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Novo Anhangabaú: será que árvores são suficientes para qualificar o espaço público?

Quem escreveu

Renato Salles

Data

03 de August, 2020

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Apresentado por

Nada de novo sob o sol. Entra semana, sai semana, estamos sempre com a pressão chiando na panela de tanta polêmica que acumulamos desnecessariamente. A controvérsia da vez é a obra em andamento do Novo Anhangabaú, no centro sempre nervoso de São Paulo. O projeto de renovação da grande esplanada é de 2013, começou a ser executado em 2019, e não deve estar pronto antes de setembro. Mas bastou uma foto para críticos de todos os lados ligarem seus lança-chamas de urbanismo de boutique. Afinal, o que vai ser desse tal Novo Anhangabaú?

A foto que causou a polêmica sobre o Novo Anhangabaú foi publicada em matéria do portal G1.
A controversa foto foi publicada em matéria do portal G1 – Foto: Fábio Tito

Para começar qualquer conversa, precisamos entender que a foto que foi tão divulgada é uma péssima referência para qualquer argumentação. Pessoas reclamam de um projeto que nem foi concluído ainda, e nem se deram ao trabalho de pesquisar o que vai ser do resultado final. A gritaria mais estridente tem como base uma comparação desse espaço em construção com a imagem do espaço anterior. O Anhangabaú antigo aparecia cheio de árvores frondosas, e agora mais parece um grande piso cinzento, sem vida.

‘Ai, mas São Paulo precisa de mais árvore, não menos!’ dizem os proto-especialistas. Sim, São Paulo precisa urgentemente de mais espaços verdes, isso é inegável. Mas definitivamente o Anhangabaú não é o lugar para isso, visto que ele é uma gigantesca laje de concreto sobre um túnel. Se você fosse árvore, você gostaria de ser plantado no cimento? E mesmo assim, o projeto finalizado deve contar com mais árvores do que havia ali antes, passando de 420 para 480 delas. Só estarão agora em lugares mais adequados, nas laterais da praça.

Filme promocional do projeto feito pela Prefeitura de São Paulo

Outro detalhe bem importante foi levantado pelo sempre lúcido e certeiro jornalista Raul Juste Lores em seu Twitter: “Se espaço público com árvores fosse muito frequentado, Trianon e Parque D. Pedro viveriam cheios. O Anhangabaú tem diversos problemas, a falta de árvores é apenas um deles (antes tinha verde e era ermo, um lugar de passagem).” Tendemos sempre a achar que espaços públicos de qualidade são só parques fartamente arborizados, mas alguns dos nossos melhores parques vivem às moscas, mesmo em áreas centrais. Em compensação, a Av. Paulista, que nada mais passa de uma avenida murada de prédios espelhados dos dois lados enche a cada domingo.

O próprio Raul ainda nos lembra que algumas das praças mais fascinantes do mundo não tem uma árvore sequer. É o caso da sempre lotadíssima Piazza di San Marco em Veneza, a Plaza Mayor em Madrid, ou o Zócalo na Cidade do México. Jane Jacobs, considerada a papisa do urbanismo contemporâneo, mostra claramente em seu livro ‘Morte e Vida das Grandes Cidades’ que o que qualifica o espaço público é a vida que acontece nele. Lojas, restaurantes e cafés, eventos culturais, parquinhos, esportes, são essas atividades, acontecendo tudo ao mesmo tempo, que atraem as pessoas.

Plaza Mayor, em Madrid, vive cheia de gente mesmo sem ter uma única árvore.
A Plaza Mayor, no centro de Madrid, é cercada de restaurantes e bares e vive cheia mesmo sem ter uma única árvore. Foto: Sebatián Dubiel – Creative Commons

Especialistas que falaram à Folha de São Paulo também fizeram muitas críticas ao Novo Anhangabaú. Mas o foco foi, em grande parte, o alto custo total da obra, e também o atraso na entrega, a privatização da gestão do espaço, o caráter higienista do projeto e o fato da reforma acontecer em um momento de pandemia, quando os recursos poderiam ter sido usados para causas mais urgentes. Errados não estão.

Vendo o projeto, e tentando antecipar o que veremos a partir de setembro, é difícil imaginar que o maior problema do Anhangabaú seja resolvido. O espaço não está mais todo recortado como era antes, para permitir usos mais diversificados. O piso foi trocado por um mais liso, que atrai skatistas, bikers e patinadores. Os jatos de água prometem ser um refresco para os dias quentes do verão. Mas ainda assim a praça me parece desconectada da cidade, e temo que o Novo Anhangabaú continue sendo uma passagem entre o centro histórico e o centro novo, só um pouco mais bonito.

Vista superior do antigo Anhangabaú, antes da reforma.
O ‘velho’ Anhangabaú
Vista superior do projeto do Novo Anhangabaú
O Novo Anhangabaú

É uma pena, principalmente levando-se em conta que o projeto contou com a consultoria do escritório do dinamarquês Jan Gehl. Para quem não sabe, Gehl foi um dos responsáveis pela transformação de Copenhagen em uma das maiores referências em termos de cidades sustentáveis e voltadas para o pedestre e o ciclista. Em seu livro ‘Cidades para Pessoas’, ele prega que o espaço público tem que ser um convite para a população, com muitas possibilidades de atrativos. Penso que um lugar como o Anhangabaú precisa de convites muito maiores do que bancos, bebedouros ou quiosques. Talvez as dificuldades trazidas pela realidade brasileira para o projeto tenham engessado o resultado que poderíamos ter.

Curiosamente, a referência que eu acho que poderia ter sido muito mais bem sucedida nessa remodelação do Anhangabaú vem também da Dinamarca. O Superkilen Park é um projeto de 2012 que contou com o escritório BIG, do arquiteto Bjarke Ingels, junto com o Topotek 1 e o Superflex. Ele se espreme em uma faixa irregular de mais de 1km de extensão entre as quadras, em um bairro ao norte de Copenhagen, conhecido pela grande mistura étnica de seus moradores, em sua maioria imigrantes. O projeto é dividido em 3 zonas: vermelha, preta e verde, todas projetadas para abrigar usos diversos. Playgrounds, skateparks, áreas de prática de esportes, mercados de rua, cafés, mesas para piqueniques e jogos, jardins, pista de patinação no gelo, tudo tem o seu lugar. As superfícies receberam desenhos variados para criar uma progressão dos espaços. O mobiliário urbano e a comunicação visual foram pensados usando referências das mais de 60 diferentes nacionalidades dos moradores da região. O convite, como quer Gehl, vem não só das atividades, mas também das cores, do design, e dos símbolos oferecidos no projeto.

Superkilen Park, projeto de espaço urbano qualificado em Copenhagen, Dinamarca.
Cenas do Superkilen Park, em Copenhagen. Repare na quantidade de estímulos visuais que o espaço oferece. Foto: Archdaily

De qualquer forma, precisamos esperar até setembro para saber o que vai ser do Novo Anhangabaú, tão cinzento quanto nossa cidade. E mesmo então, com a pandemia à solta e nenhuma previsão de quando teremos vacina, talvez demore ainda muito tempo para vermos se o Novo Anhangabaú vai conseguir superar as expectativas e virar um novo ponto de encontro de São Paulo. Apesar da chuva críticas, nossa cidade nunca deixa de surpreender. Esperemos um final feliz, pois.

Quem escreveu

Renato Salles

Data

03 de August, 2020

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Apresentado por

Renato Salles

Para o Renato, em qualquer boa viagem você tem que escolher bem as companhias e os mapas. Excelente arrumador de malas, ele vira um halterofilista na volta de todas as suas viagens, pois acha sempre cabe mais algum souvenir. Gosta de guardar como lembrança de cada lugar vídeos, coisas para pendurar nas paredes e histórias de perrengues. Em situações de estresse, sua recomendação é sempre tomar uma cerveja antes de tomar uma decisão importante. Afinal, nada melhor que um bom bar para conhecer a cultura de um lugar.

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    Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.