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Noma: Como é jantar no melhor restaurante do mundo

Quem escreveu

Vanessa Mathias

Data

26 de June, 2014

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Carpete vermelho estendido pelas luvas brancas de um charmoso mordomo. Talheres de ouro. Eunucos que servem uvas na boca. Porquinhos de gravata borboleta aguardam em um celeiro para serem escolhidos a dedo a virar torresmo pelos restauranters.

Minhas expectativas eram muitas. Afinal, o que poderia fazer um restaurante ser o melhor entre tantos quadrizilhões de fogões destinados à comercialização de refeições no mundo?

A bolha da imaginação é surpreendentemente estourada logo na entrada. Um garçom de avental cinza recebe pelo nome na entrada e logo leva a encontrar sua amiga. Um ambiente lindo, envidraçado, minimalista, em móveis negros sem ao menos uma toalha. No Noma, a estrela é a comida.

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E a saga de mais de vinte pratos se inicia com um palitinho com groselha congelada recheada de arco-íris com lavanda, elderflower e notas de felicidade eterna que sobem e permanecem alguns minutos no céu da boca.

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Em seguida, um côco nórdico recheado com uma sopa fria de nabo alemão com apresentação e sabores tão distintos que só aumentam a expectativa da próxima surpresa.

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Já aqui havia valido a espera. Afinal, um lugar lá não é tão simples. São meses para conseguir uma reserva. Mas se você for um bom brasileiro que só teve a ideia chegando em Copenhagen, pode arriscar a sorte e telefonar um dia antes. Com alguma sorte, sempre há um um italiano que perdeu o vôo.

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A apresentação dos pratos é um caso a parte. Chega à mesa um ninho de pássaros, feito de musgo e fungos. Uma crocância peculiar e gosto de … musgo mesmo.  Não se acerta em todas.

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A simpática garçonete percebe no ar a desaprovação. Comenta que todos da cozinha são treinados para estarem atentos a cada reação dos comensais. Renée Redzepi, o maestro gastronômico por trás de tudo, mantém todos os mais de cinquenta empregados vindos do mundo inteiro em coleira curta.  Poucos? Vale lembrar que são apenas 40 convidados a cada turno. Eles não só cozinham como também servem e explicam seu próprio prato. Nossa garçonete, cozinheira de pâtisserie e personal-hostess era brasileira: foi designada ela na reserva só pelo nosso nome com óbvia ascendência lusitana.

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Outro chef traz e nos explica que a próxima entrada é um pão com rosas grelhadas. Nosso olhar ressabiado logo se transformou no momento de iluminação: o globo inteiro canta de alegria quando as coisas são defumadas.

IMG_0754 Em seguida uma crocante vagem com ervilhas e camomila limpam nosso paladar para o próximo deleite: alho-poró grelhado.

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Ao abrir a primeira camada, escondia-se em cortes cuidadosos do alho poró com ingredientes obscuros, sabores nunca imaginados conter em um mero vegetal.

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A filosofia por trás da cozinha de Renée é extrair o máximo de sabores da vegetação  e produção local. Muitos brotos e flores que precisam ir direto para o prato após colhidos são criados ali no restaurante mesmo. Outros vêm de regulares expedições aos bosques nórdicos por ali.

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Um exemplo são as próprias formigas que participavam do próximo prato: cebola, peras e formigas. Elas são responsáveis pelo ligeiro gosto de raspas de limão no prato.  Obter é fácil: só pegar uma por uma com um canudo. Ou ainda você acha um formigueiro, enfia a mão, espera elas subirem até seu cotovelo, e daí chacoalha no receptáculo apropriado.

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Chega um dos clássicos do Noma: o ovo com ovo dentro, que disfarça na gema um sabor defumado ao explodir na sua boca. Segue a jornada  um dispensável bolinho dinamarquês com recheio esquisito.

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A troca do vinho branco da harmonização que escolhemos pelo tinto sugere que talvez seja a mudança para os pratos principais. Até então já haviam passado pelo menos duas horas do início do almoço.

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Uma sopa de frutas e vegetais da estação chega à mesa como uma obra de arte. O conceito era esse mesmo: tudo que estivesse na temporada. O sabor não correspondia… mas olhamos por um bom tempo.

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Em seguida outra escultura:  ravióli de folhas com camarão cru chamada atenção pela delicadeza do prato. Aliás, notamos ali ser o primeiro que continha bichinhos. Quem diria que a melhor refeição da sua vida até então era praticamente vegetariana. (Formiga conta?)

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Cada prato é cuidadosamente explicado por um chef diferente. Em vez de pompa e formalidade, todos são amigáveis e coloquiais. Até demais. O que mais havia conversado,  atentando às minhas frequentes visitas ao decorado toalete sente-se à vontade para comentar:

“- Acho que vou cortar sua água”. Sim, cruzou aquele limite tácito. O vinho ajudou a gargalhada ocupar o espaço do constrangimento.

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A seguir, majestosas beterrabas. O gosto mais forte de terra e beterraba do mundo em uma colher. Grelhadas por fora, cremosas por dentro. E rosas defumadas davam a sensação que ninfas da floresta desfilavam pela língua.

As porções se espaçavam no tempo exato para conseguir ingerir mais um prato. O relógio já apontava mais de três horas e meia do início da expedição gustativa.

Por fim, um peixe com aipo se escondia atrás de muitos verdes. O peixe tinha gosto de peixe com aipo. Esses de um restaurante bom qualquer que se come na sua cidade. É que nessa hora, a régua havia esticado muito.

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Esperávamos, curiosas, o que estava rolando do lado de lá da cozinha.

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O vinho colaborou para a amizade com a mesa ao lado, notando-se claramente observada por nossos olhares curiosos – afinal, sempre estavam um prato à frente.

Nunca fui dada para doces. Mas escorre uma lágrima de saudade e privação ao lembrar que não conseguirei achar novamente um sanduíche crocante de sorvete de blueberry, com ervas e formigas.

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Doce, crítico e celestial.  Seguido por três maçarocas sem graça, que ao pôr na boca fizeram me envergonhar da minha própria instintiva expressão de volúpia.

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Deve ser providencial a hora que trazem a conta. Porque nunca assinei tão rápido e feliz algo com mais de quatro dígitos por pessoa. Sim, em reais. Total pago pela experiência: R$ 1.200,00.

Batendo às quatro horas, fomos convidados  para excursionar a cozinha. O próprio professor Pardal invejaria o laboratório.

Com cedro, coroa e manto vermelho, Renee espera sorridente e nos mostra passo a passo o que criam lá. Comenta da amizade com Atala, que encontraria dentro de dois dias. Senta e nos convida para um chá.

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Fofo, em uma folha, lista todos os restaurantes de membros da sua equipe ao redor da cidade para conhecermos nos próximos dias. Mas a partir dali, caro, passaremos o resto de nossos dias vivendo de luz e de memórias da Dinamarca.

*foto destaque cyclonebill

Quem escreveu

Vanessa Mathias

Data

26 de June, 2014

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Vanessa Mathias

Seu exacerbado entusiasmo pela cultura, fauna e flora dos mais diversos locais, renderam no currículo, além de experiências incríveis, MUITAS dicas úteis adquiridas arduamente em visitas a embaixadas, hospitais, delegacias e atendimento em companhias aéreas. Nas horas vagas, estuda e atua com pesquisa de tendências e inovação para instituições e marcas.

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Comentários

  • adoreeei o texto! deu uma vontade…

    - luiza noce
  • AI COMO ME DIVIRTO COM OS TEXTOS DA VANESSA

    - luzinha noleto
    • <3

      - Vanessa

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