Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Com uma pequena demora (desculpem!), continuo meu relato amazônico (perdeu a primeira parte? Tá aqui). Paramos em Santarém, finalmente pisando em terra firme, com a possibilidade de sentar em um vaso sanitário de novo. O próximo destino era Alter do Chão, um distrito a 30 quilômetros de Santarém, no oeste do Pará, e onde um dos milhares de corações da Floresta Amazônica pulsa. Alter ficou conhecida como o “caribe amazônico” (brasileiro acho meio exagerado), por causa da limpidez das águas do Rio Tapajós, que banha a orla da cidade, e das praias fluviais de areia branquinha.
Decidimos pegar um ônibus de linha para Alter – a viagem dura uma hora, mais ou menos, com BASTANTE emoção. Veículo capenga, cheio pra cacete, curvas fechadas e alta velocidade compõem um cenário de aventura até o destino final. Meu combo incluiu, ainda, uma vontade inédita na vida de fazer xixi – reprimida com dores físicas pela hora de duração da viagem -, um hippie mucho loco com a palavra LEGALIZE tatuada na TESTA e uma ‘chuvinha’ amazônica no meio do caminho. Eu não imaginei o que nos esperava. E não esperar nada é quase impossível, mas resulta em uma das melhores coisas que pode te acontecer numa viagem. Pense nos lugares em que você não tinha muitas expectativas – no meu caso, foram os que surpreenderam mais. Tivemos que descer do ônibus antes do ponto final para achar um banheiro. Num boteco. Havíamos combinado com o Marquinhos, um paulista que vive há 12 anos lá e aluga casinhas, de ligar quando chegássemos. Mas Alter não seria Alter se o celular funcionasse na hora que você quiser. Não havia sinal, não tínhamos nenhuma pista de onde ficava nossa casa e, logo, resolvemos fazer o que a situação demandava: comer um bolinho de piracuí e tomar uma cerveja. Ou um suco de cupuaçu, não lembro. E esperar até que algo acontecesse. Eis que chega um rapaz no boteco, encosta no balcão e pede um salgado e uma Coca. E olha para duas forasteiras suadas, cansadas e carregadas e diz: Rachel e Renata, sabia que encontraria vocês aqui! Pra mim, Alter do Chão começou aí, nesse encontro de cidade do interior. Não me lembro que dia da semana era, sei que era perto de algum jogo do Brasil da Copa. Talvez fosse na véspera. Logo depois que nos acomodamos, recebemos a feliz notícia de que as duas catalãs (elas têm nome: Gabriela e Natalia, e devem aparecer muito nesses relatos) do barco tinham decidido ir pra lá também. Nosso casebre era simples, no meio do mato, com uma varandinha com cozinha e rede, tinha uma janela inacabada — aberta para toda a chuva — e nossas roommates eram DEZENAS de aranhas. De todas as cores e tamanhos. Uma vibe bem Amazônia.
Em julho, faz calor durante o dia, mas a temperatura fica amena à noite. Chove menos, o que significa que o rio começa a baixar e as faixas de areia que formam as praias paradisíacas começam a aparecer. Mas isso não tinha acontecido na nossa passagem: Alter ainda estava debaixo d’água. A cidade são duas: uma na cheia e uma na seca. A pequena calçadinha da orla, logo em frente à praça principal, fica submersa. A Ilha do Amor, símbolo máximo da região, só pode ser identificada durante a cheia por causa dos telhadinhos de sapê — as “barracas de praia” que funcionam a mil durante a alta temporada ficam completamente cobertas por água. O cenário é esplendoroso: um verde vivo da mata e a água cristalina do Tapajós. Descobrimos que o que havia para ver nada tinha a ver com as praias: partiríamos de barco para a FLONA (Floresta Nacional, nesse caso, do Tapajós). Duas comunidades — Maguary e Jamaraquá — seriam nossas paragens no dia seguinte. Mas o que vimos em 25 quilômetros de Floresta Amazônica primária é assunto pra parte II desse relato. Por hora, nos atentemos à atmosfera da Vila.
Alter te engancha: há gente de todos os cantos. Há os forasteiros que foram para ficar e são vistos com olhares enviesados dos locais, mas sem nenhuma hostilidade. Há músicos, hippies, gente que te recebe em casa e te dá livros de presente (“Rachel, te dou esse livro com a condição que você volte um dia e me traga um outro”). Há gringos, dezenas deles, que desistiram dos luxos e complicações da vida urbana para se meter na simplicidade e na calmaria, bem ali onde o rio faz a curva. Há o Espaço Alter do Chão, que nos recebeu, depois de um vitorioso jogo do Brasil, com o melhor carimbó que ouvi na vida. Ali se dança de pé descalço, balançando a saia e flutuando no chão de areia. No horizonte de Alter o sol morre no Tapajós, em um sem-fim de tons de laranja. E você observa sentado no píer ou numa cadeira de plástico dentro d’água na Praia do Cajueiro. Naquele miolo de mundo o plano de uma passagem de três dias vira uma semana nas primeiras 24 horas. Porque Alter do Chão te fisga e te faz tomar prejuízo em hotéis que estavam reservados em outros lugares. (Segue…)
É do tipo que vira o mapa (de papel, sempre) para se localizar. Presta atenção na voz que anuncia as estações de metrô e tira foto de ponto de ônibus. Abre o bloco de anotação em qualquer banco de praça para não deixar as impressões fugirem. É uma cervejeira contumaz e perde a noção do tempo dentro de qualquer mercado. Tudo com muito orgulho e pouca grana. Seu lema é "vem comigo que no caminho eu te explico". Mas tenha paciência: fotografa até o que não precisa. Descobriu viajando a melhor versão de si.
Ver todos os postsOlá, em que epoca do ano voce foi?
@Rachel, muito obrigado pelo relato sobre Alter do Chão :) Simples e muito simpático. 5*!
Vai publicar a Parte 2? :)
Grande abraço de Portugal.
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.