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High Line de NY x Minhocão de SP

Quem escreveu

Renato Salles

Data

29 de September, 2014

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Em pouco tempo, duas notícias recentes se assemelham e se contrapõem. De um lado, a população de São Paulo discute acaloradamente sobre o destino do famoso e odiado Minhocão. Do outro, é inaugurada a terceira e última parte do projeto de mega-sucesso High Line, o parque linear implantado em uma via férrea elevada em plena Manhattan, Nova York. Esta hoje serve de exemplo-mor para aqueles de defendem que nós merecemos, sim, um parque suspenso. Mas do outro lado estão os que não querem o parque, não querem a manutenção da estrutura, e muitos que defendem a via expressa que existe hoje. Afinal, podemos ter um High Line no Brasil?

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Uma rápida introdução: uma linha de trem, a West Side Lane, corria paralela ao Rio Hudson desde o sul da ilha até a rua 34, em Hell’s Kitchen, foi construída a 8 metros de altura, desde 1934. Em 1960, ela foi desativada, e o trecho sul foi demolido. Desde então, a gigante estrutura metálica ficou abandonada, até 1999, quando os moradores do Meatpacking District, Joshua David e Robert Hammond, se juntaram para montar o grupo Friends of the High Line, com o intuito de mobilizar a população e chamar a atenção das autoridades para o espaço sub-aproveitado. Foram anos de discussões públicas, arrecadação de doações, concursos públicos e mais projeto e execução, até que o primeiro trecho foi aberto em 2009.

The-High-Line-at-the-Rail-Yards_dezeen_784_21

Eu estive lá nessa época e já dava para ver que o projeto seria um sucesso. O novo parque linear tinha um design incrível dos escritórios Field Operations e Diller Scoficio + Renfro, com percursos cadenciados, espaços abertos que se revelavam aos poucos, muitos equipamentos urbanos lindos (bancos, chaises, pátios, iluminação etc), e uma integração com a cidade em volta, e lá embaixo, fantástica. De lá para cá, os outros dois trechos foram finalizados e o High Line recebeu, só em 2013, 4,8 milhões de visitantes. Esqueça o Central Park, esqueça o Empire State. Quem visitam Nova York TEM que ir no High Line. Se quiser conhecer mais, recomendo esse documentário.

The-High-Line-at-the-Rail-Yards_dezeen_784_121

A inauguração da terceira parte, agora em setembro de 2014, veio cheia de elogios dos usuários e da imprensa. O trecho norte é mais largo, o que deve desafogar um pouco a lotação dos finais de semana. O parque se aproxima do Rio Hudson e do Hudson Yards, o que dá uma vista sensacional do continente. Foram incorporadas áreas de playground para as crianças. E a ponta final, ao lado do Javits Convention Center, desce suavemente para tocar a cidade sem o uso de escadas e elevadores.

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Mas e o nosso Minhocão? Por que não repetir a fórmula por aqui?

A resposta não é simples, mas uma coisa é certa: copiar nós não conseguimos, por uma série de fatores. O High Line era uma estrutura abandonada há muito tempo e sua conversão não afetou em nada no fluxo da cidade. Seu trajeto era todo cortando miolos de quadras, não ao longo de uma via. E suas estrutura metálica do começo do século XX, convenhamos, é linda.

Portanto, o Minhocão tem um desafio grande, comparado ao irmão americano. Hoje ele é parte de uma ligação viária muito importante, amplamente utilizada, e que não tem um projeto concreto de substituição. Isso explica a alarmante e um pouco deprimente parcela da população da cidade que é a favor da manutenção do elevado como eixo viário: 53%. Outro dado estranho é que os moradores dos prédios ao longo do seu trajeto são, em grande maioria, contrários à criação do parque, argumentando que este traria gente, barulho, bagunça e desvalorização da área. O High Line foi o catalizador de um processo de valorização extremo no Meatpacking District (cerca de 103%), que inclusive foi responsável pela gentrificação que expulsou boa parte dos moradores originais do bairro. O mesmo processo agora acontece em Hell’s Kitchen.

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Outro ponto crítico na decisão do que se fazer com o Minhocão é que ele, além de ter uma estrutura horrenda de concreto bem difícil de modificar, ainda cruza por cima de ruas que hoje sofrem justamente por vivar à sombra desse monstro. O espaço inferior dele é frio, úmido, escuro, poluído e hoje é usado como abrigo por moradores de rua, usuários de drogas, e todo tipo de gente que vive à margem da sociedade. O projeto de parque precisa, portanto, buscar a qualificação de todo o entorno, para poder se conectar à cidade, e não virar uma ilha de verde.

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A demolição também é uma opção, citada inclusive no novo Plano Diretor. Algumas cidades tem experiências positivas com essa solução mais radical, como Seul, Seattle e Madrid, e recentemente no Rio. Mas por mais que seja defendida por muitos especialistas, que contam com argumentos muito fortes (aqui e aqui), hoje só 7% da população prefere a medida. A demolição trava ainda na questão do transtorno que causa. O entulho que geraria é gigantesco, a obra seria bem longa, suja e barulhenta. Existem muitos projetos de reciclagem ou reutilização do entulho, como um dos anos 90, que previa a utilização das vigas pré-moldadas na construção de edifícios residenciais de caráter popular, mas ninguém pode afirmar qual é a melhor saída.

O fato é que como está não fica. A partir de agora, o Minhocão está com os dias contados, e qualquer coisa que se faça lá só vai fazer melhorar a cidade. Quem quiser participar das discussões públicas sobre o futuro do elevado, pode procurar o pessoal da Associação Parque Minhocão, que sempre foi muito ativa e participativa nas conversas com o Poder Público. E não esqueça, vá ao High Line. Talvez nós teremos a nossa versão, mas a deles é imperdível.

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Fotos: Dezeen e Associação Parque Minhocão

Foto do destaque: Joel Sternfeld

Update: Para se falar em desenvolvimento urbano sustentável, o melhor é começar ouvindo as sábias palavras de Amanda Burnes, diretora do departamento de city planning em Nova York de 2002 a 2013, em uma palestra do TED esse ano.


Dica do Johannes Wiegerinck

Quem escreveu

Renato Salles

Data

29 de September, 2014

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Renato Salles

Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.

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Comentários

  • Bom texto sobre o assunto e considero bem equilibrado. Pessoalmente sou contra a transformação do Minhocão em parque, até porque o contexto é totalmente outro por aqui:

    1) Viadutos rodoviários são mais largos que os ferroviários, o que significa que o Minhocão sombreia bem mais que o High Line. Quem olhar a alça de acesso para o sentido Oeste de quem está na São João verá que ela fica a centímetros dos prédios próximos;

    2) Vão tirar o Minhocão e pôr o que no lugar para fazer a mesma função? Provavelmente aqueles que são contrários a sua desativação o devem ser por não saberem o que se propõe para seu lugar. Uma das propostas é esta aqui:

    http://www.youtube.com/watch?v=DHIgwpfMiy0

    Sim, como podem ver, seria uma avenida seguindo o trajeto das linhas da CPTM e ligando o Brás à Lapa, com as vias férreas passando a ser subterrâneas. Pelo que falam, uma grande barreira ao adensamento paulistano para além do norte das linhas está nas próprias linhas e a estética pesada dos ramais ferroviários. Conseguiria absorver bem tanto o fluxo que não passaria no Minhocão como também parte do fluxo da Ligação Leste-Oeste, além de uma avenida feita do zero permitir a implantação desde seu projeto inicial de ciclovia em pista segregada (que é a forma caprichada e segura de se fazer essa estrutura) e corredor de ônibus em canteiro central permitindo ultrapassagem de coletivos, difíceis de serem implantados em vias mais antigas que não foram nem teriam como ser pensadas para tais dispositivos urbanos;

    3) Outra opção seria fazer um túnel no lugar do Minhocão, o que inclusive poderia permitir mais acessos e saídas do que a configuração atual (imagine, por exemplo, uma saída e uma entrada na rua Mário de Andrade e já tem a noção do quanto de utilidade prática ficaria agregado a essa hipotética estrutura em comparação ao atual elevado;

    6) Sou contra fazer do Minhocão um parque porque ele não solucionaria o problema da sombra permanente que ele projetou naquela região outrora com boulevards como cenário. Iria continuar sendo em seus baixos uma estrutura lúgubre e que espanta as pessoas de noite. Além disso, a maior árvore plantável sobre um viaduto sempre será menor do que a maior árvore plantável no chão.
    Logo, uma solução mais caprichada para a falta de verde na região cortada pelo Costa e Silva passaria não só por sua derrubada (o que jogaria luz nos muitos quilômetros hoje permanentemente sombreados) mas também pela recapacitação da praça Marechal Deodoro, do Largo Santa Cecília e do Largo do Arouche, bem como o plantio de árvores nos canteiros centrais de Amaral Gurgel, São João e General Olímpio da Silveira, de maneira a haver um belo boulevard que na prática interligaria os dois largos e a praça em questão;

    7) Daria para manter os pilares do Minhocão, mas reaproveitá-los para, por exemplo, fazer-se uma ciclovia elevada. Pense em algo como isto que há na Dinamarca:

    http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva/files/2014/08/imag1411-1.jpg

    Como a estrutura de uma ciclovia é bem mais estreita que a de um viaduto rodoviário, haveria redução de impacto urbanístico e seguiria existindo a segurança de uma via segregada (que poderia usar os pontos atualmente existentes de entrada e saída do viaduto, bem como agregar outros). Sendo os pilares do Minhocão fortes o suficiente para suportar uma via em cima deles e o tráfego diário de dezenas de veículos, a força que uma via ciclística elevada e várias magrelas circulando em cima imporia a essas estruturas é muito menor.

    Imagine agora essa ciclovia combinada com as árvores propostas para o boulevard de que falei na alínea anterior e com o tempo até a ciclovia poderia ficar escondida pelas copas das árvores;

    8) Também daria para pensar em um prolongamento da Amaral Gurgel, de maneira a ir até a São João e absorver parte das funções do Minhocão no que tange a tráfego local. Seria questão de tirar o Terminal Amaral Gurgel de onde está e distribuir os pontos finais das linhas que lá se encontram pelas ruas das cercanias;

    9) Daria também para pensar em uma nova linha de metrô subterrânea que usasse basicamente o trajeto do conjunto formado por Minhocão e Ligação Leste-Oeste e também fizesse baldeação em outras estações para além desse perímetro. Daria inclusive para pensar nos baixos de alguns viadutos como entradas e saídas de estações. Imagine a reviravolta que daria, por exemplo, a existência de uma estação de metrô nos baixos do viaduto Júlio de Mesquita Filho, com acessos na Major Diogo, na confluência das ruas Quatorze de Julho e Conselheiro Ramalho e João Passalacqua. Também dá para imaginar estações nos baixos do Viaduto do Glicério e uma expansão que baldeasse com o trem que corta a Mooca.
    Quem for pesquisar os projetos existentes de expansão do sistema ferroviário metropolitano irá notar que essa hipotética linha que proponho poderia inclusive gerar novos pontos de baldeação com linhas já existentes e projetadas, ajudando a desafogar o acúmulo de gente em uma série de trajetos, bem como havendo a vantagem de poucas desapropriações, uma vez que passaria por baixo de uma via que já gerou montes de desapropriações no passado. Vale lembrar que já existe um projeto de uso dos baixos do Júlio de Mesquita Filho, que muito bem poderia ser complementado por uma estrutura metroviária:

    http://www.youtube.com/watch?v=hYAOHcJuPks

    http://www.youtube.com/watch?v=SS6pYljHiVc

    Imagine-se também pontos de baldeação na estação Santa Cecília do Metrô, bem como na estração Mooca da CPTM, bem como na futura estação Campos Elíseos da CPTM (que substituirá a Júlio Prestes);

    10) Assim, dá para pensar em algo além da simples desativação do Minhocão, que abranja uma área bem maior e agregue uma série maior de benefícios para entornos hoje degradados.

    - Ilbirs
  • Muito bom. Todo mundo sabe que no Brasil o chamado capitalismo selvagem impera e por mais que sociólogos de botequim se esforcem para conscientizar de que o social é tudo, no final o pder do dinheiro das construtoras tem sempre vencido muitas batalhas, seja por doações gordas a campanhas políticas ou pela super valorização de áreas escolhidas na cidade. Tenho um apartamento ali, no nono andar olhando para o Minhocão, perto da Praça Roosevelt. É amplo, antigo, com janelonas, excelente. Gostaria muito de poder abrir no futuro minhas janelas e ver algo parecido com o High Line. O paulista usuário de automóvel é abestado, quer status por ter um carro caro, vai ali na esquina de carro, ele o usa para se isolar da realidade, sua gaiolinha privada onde ele pode desperdiçar horas todo dia, escutando sua musiquinha e olhando pra telinha do seu smart phone enquanto está parado no meio de um eceano de carros. Mudar a mentalidade dessas pessoas é o verdadeiro desafio. Mudar a cabeça de quem acha que se inspirar nas coisas boas feitas em países ricos é coisa de burguês também é outro desafio. De qualquer forma essas pesquisas são fajutas, elas perguntaram pra um monte de gente que nunca sequer viu o Minhocão ou que passam duas vezes por dia por lá ou que moram longe demais pra ter idéia do que se quer fazer. QUem realmente tem que ser ouvido são os moradores do entorno e ali tem duas vertentes. Uma quer a demolição pois trás amargas memórias da imposição dessa montruosidade, geralmente a população mais idosa. A outra quer algo moderno e bonito, que transforme nossa cidade em algo relevante que sirva de exemplo para outros lugares no Brasil e no mundo, o pessoal mais jovem de modo geral pensa assim. Parece que mais uma vez São Paulo tem a oportunidade de ser pioneiro em criar algo único, diferente e interessante. Por mim o parque elevado seria minha escolha mas com planejamento, usando partes da extensão do Minhocão e não ele inteiro, deixar a Praça Marechal Deodoro coberta seria um crime. Vamos torcer e participar para que a escolha certa e óbvia seja feita.

    - Rene Alexis Penaloza Munoz

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