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Como anda a vida noturna de Berlim na pandemia

Quem escreveu

Lalai Persson

Data

28 de July, 2021

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Com a pandemia sob controle, mas ainda correndo, Berlim ensaia o retorno da vida noturna ainda sem os clubs, mas com festas ao ar livre. Como será o retorno dessa normalidade para os clubbers da cidade?

Berlim viveu seus tempos áureos na pré-pandemia faturando bem alto com a cultura de clubs e festas da cidade. A cena de música eletrônica injetou cerca de 1,5 bilhão de euros na economia de Berlim em 2018.

Por conta dos voos de baixo custo, não eram somente os locais que passavam o fim de semana enfiados nas festas. Moradores de diversos cantos da Europa chegavam aqui na sexta-feira para dançar até o sol raiar na segunda-feira, para então seguirem direto para o aeroporto.

Era comum se deparar com pessoas acampando num parquinho ao lado da Berghain para cochiladas ocasionais entre uma entrada e outra no club ao longo do fim de semana, até que a administração decidiu que a reentrada não era mais permitida, o que gerou protestos.

Uma grande loucura jovial que só quem já foi (ou é) clubber entende.

A Berghain foi a primeira a anunciar o fechamento de suas portas logo que a pandemia foi declarada. Todo mundo se encolheu assustado, porque se suas portas estavam oficialmente fechadas, sem saber quando abririam novamente, é porque a coisa era séria. Desde então, o club mais famoso do mundo tem dado lugar a uma galeria de arte temporária abrigando exposições e, no momento, festas que ocupam seu jardim de quarta a domingo, das 19 às 22h. A door police está mais relaxada no momento e seu biergarten ao lado anda também concorrido. Quem ainda não conheceu o famoso club por dentro e tem curiosidade, pode espiá-la nos próximos dias num streaming que vai rolar do selo Ostgut com o ARTE Concert.

Exposição Studio Berlin @ Berghain. Foto: Lalai Persson
Exposição Studio Berlin @ Berghain. Foto: Lalai Persson

Entre uma volta e outra das quarentenas que tivemos, a discussão sobre o retorno da vida noturna é uma constante. Mas desde março de 2020 nenhum club abriu suas portas a não ser para abrigar essas outras funções, como galeria de arte no caso da Berghain, e um centro de teste COVID-19 no Kit Kat.

O Clubcomission Berlim, uma espécie de prefeitura da noite da cidade, tem trabalhado junto ao governo para criar medidas de sobrevivência para os clubs e promoters desde o começo da pandemia, ajudando-os a encontrar um jeito de existir enquanto não é permitido retomar suas festas e atividades. Para isso, foram criadas várias venues temporárias a céu aberto para abrigar festas, que tem horário para início e término e, às vezes, restrições na altura do som, o que pode transformar uma busca por uma boa festa numa tentativa frustrada.

Revier Südost, uma das empreitadas mais bem-sucedidas durante a pandemia em Berlim, que tem abrigado festas open-air sempre com ótimo line-up. Foto: Divulgação
Revier Südost, uma das empreitadas mais bem-sucedidas durante a pandemia, que tem abrigado festas open-air sempre com ótimo line-up. Foto: Divulgação

Todas têm limite de número de pessoas, o que tem tornado os lugares bem concorridos. Por isso, o melhor é quando tem a opção de comprar ingressos antecipados, e só é permitida a entrada com teste negativo de COVID feito no dia ou portando o passaporte da vacina. Muitas festas oferecem teste (sempre gratuito) na porta para quem chega “desavisado”. Dançar só rola usando máscara, que pode ser retirada quando a pessoa estiver sentada.

Funciona? Opa, na maioria das vezes! Muitas festas contam com “fiscais de máscaras”, que ficam andando com placas para enfiar na cara de quem ousar infringir a regra.

Tem festa ilegal rolando? Claro que tem, mas não sei muito sobre elas. O máximo que eu presenciei foi uma festa ilegal acontecendo atrás de uma grande moita no parque Heisenheide. A cena foi bem cômica, pois ouvi a música ao longe e não resisti em tentar descobrir de onde vinha. Percebi que estava próxima, mas não conseguia ver qualquer movimentação até um cara sair detrás da moita de onde eu estava. Fui lá espiar e me deparei com uma rave lotada, um verdadeiro covidário, rolando atrás de uma grande moita. Claro que não deu pra ficar, pois tudo era aflitivo, desde o tipo de música, a qualidade de som à aglomeração como nos nossos tempos dourados.

Pornceptual: minha primeira festa em 2021

A Pornceptual, comandada pela dupla de brasileiros Raquel Fedato e Chris Phillips, foi a primeira festa que fui este ano. A festa aconteceu há duas semanas num lago, o Plötzensee, que transformou uma parte de sua praia privada num local para eventos, onde tocar techno não é permitido. Aham! Por isso, o tema da edição foi Tropicália, só com DJs brasileiros no line-up e muita montação remetendo ao nosso carnaval. Inclusive o meu próprio outfit e o do marido vieram direto de São Paulo.

A Pornceptual, uma festa queer toda trabalhada no fetiche, é hoje um dos projetos queer mais relevantes de Berlim. Inclusive, o seu sucesso levou a criação do festival Whole, uma plataforma online e uma revista impressa, além de seu Instagram bombado. Não é exatamente o meu tipo de festa, mas depois de uma longa espera e da proposta de curti-la à beira de um lago, num domingo quente de verão, me pareceu uma ideia irresistível, além de eu também ser amiga da Raquel e querer prestigiar o seu retorno.

Eu estava animadíssima para finalmente curtir uma pistinha de dança após um longo inverno e quarentena. Eu e o marido devidamente vacinados com as duas doses nos garantiu uma sensação maior de segurança, mas ainda assim fizemos o teste para garantir que estávamos mesmo zerados. A festa, que sofreu ameaça de não acontecer no último momento, acabou rolando e foi impecável do começo ao fim, tendo todas as regras seguidas à risca.

Chegamos às 14h e nos deparamos com uma longa fila na porta. Senti um comichão no estômago por estar ali prestes a viver algo que sempre gostei muito. Afinal, produzi festas de música eletrônica por quase dez anos e depois de deixar de fazê-las, virei uma frequentadora assídua das pistinhas de São Paulo (em Berlim não deu tempo, já que cheguei aqui junto com a pandemia).

Na porta tinha uma Corona-Bike, centro de teste móvel, para testar os mais descuidados. Cadastro feito na porta, obrigatório aqui ao entrar/sentar em qualquer lugar, revista habitual e todo mundo de máscara na fila. Para chegar até a festa a partir da entrada, tivemos que percorrer um longo caminho pelo parque que cerca o lago. Foi um momento cheio de emoções, que sentimos só quando estamos revivendo algo que gostamos muito depois de tanto tempo. E também divertido, pois uma cerca separava a praia particular com famílias tomando sol e fazendo picnic, e a festa com seu público todo trajado em roupas de fetiche com muito couro ou nu, o que em Berlim é totalmente comum, então o estranhamento (e risadinhas) estava mesmo em relação mais aos vestidos do que aos pelados.

Retorno das festas em Berlim no pós-pandemia. Pornceptual à direita e a prainha particular do outro lado. A área com paredes em volta é a pista. Foto: Lalai Persson
Pornceptual à direita e a prainha particular do outro lado. A área com paredes em volta é a pista. Foto: Lalai Persson

Bares espalhados, pista com pé na areia com uma área bem demarcada onde só entrava de máscara, e a prainha ao lado com clubbers veranistas tentando tirar o mofo ocasionado pela pandemia. O clima era ótimo e relaxado, os banheiros limpíssimos o tempo todo que durou a festa, as filas para bares, onde usar máscara também era obrigatório, agilizadas. A festa teve ingressos concorridos e esgotados, mas o lugar estava bem tranquilo já que sua capacidade era maior do que o tamanho do público.

Tinha até drag queen montada a la Carmem Miranda, vestida com saia de bananas (reais), com uma placa “Fora Bolsonaro”. Claro, que num momento da festa, rolou um “Fora Bolsonaro” em coro. A música, que oscilou entre mais ou menos e muito boa, com boas batidas tropicais brasileiras até um synth pop maravilhoso, nos fez dançar do começo ao fim mesmo. Foi impossível na maior parte do tempo abandonar a pista, a não ser para tirar um pouco a máscara, se livrar da pouca roupa e se permitir um banho nua no lago que estava super convidativo.

Não fiquei até o fim da festa pra ver, mas soube que em algum momento a polícia apareceu só para checar se tudo estava sendo seguindo à risca e logo foi embora. Às 21h57 o som foi desligado, colocando uma legião de pessoas desoladas a pegar seus pertences e ir embora. Como neste horário ainda está começando a escurecer, a impressão que dá é que a festa poderia ir muito mais longe, mas não foi.

Para mim foi uma tarde perfeita. Reencontrei diversos amigos, bati muito papo, ri um bocado e dancei como há muito não dançava, além de ter tomados banhos maravilhosos no lago (agora só quero festa diurna à beira de um). Foi um bom retorno e, mesmo não esperando menos da Raquel, eu me surpreendi com tudo funcionando perfeitamente bem.

Tenho ensaiado ir à próxima festa, mas confesso que a minha alma anda um pouco resistente com esse retorno. São sentimentos novos que surgiram nesta pandemia que não são exatamente fáceis de lidar. Claro que é um privilégio e tanto estar numa cidade em que a vacina e testes antígeno gratuitos estão disponíveis para todos. Somos 48,3% totalmente vacinados e 59,9% com uma dose tomada. Nas últimas 24 horas foram reportadas 11 novas pessoas infectadas, o que elevou um pouco o número de casos, mas ainda assim tudo se mantém sob controle.

A situação atual das festas em Berlim com a pandemia

Diferentemente dos países vizinhos, a Alemanha tem sido mais conservadora neste retorno. Frequentar lugares fechados, como bares, academias e restaurantes, ainda requer teste negativo e/ou passaporte da vacina. A chegada de diversos países requer quarentena de 15 dias, inclusive para quem vem do Brasil.

Nos últimos dois finais de semana aconteceu o festival de techno Nation of Gondwana. A política de entrada foi primorosa na questão de garantir que não teriam pessoas infectadas pela COVID no evento e, assim, garantir mais segurança ao público presente e não ser obrigatório o uso de máscara. O ingresso comprado dava direito a um teste PCR que poderia ser feito num laboratório específico, inclusive no do aeroporto, já que muita gente veio para o festival de outras cidades.

O participante só recebia o ingresso após o teste feito tendo o resultado negativo, que era automaticamente conectado ao seu perfil. Não era possível revender ingresso. A chegada ao festival só era permitida em carros, bicicletas ou motos. Pessoas a pé ou de ônibus não eram permitidas. Todos os grupos de pessoas num mesmo carro, por exemplo, eram testadas juntas ao chegar no festival. O teste era cego e caso um teste tivesse resultado positivo, o grupo todo tinha a sua entrada vetada.

O retorno das festas em Berlim no pós-pandemia foi marcado pelo Christopher Street Day, 2021. Foto: Lalai Persson
Christopher Street Day, 2021, Berlim. Foto: Lalai Persson

No último sábado rolou a Parada LGBTQIA+, conhecida como Christopher Street Day. Estava bem cheia e sob o lema “Salve nossa comunidade – salve seu orgulho”. O clima era mais político e menos de festa (mas a festa esteve presente também). O senador de cultura fez discurso dizendo que quer transformar Berlim numa zona de liberdade queer e fez críticas severas à Polônia e Hungria por suas políticas intolerantes. O número estimado de participantes era de 65 mil pessoas, o que coloca a parada na maior manifestação pública desde o início da pandemia.

Os próximos capítulos das festas em Berlim até o fim da pandemia não sabemos, mas seguimos entre a alegria da vida dando a entender que está voltando ao “normal” e o medo de uma nova onda capaz de fechar tudo de novo.

*Foto capa: Biergarten Wilde Renate por Lalai Persson

Quem escreveu

Lalai Persson

Data

28 de July, 2021

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Lalai Persson

Lalai prometeu aos 15 anos que aos 40 faria sua sonhada viagem à Europa. Aos 24 conseguiu adiantar tal sonho em 16 anos. Desde então pisou 33 vezes em Paris e não pára de contar. Não é uma exímia planejadora de viagens. Gosta mesmo é de anotar o que é imperdível, a partir daí, prefere se perder nas ruas por onde passa e tirar dicas de locais. Hoje coleciona boas histórias, perrengues e cotonetes.

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