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Fordlândia – A cidade perdida de Henry Ford na Amazônia

Quem escreveu

Pedro Ivo Dantas

Data

14 de October, 2015

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Imagine a situação: você está num barco, navegando o Rio Tapajós, um dos afluentes do Amazonas, há dias de viagem da cidade mais próxima. Por quilômetros e quilômetros, até onde a vista alcança, apenas o azul das águas e o verde da mata. De repente, as árvores se abrem numa clareira e você consegue distinguir algumas construções – algumas casas carcomidas pelo tempo, ruelas tomadas pela vegetação. Intrigado, você desce do barco e se põe a explorar o cenário. O que você encontra não são as típicas habitações de madeira dos ribeirinhos amazônidas. Não, o estilo das casas e construções que sobreviveram, além de detalhes como uma enorme caixa d’água e até alguns hidrantes espalhados pelas calçadas indicam que você está numa típica cidadezinha americana – só que perdida no meio da selva. Parabéns, você está em Fordlândia!

História

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Casas com varanda, bailes dominicais, um moderno hospital e até um hidrante: em seu auge, Fordlândia era um pólo americano em meio a floresta.

Para entender como tudo isso começou, é preciso retornar no tempo até o princípio do séc. XX. Nos Estados Unidos, Henry Ford acabava de criar, praticamente sozinho, a indústria automobilística. Inicialmente, apenas nos EUA e posteriormente no mundo inteiro, as ruas eram tomadas por cópias do seu Modelo T – aquele que podia vir em qualquer cor desde que fosse preto. Desde seu quartel general, a cidadezinha de Dearborn, em Michigan, Ford construiu um imenso império industrial: desde as minas de minério de ferro até as fundições que transformariam esse minério em aço, que seria por sua vez transformado em motores, chassis, etc, a Ford controlava todas as etapas de fabricação de um automóvel. A única exceção eram os pneus, que para serem fabricados dependiam de látex, matéria prima que naquela época só tinha um produtor: o Brasil, ou mais especificamente, a Amazônia.

Assim, Ford decidiu que precisava produzir látex. Para isso, mandou um representante ao Brasil para negociar com o governo brasileiro. Ora, se hoje a Amazônia ainda é um imenso deserto populacional, quase cem anos atrás isso era ainda mais verdade. O governo tinha todo o interesse em povoar seu território, garantindo sua posse efetiva e incentivando o desenvolvimento da região – especialmente se a empreitada envolvia alguém com o pedigree da Ford. Assim, cedeu à companhia americana uma imensa área de floresta para explorar como quisesse: cerca de 10 mil quilômetros quadrados às margens do Rio Tapajós – para efeitos de comparação, a Bélgica tem pouco mais de 30 mil quilômetros quadrados de território.

De posse da terra, Ford seguiu com seu plano: mandou trazer dos EUA toda a estrutura de uma cidade americana típica, desmontada nos porões de navios. Em 1927, Fordlândia – como a área logo se tornou conhecida – foi oficialmente inaugurada. No seu auge, a vila tinha lindas casinhas em estilo americano, com varandas e jardins, galpões industriais para o beneficiamento do látex, uma imensa caixa d’água de ferro que garantia o abastecimento da cidade e saneamento básico (o que não acontecia em nenhuma outra cidade da Amazônia da época). Além disso possuía um clube onde, nos finais de semana, rolavam animados bailes ao som de ritmos como foxtrot e swing , além do hospital mais bem equipado em toda a região. Nesse simulacro de cidade moravam os americanos que vinham coordenar o trabalho de produção e beneficiamento do látex – os brasileiros, que tocavam o trabalho pesado, habitavam um outro povoado próximo, bem mais simples.

O fracasso de Ford

Para Ford, o método tradicional de produção de látex, onde os seringueiros vagavam a floresta atrás das árvores nativas, era ilógico e improdutivo. Assim, ele definiu que Fordlândia teria uma plantação de seringueiras, otimizando a produção – o mesmo tipo de raciocínio com o qual havia revolucionado a produção fabril. Entretanto, Ford não contava com as adversidades que viriam pela frente. Em última instância, Fordlândia foi um fracasso completo: Ford era acima de tudo um engenheiro e tratava tudo como um problema de engenharia. Assim, mandou para a Amazônia todo um séquito de engenheiros, técnicos e administradores – mas nenhum agrônomo ou biólogo que pudesse ajudar a planejar e tocar a imensa plantação de seringueiras. Os problemas se sucederam desde o princípio: desde a dificuldade logística em conseguir a quantidade de sementes necessárias para o início do plantio, até sucessivas pragas que atingiram as árvores e com as quais os americanos não sabiam lidar.

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Antiga fábrica de beneficiamento de látex hoje em escombros.

Além disso, não podemos menosprezar as dificuldades de adaptação que esperavam os americanos: o choque com o clima equatorial e a floresta, bastante desafiador para homens do norte dos Estados Unidos, além dos atritos com os locais – Ford era extremamente puritano e impunha essa filosofia à sua empresa. Assim, em Fordlândia o jogo, o sexo fora do casamento e especialmente o fumo e a bebida eram proibidos, situação anátema para os caboclos que trabalhavam na plantação, e que logo deu origem a um imenso bordel flutuante do outro lado do rio, formado por vários barcos ancorados juntos onde a jogatina, a prostituição e o álcool rolavam soltos e onde todos iam gastar seus ordenados. Essa tentativa de impor um estilo de vida chegou ao ponto de tentar influir na dieta dos trabalhadores: o refeitório de Fordlândia, onde todos se alimentavam, só servia comida americana, incluindo hambúrgueres enlatados vindo diretamente dos EUA. Esse tipo de tratamento levou a episódios esporádicos de rebelião dos trabalhadores, o que sem dúvida contribuiu com o declínio do empreendimento.

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Uma das poucas casas da época dos americanos ainda de pé.

Alguns desses problemas foram eventualmente contornados, mas o principal não: a plantação não vingava de jeito nenhum. Foi somente depois de muitos anos de tentativa e erro que Ford finalmente decidiu enviar à Fordlândia alguns especialistas em agricultura tropical, que logo chegaram a conclusão de que o local escolhido para a plantação era inapropriado – a localização de Fordlância havia sido escolhido devido a sua facilidade de acesso pelo rio, porém o terreno em torno era irregular e pedregoso.  Assim, a única alternativa era transportar a plantação para outro local – o ponto escolhido foi batizado como Belterra e de cara se mostrou muito mais promissor, com um solo fértil e uma topografia que permitia o uso de máquinas. Porém, esse sucesso veio tarde demais, e em meados dos anos 40 a borracha sintética foi inventada, acabando com a motivação para a aventura amazônica de Ford. Em 1945, o neto de Ford, Henry Ford II, vendeu todo o empreendimento de volta ao governo brasileiro, amargando um prejuízo de US$20 milhões no processo. Embora Belterra tenha perseverado e hoje seja um município de pouco mais de 16 mil habitantes, Fordlândia acabou sendo quase que completamente abandonada com o tempo, a não ser por poucas famílias que ainda hoje vivem por lá. Apesar de ser uma história pouco conhecida mesmo nos Estados Unidos, Fordlândia é considerada o único verdadeiro fracasso da vida de Henry Ford – que, vale dizer, nunca pôs os pés no Brasil.

Visitando Fordlândia hoje

Chegar em Fordlândia não é tarefa fácil. A cidade mais próxima é Santarém, porém não há nenhum meio de transporte regular entre esses lugares. Barcos saem regularmente de Santarém com destino a Itaituba, passando por Fordlândia no caminho, porém sem parar lá. Para realmente visitar o lugar, você vai precisar alugar um barco com tripulação para lhe levar. As agências de turismo em Santarém podem preparar tudo isso, porém tenha em mente que não vai sair barato. Como os barcos são grandes, o melhor é ter um grupo disposto a fazer a viagem e dividir os custos. De Santarém para Fordlândia são cerca de 12 horas de viagem, dependendo da potência do motor. O próprio barco funciona como base e dormitório. Você também pode se programar para sair de Alter do Chão.

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Visual da chegada em Fordlândia, incluindo a icônica caixa d’água.

A recompensa pela lenta viagem são as belíssimas paisagens providenciadas pelo Rio Tapajós, que na época do verão amazônico (época sem chuvas, que corresponde aproximadamente ao segundo semestre do ano) fica com suas margens tomadas por águas de areias claríssimas. Uma parada na ida e na volta é altamente recomendada para relaxar e desanuviar. Pra desfrutar melhor da visita, é melhor contar com os serviços de um guia – não há nenhum tipo de indicativo no local sobre o que se deve ver. Caso não tenha levado um guia de Santarém, você pode tentar convencer algum local a te mostrar os arredores – e quem sabe contar um pouco da sua história, muito embora a maioria dos moradores atuais não viveu os tempos dos americanos.

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Brincando de (tentar) abraçar a Vovó Samaúma na comunidade do Maguari – um belo pit stop no retorno de Fordlândia.

Ao se aproximar de Fordlândia a primeira coisa que se pode avistar é a silhueta de inconfundível caixa d’água de aço que paira sobre a vila e que garantia o suprimento dos antigos moradores. Logo o restante das construções deve se tornar visível. Os principais pontos de interesse em Fordlândia são um imenso galpão em ruínas, dentro do qual se encontram maquinários e até caminhões da Ford dos anos 30; a já mencionada caixa d’água; e uma alameda ao longo da qual ainda resistem algumas das casas originais dos americanos. Fordlândia não é um museu, não espere um desfile de atrações – essa é um lugar para se visitar pelo contexto histórico, para tentar sentir na pele o que foi essa transloucada desventura de Ford, e compreender por que a Amazônia há tanto tempo frusta as ambições do homem.

A viagem toda pode ser feita sem pressa em 3 dias, ou você pode aproveitar para parar em outros pontos pelo caminho. Recomendo uma parada na comunidade do Maguari, já próximo a Alter do Chão. Essa comunidade faz parte da Flona, a Floresta Nacional do Tapajós. De lá é possível contratar um guia para fazer uma trilha pela mata de cerca de uma hora até a Vovó, uma imensa Samaúma com mais de 1200 anos de idade e com um tronco tão grosso que são necessárias mais de 30 pessoas para abraçá-la. A sensação de estar em contato com um ser vivo tão antigo e impotente é algo indescritível. No retorno, aproveite para visitar a comunidade e apreciar o artesanato de látex que é feito lá.

Quem escreveu

Pedro Ivo Dantas

Data

14 de October, 2015

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Pedro Ivo Dantas

Paraense radicado em Lisboa. Engenheiro, cozinheiro e cervejeiro, sem ordem específica de preferência. Viajante de vocação.

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Comentários

  • Pretendo visitar FORDLANDIA na segunda quinzena de Junho

    - AUGUSTO CÉZAR PEREIRA DOS SANTOS
  • Pretendo visitar FORDLANDIA na segunda quinzena de Junho

    - AUGUSTO CÉZAR PEREIRA DOS SANTOS
  • Oi,
    Gostaria de saber se tem e até onde consigo chegar lá de carro?

    - Jaqueline
    • Desculpe-me, mas não entendi o que você quer saber se tem.

      - Lalai Persson
  • Não sei quando você escreveu isso, mas, tem barco e lancha que sai todos os dias para Fordlândia. Na verdade, eles saem para Itaituba, contudo, param em Fordlândia sim. Também tem Itaituba, que é MUITO mais perto do que Santarém, e de lá, saem barcos diretamente para Fordlândia e também tem lancha, sendo essa última diária. Então, seus dados estão equivocados.

    - Mayke Wille de Lima Barreto
    • Oi Mayke, valeu pela informação. Realmente me baseei em Santarém, e de lá não tem nenhum transporte regular pra Fordlândia, até onde pude averiguar. É bom saber que há essa opção a partir de Itaituba.

      - Pedro Ivo Dantas
    • Foi em 2015 e na época que o Pedro foi, ainda não tinha essa lancha. Legal saber. Vamos incluir esse update :)

      - Lalai Persson
      • Certo, mas na verdade, esse serviço que informei, é oferecido a pelo menos, desde o ano de 2011. Mas ainda sim, uma atualização seria massa. Sucesso!

        - Mayke Wille de Lima Barreto

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