de Real is Fake, que também tem crescido bastante e ganhado muita atenção do público e mídia especializada (como resultado da produção de faixas incríveis); Moullinex toma as decisões de quem fica e quem passa pelo selo Discotexas, fundado pelos dois.
escute aqui o nosso playlist Discotexas:
O Buraka Som Sistema dispensa apresentações por tamanha exposição nacional e internacional, mas ainda assim vale mencionar que foi um grupo muito importante para que ritmos como Kuduro fossem revisitados e tocados amplamente nos clubes e festivais do mundo inteiro. Hoje o produtor Dj Branko segue “viagem” solo com seu primeiro disco Atlas Unfolded, resultado de uma pesquisa musical pelas cidades por onde passou recrutando colaborações musicais (inclusive São Paulo). Branko é o cara por trás – e pela frente – do selo Enchufada, fundado em 2004 com Kalaf Ângelo, também integrante do Buraka Som Sistema.
escute aqui o nosso playlist Enchufada:
Adicionando um valor enorme ao time de djs e produtores está o Pedro Coquenão, com o projeto Batida, que começou como programa de rádio em 2007 e hoje percorre o circuito de festivais mais legais Europa afora, deixando uma assinatura diferente que usa e abusa de afro-samples originais e misturas que resultaram em faixas como “Quem me rusgou” e “Rico e Pobre”.
Difícil resumir a Príncipe Discos em um parágrafo. Não posso, nem quero, pois é de lá que vem a música que mudou o ritmo do meu coração.
Que é nos bairros populares, enquanto o suor pinga, que nascem os ritmos novos e genuínos, todo mundo sabe. Mas o incrível é que, em pleno ano de 2015 onde tudo já foi feito-refeito-imitado-copiado, ainda é possível que sejamos surpreendidos com algo autêntico. Esse som que está sendo exportado para dentro e fora da Europa como a nova música de Portugal, vem da visão de Pedro Gomes, Nelson Gomes, José Moura e Márcio Matos, que resultou no selo Príncipe Discos, também plataforma para artistas donos de um talento incrível e com uma capacidade infinita de fazer a sua arte com poucos recursos. E que depois de adquirirem os recursos necessários para se aprimorarem, conseguem se manter autênticos e verdadeiros apesar da pouca idade da maioria.
A Príncipe Discos está sediada em Lisboa e consegue conectar coletivos e artistas, lançando as suas produções essencialmente em vinil. Entre eles estão, Tia Maria Produções, Casa da Mãe producões, Black$ea Não Maya. Ao estabelecer essa conexão musical entre crews, a Príncipe automaticamente se torna um pilar importante na formação de toda uma subcultura que reflete e promove uma abertura pacífica para a mistura de públicos através do ato de celebrar. “Uma das nossas demonstrações mais visíveis é a festa mensal no MusicBox, na qual todas as barreiras foram destruídas. Clubbers da antiga classe média, jovens e nem tão jovens assim, e pessoas de outros bairros agora estão dançando juntas, como deveria ser”, disse José Moura em entrevista à Thumb.
Eventos como o Zona Não Vigiada na Casa Conveniente estabeleceram o início de uma fase onde a integração desse público também possa ser feita de fora para dentro, ou seja, do centro para os subúrbios.
escute aqui o nosso playlist Príncipe:
Depois do lançamento de aproximadamente 1o títulos em vinil com o carimbo da Príncipe, de autoridades musicais já estabalecidas como Dj Marfox, NiggA Fox, Niagara, Nidia Minaj, Dj Firmeza e inúmeras apresentações destes artistas fora de Portugal, um grau significativo de interesse despertou por parte do público e da mídia internacional. Todos querem saber o que o “Príncipe” vai para mostrar ao mundo e a resposta até agora tem sido sempre a mesma: identidade.
Essa batida que nasce das ruas de Lisboa, no quarto dos fundos, nos estúdios improvisados ou na sala da casa de quem nasceu e cresceu nos “bairros” problemáticos da cidade, representa de maneira singular e extremamente autoral uma sonoridade eletrônica portuguesa atual e que hoje é responsável por muitos dos olhares dedicados à cena musical local.
As lojas mais legais para comprar e ouvir música eletrônica são: Carpet and Snares(Chiado), Bloop (Santos) e Flur (Santa Apolônia). Quem curte Jazz, Funk, Soul e Rock, vai se esbaldar com todas estas: Sound Club Vinyl (Chiado), Louie Louie (Chiado), Carbono (Baixa) e Discoleção (Rossio). Todas com preços realistas e um verdadeiro paraíso para quem curte vinil.
E programas de rádio bem legais: o Trapézio Voador da Dj Mary B, todos os sábados das 22h00 às 23h00 na Rádio Oxigênio. Purpurina apresentado por Rui Estêvão todos os sábados às 17h00, com repetição às 15h00 de domingo; e o programa Batida, que deu nome e vida ao projeto (Batida) do Pedro Coquenão, ainda apresentado pelo próprio e vai ao ar todos os sábados das 19h00 às 21h00 na Radio Fazuma da Antena 3. Quer aprender a mexer como (e com) a Blaya (Buraka Som Sistema)? Se joga no Pack Bundas: aulas com a própria e sempre ao som de playlists incríveis.
A sensação que trouxe foi a de que, uma boa parte dos portugueses precisa ouvir do estrangeiro que existe algo extraordinário acontecendo no quintal (ou jardim) de casa para ter despertado o interesse em um ritmo que, queiram ou não, já é nacional. A música portuguesa afro-eletrônica é uma realidade, um fenômeno parecido com o “nosso” Funk Brasil. Talvez, quando for assimilado e fizer sentido apreciar, já não será possível usufruir de maneira íntima, exclusiva e até underground, o talento destes artistas pois o público internacional já o terá feito e explorado. As batidas e um pedacinho do coração deixei ficar de propósito em Portugal, para sempre ter a desculpa de voltar; se não for pela música, pode sempre ser pela paisagem.
* A realização deste artigo não teria sido possível sem a colaboração de: TravellingwithTania.com, Suzy Rodrigues, Cruz e Dj Ramboiage.
**Imagem destacada – Shutterstock / AnaMarques
A Priscilla escolheu como mantra a frase de Amyr Klink: "Pior que não terminar uma viagem é nunca partir". Adora mapas e detesta malas. Não perde uma promoção ou um código de desconto e coleciona cartões de fidelidade. Nas horas vagas é diretora de arte, produtora de festas, dj e coletora de lixo nas ruas de Amsterdã. Escreve aqui e no www.almostlocals.com
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.