Tendências dos principais festivais de inovação e criatividade do mundo.
Numa época marcada pela fala de mulheres empoderadas que romperam o silêncio compulsório imposto ao gênero, é curioso que Guillermo del Toro tenha concebido uma protagonista muda. Narrativamente, a opção vem a calhar numa produção carinhosa com o cinema clássico hollywoodiano (incluindo os musicais), embora a história se passe na década de 60, quando a voz no cinema já não era novidade, mas a luta feminina, essa sim, intensificava-se com sonora repercussão. Esse aparente anacronismo é uma das janelas de apreciação de “A Forma da Água”, indicado a 13 categorias no Oscar. Seus heróis desajustados (ou anti-heróis?) carregam certa melancolia, uma sensação de não pertencimento àquele tempo presente. Já que o futuro é incerto demais, já que o mundo pode acabar, restam a eles o passado, a fantasia e, enfim, o cinema. O pontapé é este: Elisa (a faxineira muda vivida por Sally Hawkins) se apaixona por uma misteriosa criatura aquática, presa num laboratório mantido pelo governo norte-americano para ser usada como possível arma na Guerra Fria contra a Rússia. Os dois estranhos se reconhecem e se cumprem. O pano de fundo político incrementa o conto de fadas, desdobrado em tons de verde do início ao fim – a característica traz uma leve “améliepoulainrização” ao filme. De fato, Elisa não escapa de um fabuloso destino e faz jus ao posto de princesa contemporânea, desvencilhando-se de qualquer fragilidade sugerida pela mudez. Ela se masturba e manda o chefe escroto se foder. Já não era sem tempo. Let it go.
A Forma da Água. Várias salas e horários: ver a programação aqui.
Mire e veja: o sertão está em toda parte. As palavras escritas como que faladas de João Guimarães Rosa há muito extrapolaram o clássico “Grande Sertão: Veredas” e, hoje, servem a legendas genéricas para Facebook e Instagram. Mas não só. Ainda bem. De qualquer forma, o livro – como se dá com bons livros – também já deixou de ser livro para ser mundo próprio. Um mundo constantemente estudado e desbravado. As páginas de prosa poética narradas por Riobaldo se firmam como desafio necessário na nossa literatura, uma pedra bruta que a diretora Bia Lessa decidiu trabalhar. O resultado é surpreendente e está em cartaz no CCBB. É Caio Blat quem incorpora o jagunço e diz belezas como “Diadorim é minha neblina”. No espetáculo-instalação, o espectador acompanha tudo com fones de ouvido. Além de ajudar a criar uma ambientação sonora instigante, a ferramenta nos aproxima da melodia roseana, sem desperdício, ligando a voz a nossa memória. A música de Egberto Gismonti ajuda na conexão com o sertão. Por vias tortas, a montagem ganhou notoriedade também pela nudez de Blat. Aliás, quase todos do elenco aparecem nus, meninos e meninas. É notório que o desnudamento vai além do corpo, mas, ao também evidenciar o corpo de pelos e peles, sublinha o lugar libertário do teatro-sertão.
Grande Sertão: Veredas no CCBB. De quarta-feira a domingo, às 21h. Em cartaz até 31.03. Ingressos a R$ 20.
CCBB. Rua Primeiro de Março, 66 – Centro.
Embora tenha no currículo obras elogiadas – “Amnésia”, “A origem” e a trilogia do Batman protagonizada por Christian Bale se destacam -, Christopher Nolan recebeu sua primeira indicação ao Oscar como diretor por “Dunkirk”, que encabeça a seleção da mostra Os Melhores Filmes do Ano. A escolha foi feita pela Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro e destaca ainda outros nove títulos lançados no ano passado. O longa acompanha a evacuação de soldados cercados pelo exército nazista durante a Segunda Guerra Mundial. O episódio histórico, aliás, já foi apresentado em outros filmes, como num marcante plano-sequência do excelente “Desejo e reparação” (2007), mas aqui ocupa toda a narrativa. Nolan volta a brincar com a elasticidade cronológica e costura sua história a partir de três linhas dramáticas com durações diferentes: a ação de um piloto é executada em uma hora, o resgate a barco transcorre durante um dia, e a tentativa de fuga de um soldado é acompanhada por uma semana. O preciso entrelaçamento desses fios é a espinha dorsal do filme.
Os Melhores Filmes do Ano. “Dunkirk”: 10.02 (sábado), às 17h30. A programação completa está no site do evento. Ingressos a R$ 10.
CCBB. Rua Primeiro de Março, 66 – Centro.
Na onda de biografias musicais que tomaram conta da cena teatral, não faltaram homenagens póstumas a artistas consagrados. Elis Regina, Tim Maia, Cazuza e Cássia Eller tiveram suas histórias levadas ao palco com sucesso. Assim, “Bibi – Uma vida em musical” espanta, de cara, por reverenciar uma personalidade viva, lúcida e ativa à beira do centenário. Aos 95 anos, Bibi Ferreira não se esgota. As recentes incursões no palco, cantando Piaf e Sinatra, tiveram casas lotadas, com público variado, algo confirmado na sessão que fomos no último domingo. As passagens aplaudidas com mais entusiasmo estão no segundo ato, quando Bibi entoa “Gota d’água”, “La vie en rose” e “New York, New York”.
Bibi – Uma vida em musical. Quinta e sexta-feira, às 20h30. Sábado, às 17h e 21h. Domingo, às 19h. Ingressos a partir de R$ 50.
Oi Casa Grande. Av. Afrânio de Melo Franco, 290, Leblon.
Amigos e conhecidos ventilam a boa surpresa que parece ser a série espanhola “La Casa de Papel”, disponível na Netflix. Já ouviram falar? Ainda não vimos, mas está na nossa lista. A história acompanha oito ladrões que planejam assaltar a Casa da Moeda da Espanha. Críticos brasileiros apontaram altos e baixos da série (ver aqui e aqui). Quem sabe não se revela uma alternativa ao carnaval…
“La Casa de Papel”. Assista aqui.
Filipe nasceu em Salvador, mudou-se aos 9 anos para Belo Horizonte e, aos vinte e poucos, decidiu encarar o Rio de Janeiro. Há quatro anos conheceu Gustavo, cria da capital fluminense. Jornalistas culturais, gostam de receber amigos em casa e ir ao cinema. Cada vez mais são adeptos de programas ao ar livre - sempre que podem, incluem no passeio Chaplin, esperto vira-lata adotado há um ano.
Ver todos os postsVivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.