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Amazônia de barco, como tudo começou

Quem escreveu

Rachel Sterman

Data

11 de May, 2015

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Desde que voltei da Amazônia, meses atrás, estou pensando em um jeito de dividir essa experiência com outras pessoas. É difícil descrever um lugar onde o tempo é outro. Mais difícil ainda é contar o que é aquela natureza toda sem isso soar como o mais absoluto clichê. Especialmente quando se trata de Brasil, esse lugar onde a natureza transborda. Inauguro com muito orgulho (e um pouco de medo, confesso) minha contribuição no Chicken or Pasta com uma série sobre os 32 dias que passei rodeada pela imponência dos rios Amazonas, Tapajós e Negro e pela força surreal da Floresta Amazônica. Sejam bem-vindos!

A embarcação Nélio Corrêa e o começo das 72 horas em pisar em terra firme. Crédito: Renata Helena Rodrigues
A embarcação vizinha: um dos poucos contatos com o mundo “real” por 72 horas. Crédito: Renata Helena Rodrigues

A saga começa em julho de 2014, em pleno verão amazônico – calor insolente e chuvas torrenciais, com hora marcada – em Belém do Pará. Eu e minha parceira de viagem avaliávamos a melhor maneira de ir até Alter do Chão, um paraíso encravado no coração da Amazônia. Até dois anos atrás, Alter não era exatamente um destino que eu ouvia falar: de repente, virou um fenômeno entre amigos, mas isso é assunto para outro post. O fato é que Alter é um distrito de Santarém e só é possível chegar lá de avião ou de barco – a saber: o rio é a estrada amazônica. Pois bem. Fomos até o terminal hidroviário de Belém, perto da Estação das Docas e nos informamos sobre preços, horários e condições. Decidimos, depois de pesquisar muito, comprar uma cabine dupla, com ar condicionado e “banheiro” (vaso e pia), por R$ 500,00. A viagem dura três noites, fazendo paradas para carregamento (de gente e de alimentos e coisas no geral) em cidades ribeirinhas.

No dia marcado, chegamos ao porto munidas de nossas passagens e mochilas, depois de passar no supermercado para comprar água e alguns snacks. Eu não sabia muito bem o que esperar: o barco é utilizado pelos locais que vão e voltam e, vez ou outra, você se depara com algum viajante.

Redes coloridas e amontoadas: o exercício de definir seu espaço, toalhas e tralhas mil penduradas. Crédito: Renata Helena Rodrigues
Redes coloridas e amontoadas: o exercício de definir seu espaço, toalhas e tralhas mil penduradas (e um senhor tirando uma soneca). Crédito: Renata Helena Rodrigues

Ao me acomodar, comecei a reparar. As redes se amontoavam, coloridas, nos dois patamares. Logo, o território já estava reconhecido: na parte superior, o bar e um espaço ao ar livre e, embaixo, onde estávamos, o diminuto refeitório. Foram 70 horas de Belém para Santarém, sem sair do barco. O trajeto começou por alguns canalículos nos arredores da Ilha do Marajó, para depois de algumas horas (24? 48? Não sei, desliguei o relógio) o gigante, imponente e, por que não dizer?, monstruoso Rio Amazonas se colocar no nosso caminho — ou nós, no dele, faz mais sentido. Os brasileiros têm mania de mar. Me incluo nisso. Exaltamos nossas belezas naturais, tendo como referência nosso exuberante litoral. Nunca imaginei que ver o Amazonas me atravessando iria me causar aquela sensação inadjetivável: fui percebendo a vida em volta do rio por três dias. O silêncio e o som do rio. A brisa e a umidade do rio. A incrível constatação de que na beira no rio não há muriçocas, porque por ali, no Brasil profundo, ainda há algum mínimo equilíbrio na natureza. Foram três dias longos, confesso. Mas em alguns momentos distraídos me via observando as crianças do lado de fora, correndo com seus barquinhos a remo atrás da nossa embarcação: por ali, é muito comum jogar sacos com comida, roupas e outros artigos para as comunidades ribeirinhas. A sensação é arrogante, mas parece que eles ficam esperando barco passar para receber as doações.

Além do pessoal que espera sacos com roupas e alimentos, vez ou outra, entram vendedores no barco: na foto, eles vinham com camarões secos. Crédito: Renata Helena Rodrigues
Os moradores das comunidades ribeirinhas esperam as embarcações passarem para receber sacos — jogados ao rio — com roupas e alimentos. Crédito: Renata Helena Rodrigues

 

Descobri, ainda, que a cabine era desnecessária, porque além de apertadíssima, a brisa que bate nas redes é mais agradável que o ar condicionado. E aprendi que ali no meio do pulmão do Brasil, o tempo é outro: a gente anda muito acelerado, muito estimulado e vai acabar perdendo a capacidade de contemplar.

E como viagem é encontro, conheci os outros quatro forasteiros que estavam fazendo a travessia: duas catalãs — uma delas que será minha futura roommate –, um inglês doidão que empreendia uma viagem de volta ao mundo, e um brasiliense que viajava de carona e usava seu charme para pedir comida de graça no refeitório do barco. Ainda deu para fazer uma festinha regada a cerveja e vinho barato e ser julgado pelos evangélicos que dominavam a população da embarcação.

Quando avistamos a terra firme, começou a bater uma sensação de alívio misturada à nostalgia da despedida dos amigos. Mas as subjetividades não têm muita vez quando a mochila pesa: a próxima etapa seria descobrir como chegar a Alter do Chão. Esse é o próximo capítulo da saga.

O rio, imponente, e o pôr-do-sol mais bonito que você vai ver. Crédito: Renata Helena Rodrigues
O rio, imponente, e o pôr-do-sol mais bonito que você vai ver. Crédito: Renata Helena Rodrigues

Parte prática, o que você precisa saber

Saídas

Existe um sem-número de barcos que fazem o trajeto Belém-Santarém, mas em dias específicos da semana: o melhor jeito é ir pessoalmente ao terminal hidroviário de Belém (não há informações online ou, quando há, podem estar desatualizadas) e se informar sobre os dias que se encaixam na programação. As saídas, normalmente, são pela manhã, em barcos que têm como destino final Manaus.

Acomodação

As acomodações são duas possíveis: os camarotes ou cabines, cubículos sufocantes com beliches e um banheiro com vaso e pia (os chuveiros são coletivos, com água do rio!), com janela e da altura de uma pessoa de 1,70m. Ou seja: são seguros à medida que você deixa suas coisas trancadas lá dentro, mas é absolutamente inviável passar um tempo relaxando lá dentro, pois não há iluminação e ventilação natural. Levando isso em consideração, a rede dá uma ideia melhor do que é viajar num barco pela Amazônia: você leva a sua própria, define seu espaço, pendurando ela e precisa ficar alerta com seus pertences, especialmente no hora de entrada e saída de pessoas do barco. No mais, me parece o melhor jeito de viver a experiência. Você pode relaxar durante o dia, curtir a brisa do rio, observar a paisagem e devorar aquele livro de 800 páginas que você nunca teria tempo em condições normais de vida.

Os preços de uma cabine dupla giram em torno de R$ 500,00 (negociando) e, em rede, custa, em média, R$ 150,00.

Comida

As três refeições do dia podem ser feitas no refeitório: café da manhã a R$ 5,00, almoço e jantar a R$ 10,00. A comida é bem delicinha, caseira, arroz, feijão, macarrão e alguma carne, com um refresco incluído. Há, ainda, o bar, que vende porcariazinhas em geral, como salgadinhos, refrigerante, cerveja, água. Um bom quebra-galho, a preços nem tão convidativos. O que fizemos foi passar no supermercado e nos abastecer com (muitas, muitas) garrafas de litro e meio de água, algumas frutas, petisquinhos e o que depois se revelou ser o salva-vidas da fome: aquele noodle que você enfia água quente por 3 minutos. Sim, eu sei, parece péssimo, mas você logo verá que o custo-benefício de tanto glutamato monossódico vale muito a pena — principalmente em termos financeiros.

Segurança

O barco não é nem o lugar mais seguro do mundo, nem o mais inseguro. Não nos sentimos inseguras em nenhum momento, na verdade. Mas, é sempre bom ficar de olho nos pertences, principalmente se você está na rede e não tem um lugar específico para deixar suas coisas. Depois, quando viajamos de rede, o que fiz foi usar uma mochila pequena com as coisas de valor como travesseiro e sossegar durante a noite.

 

Quem escreveu

Rachel Sterman

Data

11 de May, 2015

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Rachel Sterman

É do tipo que vira o mapa (de papel, sempre) para se localizar. Presta atenção na voz que anuncia as estações de metrô e tira foto de ponto de ônibus. Abre o bloco de anotação em qualquer banco de praça para não deixar as impressões fugirem. É uma cervejeira contumaz e perde a noção do tempo dentro de qualquer mercado. Tudo com muito orgulho e pouca grana. Seu lema é "vem comigo que no caminho eu te explico". Mas tenha paciência: fotografa até o que não precisa. Descobriu viajando a melhor versão de si.

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    Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.