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O conhecido virou estranho: mudança de país no meio da pandemia

Quem escreveu

Sarah Galvao

Data

13 de August, 2020

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Mudar de país já é algo complicado e trabalhoso em tempos normais. Fazer uma mudança de país no meio de uma pandemia é ainda mais desafiador.

Certa vez, em uma festa de lua nova, as cartas revelaram que meu espírito animal é um beija-flor. Curioso e sempre voando por aí, mal coloca os pés no chão e já está no ar outra vez. Talvez isso explique porque já migrei 7 vezes entre fronteiras.

Mudanças geográficas são cartesianas apenas no mapa. Nessas horas, tenho picos de excitação ao pensar no que está por vir, misturados com uma nostalgia do que poderia ter sido. A bagagem que vou levando dentro de mim é o resultado do meu relacionamento com essas cidades e as pessoas que lá conheci. Meu beija-flor interior gosta de mudar o cenário e os atores para descobrir mais e continuar se transformando. Acho que esse é o meu loop.

A parte racional e logística do processo já tirei de letra. De tanto fazer malas e esquecer de caixas fechadas por anos em algum canto, fui percebendo que precisava de menos. E assim, mais coisas fui deixando pelo caminho. No emocional, entendi que no meu processo, alguns rituais e reações se repetiam e assim fui criando meus próprios mecanismos.

Aí vem a vida para ensinar que reações adversas são raras, mas acontecem. Fazer uma mudança de país tendo que encarar o mundo interno e externo de julho de 2020 foi um capítulo novo e estranho no que eu imaginava já ser escolada.

O novo normal dos aeroportos por conta do coronavírus.
Novos tempos, novos códigos de conduta
A Sarah Galvão conta como foi fazer uma mudança de país no meio da pandemia.
Quem faz uma mudança de país no meio de uma pandemia, está prontos para qualquer viagem em 2020

Agora em 2020, todo mundo tomou alguns caixotes, se não um tsunami na cabeça. As celebrações de amizade com dias e noites de encontros pré-mudança regados com alegria e planos de férias para encontros em diferentes lugares já não são mais possíveis. Seja pelas fronteiras fechadas, o Real valendo nada ou por algo muito pior: eu, meus amigos e o mundo estamos apáticos e, ao mesmo tempo, apavorados. Tentamos relaxar por alguns segundos, mas sem aviso a realidade esmurra a porta da nossa cabeça.

A ressaca no avião não é consequência de uma festa de despedida. É por ter que ir embora sem dar um abraço nos meus pais, que moram em outra cidade. De não ter visto todos meus amigos e sentir que aqueles que consegui encontrar estão precisando de cuidado. Não me emocionei com as lágrimas de despedida dos desconhecidos no portão de embarque – não tinha ninguém lá. Apesar de ter muito mais motivos para chorar nessa mudança, a falta de contato social por 4 meses talvez tenha me deixado um pouco anestesiada. E não pude nem aumentar ainda mais esse estado catártico durante o voo, já que em tempos de Coronavírus não está permitido o consumo de álcool a bordo.

Até as revistas estão protegidas contra do coronavírus no avião.
Até a revista a bordo usa máscara

Nas mudanças anteriores, eu estava olhando para dentro, sonhando com as possibilidades adiante ou pensando no que eu poderia ter feito de diferente, para aprender e seguir. Dessa vez, tudo o que eu tinha era olhar para fora com atenção e gravar na cabeça os momentos dessa situação insólita: me mudar de continente no meio de uma pandemia.

Passar pelo raio-X e filas de imigração vazias me deu uma estranha paz interior. Para esquecer da verdade, olhei para Guarulhos T3 e visualizei um vídeo clipe cool com uma pessoa solitária no aeroporto, iluminada pelas luzes brancas, frias e simétricas, refletidas no chão polido. Pela primeira vez, foi fácil encontrar meu voo na tela de partidas: só tinham 3 saindo do Brasil naquele dia. Apenas uma loja estava aberta e não havia ninguém experimentando cremes e perfumes, nem crianças maravilhadas por chocolates em embalagens gigantes ou pessoas felizes pela sonhada viagem que estava por vir.

Cenário recorrente no meio da pandemia: aeroportos vazios e poucos vôos.
Guarulhos meio parado

No saguão vazio, um homem cruzou meu caminho, vestindo roupas tipo de apicultor. Para complementar o visual, luvas, duas (sim, duas) máscaras e protetor facial. Eu, que estava me sentindo um pouco neurótica com uma N95 e um óculos de ski, comecei a ter uma paranoia invertida – de não estar protegida o suficiente. Lembrei do frenesi que contagiava aquele terminal e da ultima vez que pisei ali naquele cenário, que era muito familiar mas já apresentava sinais de estranheza. Era março de 2020 e estava voltando antes do tempo dos Estados Unidos, já prevendo o fechamento do espaço aéreo. Naquele voo, tirei um desinfetante da bolsa para limpar meu assento e a tela adiante de mim, além de usar máscara durante todo o tempo. As pessoas me olhavam como se eu fosse louca e eu podia ver o risinho em seus rostos. 16 semanas depois daquele dia e no mesmo lugar, pensei que às vezes a neurose e a ansiedade nos protege e nos previne de certos males.

Exagerado ou precavido?
Fazer uma mudança de país no meio da pandemia pode ser desafiador.
Aeroporto de Amsterdã com pouco movimento para julho

Fiz essa mudança de país no meio da pandemia por conta de uma oportunidade em Barcelona. Como é a terceira vez que volto para uma temporada sem data de término, não fiquei romantizando sobre como seria a vida aqui. Já conheço muitas esquinas dessa cidade. Porém quando meus pés tocaram o solo, percebi que nesse capítulo não era só eu quem tinha mudado – Barcelona era outro lugar. Eu, que já tinha me mudado tantas vezes, e dessa vez para uma velha conhecida, estava adiante de uma situação de estranha calmaria, de um mundo que parece pausado, em uma cidade que antes exalava excitação.

Depois do processo intenso de pré-mudança em pandemia, 16 horas entre voos, conexões e muito TOC na hora de ir ao banheiro apertado do avião, coloquei as malas na minha casa temporária e desci, de máscara, para uma terraza. Pedi um vinho branco gelado que combinava com aquela tarde de verão e observei as pessoas passarem. Pela primeira vez em 4 meses, estava em um restaurante. E do outro lado do mundo, depois de uma epopeia distópica. Comi as azeitonas de cortesia como se fossem um banquete de felicidade. Me senti realmente presente e tinha esquecido como era essa sensação. “Porra, tô feliz de estar aqui, com essa euforia jovem de uma droga que bateu bem e ter esquecido, de verdade e por alguns instantes, de toda essa merda acontecendo no mundo”, soltei após terminar a primeira taça de vinho, quando a realidade respingou outra vez na minha cabeça.

*Foto destaque: Angela Compagnone / Unsplash

Quem escreveu

Sarah Galvao

Data

13 de August, 2020

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Sarah Galvao

A Sarah morou em 5 cidades diferentes nos últimos 9 anos, seja a trabalho ou no sabático que tirou em Barcelona. Na hora de planejar uma viagem, gasta 70% do tempo pensando onde vai comer, porém tenta queimar as calorias conhecendo as cidades de bike . Já teve que renovar passaporte por falta de espaço para novos carimbos mas ainda tem a África e Oceania como pendências.

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    Vivemos em um mundo de opções pasteurizadas, de dualidades. O preto e o branco, o bom e o mau. Não importa se é no avião, ou na Times Square, ou o bar que você vai todo sábado. Queremos ir além. Procuramos tudo o que está no meio. Todos os cinzas. O que você conhece e eu não, e vice-versa. Entre o seu mundo e o meu.