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No sleep till Brooklyn

Quem escreveu

João Perassolo

Data

16 de December, 2014

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Um mês em Nova York deixou duas coisas muito claras para mim. A primeira é que, quando se fala em Nova York, geralmente as pessoas se referem à área de Manhattan compreendida entre o Soho e Uptown (até à 90 St). O Brooklyn é um cenário de gangues perdido em algum filme dos anos 80 e o Harlem é onde os negros estão; Queens, Bronx e Staten Island nem existem no mapa. A segunda é que a cidade é uma marca, assim como a Apple é uma marca e, mais do que isso, cada bairro também se posiciona no mercado como um estilo de vida a ser experimentado. Se hospedar no Village é um *statement*, algo que supostamente traz satisfação imediata e indica algo sobre quem o faz. 

West Village - foto João Perassolo
West Village – foto João Perassolo

Na chegada, peguei o metrô para ir até à cidade. O aeroporto JFK fica em um extremo do Queens, e eu era o único branco no vagão. Temi parcialmente pela minha segurança, com medo de ser assaltado. Me senti terrivelmente envergonhado com o meu preconceito classe-média-brasileira quando desembarquei uma hora depois em Williamsburg, onde ficaria hospedado. Não só nada aconteceu, como ninguém sequer olhou pra mim ou para as minhas malas no trajeto. (Ninguém olhar para ninguém é uma constante na gigantesca, ágil e suja rede de metrô. Presenciei essa regra tácita sendo quebrada uma única vez: quando um ser humano de dois metros de altura parecendo o Robocop, com óculos gigantes tipo TV de tela plana e botas de ir para a Lua embarcou. No mais, indiferença extrema.)

Williamsburg - foto João Perassolo
Williamsburg – foto João Perassolo

E o que melhor para comemorar a chegada em um dia chuvoso de 6 graus do que litros de café e Eggs Benedict em um diner randômico da esquina? Viria a repetir muitas vezes a inesquecível receita de quatro ovos, duas fatias de english muffin e quatro fatias de lombo encharcados de molho holandês no Kellogg’s, onde, além da ausência de turistas, era recebido por uma mexicana tímida mas objetiva e atendido por uma russa com jeito de mulher de mafioso. Aquela ótima sensação de gente do mundo todo no mesmo lugar. More coffee, sir? Yes, please. 

Eggs Benedict com has browns no Kelogs - foto João Perassolo
Eggs Benedict com has browns no Kelloggs – foto João Perassolo
Panquecas com ovos e salsichão no café da manhã do Kellogg's - foto João Perassolo
Panquecas com ovos e salsichão no café da manhã do Kellogg’s – foto João Perassolo

Fiquei tenso na hora da gorjeta. Sabia que deveria deixar 20% do valor da nota, mas não lembrava do protocolo. Na dúvida, foram 3 dólares em uma conta de 18. Na semana seguinte a New York Magazine viria a publicar uma longa reportagem sobre o frenesi das gorjetas na cidade, texto no qual vários garçons e garçonetes afirmavam que servem bem pensando nas verdinhas depois de terminado o atendimento. “Não me dê gorjeta de maneira alguma se você vai deixar o troco”, diz uma das atendentes do  Kellogg’s – ela faz U$300 por turno em gratificações. Resumo da ópera: deixe exatamente 20% do valor da conta; menos que isso significa que o serviço não foi bom. 

Em média, a cada refeição deixava entre U$4 e U$8, respectivamente o valor de um caffe late no descoladinho Ninth Street Expresso ou de um sanduíche na Foodtown of Williamsburg. Na balada, a gorjeta aumenta de acordo com a complexidade da bebida. A cerveja de U$7 vira U$8 na casa de shows Terminal 5; se for um drink de misturas, a gratuidade sobe para U$2, então seu Apple Martini acaba custando U$14. A lógica é que o bartender teve mais trabalho para prepará-lo. Nestes momentos tive a exata clareza de porquê Nova York é uma cidade muito cara. 

Comer fora custa igual ou mais do que em São Paulo, para refeições de igual qualidade. A diferença é que as porções são ridiculamente grandes, pelo menos duas vezes o tamanho das brasileiras. O arroz frito com carne e vegetais do Sammy’s Noodle Shop & Grill no meu jantar de segunda virava o almoço de terça, e ainda sobrava para o cachorro, se eu tivesse um. Nos diners, não há limite para a quantidade de café servida, e em restaurantes medianos como o do Metropolitan Museum of Art o refil de refrigerante é infinito. Ponto para os gordinhos.

Também me chamou a atenção o fato de que fazer refeições na rua sai aproximadamente 30% a mais do que comprar comida em um bom supermercado como o Key Food da Grand Street, e não 150% ou 200% a mais, como em São Paulo. Isso significa que os restaurantes e cafés são para todo mundo. O fluxo constante de consumidores deixa o serviço rápido e mantém os lugares abertos até tarde da noite. 

Encontrar o banheiro, que nunca estava muito limpo, era uma gincana: escondidos embaixo de escadas, ao fim de curvas nas entranhas do lugar, exigindo códigos numéricos para destravar a maçaneta ou te obrigando a pedir a chave a um atendente. No Starbucks (leia-se: banheiros públicos de NY) rola um consentimento entre as pessoas na fila do toalete de que quem sai deixa a porta aberta para o próximo. 

**No sleep till Brooklyn**

* Duas novas modas estão pegando entre os hipsters do metrô L. 1) É impreterível ter uma peça de roupa muito suja – o mais comum é uma bota destruída, podre ou furada, mas também vale um casaco xadrez de lã rasgado pelo uso. 2) Portar alguma referência ao universo feminino: o mais comum são as unhas pintadas de preto ou prateado, esmalte impecável, vi até em skatista, mas também vale uma bolsa com alça de strass. Isto se soma aos tradicionais barba de lenhador, cabelo com gel penteado para o lado, calça skinny e óculos de avô. 

Williamsburg - foto João Perassolo
Williamsburg – foto João Perassolo

* Na linha café-da-manhã-dos-campeões, vale se empenhar nas baldeações de metrô para chegar ao Tom’s, em Prospect Heights (quebrada do Brooklyn), e comer as panquecas de milho com cranberrie acompanhadas de três tipos de manteigas: morango, abóbora e canela. O lugar é minúsculo e a decoração é original dos anos 30, com mesas de fórmica e estofados vermelhos. Cool até dizer chega.

Greenpoint - foto: João Perassolo
Greenpoint – foto: João Perassolo

* Só tenho coraçõezinhos para Greenpoint, área da imigração do leste europeu, sobretudo polonesa, ao lado de Williamsburg. Goulash e sopa borscht são hits dos menus da vizinhança com lojinhas de roupas descoladas e um belíssimo parque às margens do East River com vista para Manhattan.

* Preste atenção na infinidade de adesivos colados nos postes, lixeiras e semáforos, e em como eles variam de tema e de quantidade de acordo com o bairro. O Soho é cheio, mas Columbus Circle e Upper West Side, bairros tradicionais e ricos, têm bem poucos. Em Williasmburg há uma intervenção em diversas ruas do bairro com lambe-lambes contando a história de um personagem chamado Cost: conforme você anda, se depara com os cartazes dizendo onde ele já esteve e o que acha da vida.

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* Aproveite para renovar a pilha de revistas na Barnes & Noble da Union Square. Foi a maior seção de periódicos que encontrei, incluindo também revistas acadêmicas e alguns fanzines. A mais inacreditável que comprei foi a Modern Farmer, voltada, isso mesmo, para os fazendeiros hipsters. Uma vaca de expressão blasè estampa a capa.

* Diferentemente de outros museus de NY, o ingresso do Metropolitan não tem valor fixo. O preço sugerido é de U$25, mas você paga o quanto quiser, para mais ou para menos. Com U$10, passei seis horas na seção de pintura da Europa: nunca vi tantos Monet, Manet, Kandinsky e Renoir juntos, fora um tanto de artistas mais obscuros dos países nórdicos.

Foto destaque: BrooklynScribe – shutterstock.com

Quem escreveu

João Perassolo

Data

16 de December, 2014

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João Perassolo

João Perassolo é jornalista. Recentemente, trocou São Paulo por uma pequena cidade no norte da Holanda de nome complicado de pronunciar: Groningen, na qual o primeiro “g" se lê como os dois erres em “carro”. Sempre trabalhou com cultura, mas resolveu cursar um mestrado em Jornalismo para ver se aprende sobre o lado sério da profissão.

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Comentários

  • Em relação às gorjetas:
    Os brasileiros (e europeus também) precisam entender que a gorjeta nos restaurantes e bares americanos não é um agrado nem uma gentileza que você está fazendo ao garçom. Os garçons e garçonetes americanos não recebem salário do restaurante, a única forma deles ganharem dinheiro é pela gorjeta. Se você não deixa gorjeta eles trabalharam de graça, simples assim.
    Uma gorjeta entre 15% e 20% do valor total da conta (incluindo as taxes) é aceitável. Você pode pedir para eles já incluírem a gorjeta na conta, assim fica mais fácil pagar o valor correto, principalmente quando você tem que dividir a conta com outras pessoas.

    - Marina Saad Reigada Aery

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