Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Carpete vermelho estendido pelas luvas brancas de um charmoso mordomo. Talheres de ouro. Eunucos que servem uvas na boca. Porquinhos de gravata borboleta aguardam em um celeiro para serem escolhidos a dedo a virar torresmo pelos restauranters.
Minhas expectativas eram muitas. Afinal, o que poderia fazer um restaurante ser o melhor entre tantos quadrizilhões de fogões destinados à comercialização de refeições no mundo?
A bolha da imaginação é surpreendentemente estourada logo na entrada. Um garçom de avental cinza recebe pelo nome na entrada e logo leva a encontrar sua amiga. Um ambiente lindo, envidraçado, minimalista, em móveis negros sem ao menos uma toalha. No Noma, a estrela é a comida.
E a saga de mais de vinte pratos se inicia com um palitinho com groselha congelada recheada de arco-íris com lavanda, elderflower e notas de felicidade eterna que sobem e permanecem alguns minutos no céu da boca.
Em seguida, um côco nórdico recheado com uma sopa fria de nabo alemão com apresentação e sabores tão distintos que só aumentam a expectativa da próxima surpresa.
Já aqui havia valido a espera. Afinal, um lugar lá não é tão simples. São meses para conseguir uma reserva. Mas se você for um bom brasileiro que só teve a ideia chegando em Copenhagen, pode arriscar a sorte e telefonar um dia antes. Com alguma sorte, sempre há um um italiano que perdeu o vôo.
A apresentação dos pratos é um caso a parte. Chega à mesa um ninho de pássaros, feito de musgo e fungos. Uma crocância peculiar e gosto de … musgo mesmo. Não se acerta em todas.
A simpática garçonete percebe no ar a desaprovação. Comenta que todos da cozinha são treinados para estarem atentos a cada reação dos comensais. Renée Redzepi, o maestro gastronômico por trás de tudo, mantém todos os mais de cinquenta empregados vindos do mundo inteiro em coleira curta. Poucos? Vale lembrar que são apenas 40 convidados a cada turno. Eles não só cozinham como também servem e explicam seu próprio prato. Nossa garçonete, cozinheira de pâtisserie e personal-hostess era brasileira: foi designada ela na reserva só pelo nosso nome com óbvia ascendência lusitana.
Outro chef traz e nos explica que a próxima entrada é um pão com rosas grelhadas. Nosso olhar ressabiado logo se transformou no momento de iluminação: o globo inteiro canta de alegria quando as coisas são defumadas.
Em seguida uma crocante vagem com ervilhas e camomila limpam nosso paladar para o próximo deleite: alho-poró grelhado.
Ao abrir a primeira camada, escondia-se em cortes cuidadosos do alho poró com ingredientes obscuros, sabores nunca imaginados conter em um mero vegetal.
A filosofia por trás da cozinha de Renée é extrair o máximo de sabores da vegetação e produção local. Muitos brotos e flores que precisam ir direto para o prato após colhidos são criados ali no restaurante mesmo. Outros vêm de regulares expedições aos bosques nórdicos por ali.
Um exemplo são as próprias formigas que participavam do próximo prato: cebola, peras e formigas. Elas são responsáveis pelo ligeiro gosto de raspas de limão no prato. Obter é fácil: só pegar uma por uma com um canudo. Ou ainda você acha um formigueiro, enfia a mão, espera elas subirem até seu cotovelo, e daí chacoalha no receptáculo apropriado.
Chega um dos clássicos do Noma: o ovo com ovo dentro, que disfarça na gema um sabor defumado ao explodir na sua boca. Segue a jornada um dispensável bolinho dinamarquês com recheio esquisito.
A troca do vinho branco da harmonização que escolhemos pelo tinto sugere que talvez seja a mudança para os pratos principais. Até então já haviam passado pelo menos duas horas do início do almoço.
Uma sopa de frutas e vegetais da estação chega à mesa como uma obra de arte. O conceito era esse mesmo: tudo que estivesse na temporada. O sabor não correspondia… mas olhamos por um bom tempo.
Em seguida outra escultura: ravióli de folhas com camarão cru chamada atenção pela delicadeza do prato. Aliás, notamos ali ser o primeiro que continha bichinhos. Quem diria que a melhor refeição da sua vida até então era praticamente vegetariana. (Formiga conta?)
Cada prato é cuidadosamente explicado por um chef diferente. Em vez de pompa e formalidade, todos são amigáveis e coloquiais. Até demais. O que mais havia conversado, atentando às minhas frequentes visitas ao decorado toalete sente-se à vontade para comentar:
“- Acho que vou cortar sua água”. Sim, cruzou aquele limite tácito. O vinho ajudou a gargalhada ocupar o espaço do constrangimento.
A seguir, majestosas beterrabas. O gosto mais forte de terra e beterraba do mundo em uma colher. Grelhadas por fora, cremosas por dentro. E rosas defumadas davam a sensação que ninfas da floresta desfilavam pela língua.
As porções se espaçavam no tempo exato para conseguir ingerir mais um prato. O relógio já apontava mais de três horas e meia do início da expedição gustativa.
Por fim, um peixe com aipo se escondia atrás de muitos verdes. O peixe tinha gosto de peixe com aipo. Esses de um restaurante bom qualquer que se come na sua cidade. É que nessa hora, a régua havia esticado muito.
Esperávamos, curiosas, o que estava rolando do lado de lá da cozinha.
O vinho colaborou para a amizade com a mesa ao lado, notando-se claramente observada por nossos olhares curiosos – afinal, sempre estavam um prato à frente.
Nunca fui dada para doces. Mas escorre uma lágrima de saudade e privação ao lembrar que não conseguirei achar novamente um sanduíche crocante de sorvete de blueberry, com ervas e formigas.
Doce, crítico e celestial. Seguido por três maçarocas sem graça, que ao pôr na boca fizeram me envergonhar da minha própria instintiva expressão de volúpia.
Deve ser providencial a hora que trazem a conta. Porque nunca assinei tão rápido e feliz algo com mais de quatro dígitos por pessoa. Sim, em reais. Total pago pela experiência: R$ 1.200,00.
Batendo às quatro horas, fomos convidados para excursionar a cozinha. O próprio professor Pardal invejaria o laboratório.
Com cedro, coroa e manto vermelho, Renee espera sorridente e nos mostra passo a passo o que criam lá. Comenta da amizade com Atala, que encontraria dentro de dois dias. Senta e nos convida para um chá.
Fofo, em uma folha, lista todos os restaurantes de membros da sua equipe ao redor da cidade para conhecermos nos próximos dias. Mas a partir dali, caro, passaremos o resto de nossos dias vivendo de luz e de memórias da Dinamarca.
*foto destaque cyclonebill
Seu exacerbado entusiasmo pela cultura, fauna e flora dos mais diversos locais, renderam no currículo, além de experiências incríveis, MUITAS dicas úteis adquiridas arduamente em visitas a embaixadas, hospitais, delegacias e atendimento em companhias aéreas. Nas horas vagas, estuda e atua com pesquisa de tendências e inovação para instituições e marcas.
Ver todos os postsadoreeei o texto! deu uma vontade…
AI COMO ME DIVIRTO COM OS TEXTOS DA VANESSA
<3
Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.